A menos de duas semanas das eleições para o Parlamento Europeu, espera-se que os MNE da UE discutam, esta 2.ª feira, a situação da Ucrânia, com o chefe da diplomacia ucraniana Dmytro Kuleba, e façam o ponto da situação sobre o próximo pacote de sanções contra a Rússia e a implementação do Fundo de Assistência à Ucrânia
Corpo do artigo
Com o aumento das táticas de guerra híbrida de Moscovo no nordeste da Europa ao longo da última semana, vários Estados-membros da UE começaram a intensificar as opções de dissuasão em relação à Rússia. A pressão da Rússia para alterar a fronteira do Mar Báltico, na quarta-feira, com um documento do Ministério da Defesa russo divulgado, e misteriosamente apagado, sobre alterações alegadamente planeadas nas águas territoriais, suscitou preocupação na região e colocou os Estados Bálticos e Nórdicos em alerta.
Num outro incidente, desta vez com a Estónia, os guardas de fronteira russos realizaram na quinta-feira uma operação no rio Narva e removeram 24 das 50 bóias que marcam a fronteira que são utilizadas pelos navios para navegar nas águas sem entrar em território estrangeiro, disseram as autoridades da Estónia.
O diplomata-chefe da UE, Josep Borrell, exigiu na sexta-feira que Moscovo explicasse a sua demarcação unilateral. Disse o também vice-presidente da Comissão Europeia: “Este incidente fronteiriço faz parte de um padrão mais amplo de comportamento provocativo e ações híbridas por parte da Rússia, incluindo nas suas fronteiras marítimas e terrestres na região do Mar Báltico – tais ações são inaceitáveis.”
Apontou então a possibilidade de atos de “desinformação, sabotagem, atos de violência, interferência cibernética e eletrónica (…) e outras operações híbridas”.
Os países nórdicos e bálticos alertaram repetidamente que a Rússia bloqueou intencionalmente os seus sistemas de navegação GPS, causando perturbações significativas nos voos e no transporte marítimo na região. Ações de hackers russos, ataques informáticos têm também acontecido com países que assinam procolos de segurança com a Ucrânia, como aconteceu com Itália. Espanha e Portugal podem assinar protocolos desses com Volodymyr Zelensky esta segunda e terça-feira.
Os diplomatas da UE e os responsáveis da defesa europeus acreditam que nas próximas semanas poderá assistir-se a mais ações híbridas deste tipo e que os casos atuais seriam apenas a ponta do iceberg.
“Estes incidentes dos últimos dias são provocações russas, ponto final”, disse um alto funcionário da EU ao jornal digital Euractiv. “Se não mostrarmos alguma determinação para combater isto, isto irá cada vez mais longe”, acrescentou.
No momento eleitoral que se avizinha, o European Council on Foreign Relations, com o diretor Mark Leonard, promoveu a discussão na Fundação Calouste Gulbenkian: "Navegando nas eleições para o Parlamento Europeu: Dos desafios domésticos aos globais."
A conversa contou com dois ex-MNE, João Gomes Cravinho e Teresa Patrícia Gouveia, e ainda o ex-primeiro ministro adjunto ex-MNE da Moldova, Nicu Popescu.
Quais são as principais preocupações dos eleitores portugueses e de outros eleitores europeus? Que tipo de Europa poderá emergir das eleições para o Parlamento Europeu? Como pode navegar pelos inúmeros desafios internos e externos que a Europa enfrenta?
Mark Leonard apresentou dados de uma sondagem feita numa dúzia de países europeus, incluindo Portugal:
"A supergrande coligação neste momento representa 60% do Parlamento Europeu. Então ainda terá maioria, por isso eles vão decidir os principais cargos entre PPE e Socialistas. Mas o tipo de grande coligação entre o centro-esquerda e o centro-direita agora, não estará realmente mais em posição de definir a agenda. Ao passo que, durante a maior parte da vida do Parlamento Europeu, esses dois blocos principais, os sociais-democratas e os democratas-cristãos, ditavam as ordens e dirigiam basicamente um condomínio. A era desse tipo acabou. Pode ver-se, nas sondagens, que o centro-direita está basicamente a subir, a esquerda e o centro-esquerda estão a cair bastante. E também grandes derrotas para o grupo verde e para os liberais, o grupo de Emmanuel Macron, que refletem o que vai acontecer em diferentes lugares nestas eleições".
Apesar destes dados, o diretor do Conselho Europeu de Relações Externas admite que é cada vez mais complicado perceber como é que as pessoas vão votar, bem como antecipar o tipo de coligações que se formam em cada país, mas há novas identidades políticas que estão a emergir, desde logo forjadas por seis crises em quinze anos na União Europeia, que deixaram marcas na população e cristalizaram eleitorados. Mark Leonard chama-lhes tribos de crises:
"A nossa nova sondagem mostra que, se olharmos para os 12 países diferentes que temos, temos grupos de eleitores que foram moldados por crises específicas, e que são aproximadamente do mesmo tamanho. Assim, uma em cada seis pessoas foi moldada pelas alterações climáticas. Eles acham que esse é o tipo de crise maior e que mais contribuiu para a sua identidade política. Assim, outras pessoas foram moldadas pela imigração, que obviamente veio à tona com a crise migratória em 2015. A pandemia foi também, obviamente, uma espécie de modelador massivo da política europeia. Temos também a guerra na Ucrânia e a turbulência económica global, que para muitos países foi vivida de forma muito dramática durante a crise do euro, mas que regressou de formas diferentes. E o que é bastante interessante é que cada uma destas diferentes crises afetou toda a UE e todas as populações de maneiras diferentes. E vemos que, embora em alguns países as pessoas pensem que as eleições europeias têm tudo a ver com migração, na verdade a tribo migratória é a mais pequena destas grandes tribos a nível pan-europeu. Mas o que também é interessante são as diferenças entre os diferentes países. Podemos ver, por exemplo, que a tribo migratória é muito grande na Alemanha, onde é de longe a maior. E na Áustria é bastante grande. Mas em muitos outros países é muito pequena. Em Itália, apenas 9% das pessoas pertencem à tribo política das migrações. Em Portugal é ainda menor. Na Roménia é inexistente. E de qualquer forma, é muito interessante. Se olharmos para a situação portuguesa, não é uma grande surpresa, depois do que aconteceu na última década, que a crise económica global tenha sido uma espécie de modelador de identidade".
Mark Leonard estima que "algumas pessoas poderão ficar surpreendidas pelo facto de a guerra na Ucrânia ser uma grande parte da identidade portuguesa, a crise da tribo ucraniana é muito maior do que no vosso país vizinho, Espanha, onde apenas 5% das pessoas pertencem à tribo ucraniana e 7% das pessoas em Itália. Na verdade, há mais pessoas que se sentem muito influenciadas pela Ucrânia aqui do que em muitos países da Europa Ocidental, incluindo o Reino Unido, que não está nesta sondagem".
Outra tribo de crise, a da imigração:
"No que diz respeito à imigração, tende a haver uma concentração real de pessoas no tipo de partidos de extrema-direita em diferentes locais. Portanto, é uma identidade política mais clara do que qualquer uma das outras tribos. Mas, curiosamente, quando as pessoas votam em partidos de extrema direita no seu país, tendem a estar muito menos preocupadas com a migração do que antes. Portanto, o exemplo italiano é muito interessante, onde era uma espécie de peça central da política italiana, mas tendo um governo com Salvini e com Meloni, penso que levou muitos italianos a pensar que o problema foi resolvido de uma forma semelhante à forma como na Grã-Bretanha depois do Brexit. Apesar de a imigração ter triplicado, as pessoas sentiram durante muito tempo que tinham resolvido o problema da imigração. E a relevância da imigração como uma questão totalmente desmoronada só voltou a aparecer muito recentemente."
No que diz respeito às alterações climáticas, "quando as pessoas têm partidos verdes no governo, ficam ainda mais preocupadas com isso. Portanto, é a dinâmica oposta à da migração, mas também é algo que tem uma adesão mais difusa. Assim, em alguns países, o Partido Verde é um grande beneficiário disso. Mas em França, por exemplo, muitas pessoas que estão muito preocupadas com as alterações climáticas apoiam Mélenchon e noutros lugares os partidos de centro-esquerda. É algo mais difuso do que o apoio concentrado que se obtém na imigração."
"Na questão sobre a migração, embora apenas 7% dos inquiridos portugueses digam que essa migração moldou a sua identidade, a maioria, aqueles que estão lá, como eu disse, são muito mais propensos a votar em partidos de extrema direita como o Chega, 17% dos eleitores afirmam que esta foi a questão que mais moldou as suas perspectivas", acrescenta.
O novo programa TSF Europa pode ser ouvido de segunda a sexta-feira às 09h15 e às 18h15. Já as entrevistas na íntegra com os cabeças de lista às europeias podem ser ouvidas depois das 16h00 e sempre em TSF.pt até às eleições.