"Atiraram com o Governo abaixo. Era suposto no dia 26 de abril de 1974 isto ter acabado"

(Rui Manuel Fonseca)
Rui Manuel Fonseca (arquivo)
Rui Rio diz que as escutas ao antigo primeiro-ministro António Costa feitas pelo Ministério Público sem a autorização que a lei obriga constituem um "caso gravíssimo". Em entrevista à TSF, o ex-presidente do PSD atira: "Atiraram com o Governo abaixo. Era suposto no dia 26 de abril de 1974 isto ter acabado."
O ex-presidente do PSD Rui Rio defendeu esta sexta-feira, em declarações à TSF, que as escutas ao antigo primeiro-ministro António Costa feitas pelo Ministério Público sem a autorização que a lei obriga constituem um "caso gravíssimo".
Rui Rio fala numa ilegalidade e que necessita que alguém seja responsabilizado. Defende ainda que o Procurador-Geral da República (PGR) tem de abrir um inquérito.
Leia as declarações na íntegra
Partindo do princípio que é verdade, é naturalmente gravíssimo aquilo que estamos que o Ministério Público fez. De forma indireta, portanto, através de escutas feitas a ministros, escutou também o primeiro-ministro. Fez uma escuta que é absolutamente proibida. Nem é nula, é proibida. É proibida desde que não tenha anuência do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Portanto, aquilo que competia ao Ministério Público fazer é, mal caísse, como caiu uma escuta ao primeiro-ministro, de imediato notificar o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, para ele validar ou mandar destruir. Ao não fazer isso, andaram cinco anos numa ilegalidade que é mesmo um crime de prevaricação. A questão que se coloca agora é se realmente é verdade e existe esse crime, o que é que vai acontecer? Vai haver um inquérito e os magistrados que fizeram isso são responsabilizados, ou mantemo-nos na impunidade? É por isso que escrevi 'quem guarda os guardiões?', ou seja, como é que o povo tem controle sobre uma questão destas.
Este caso levou à queda do governo de António Costa há dois anos, no mesmo mês, em novembro. A Procuradoria-Geral da República na informação divulgada hoje explica que o ex-primeiro-ministro não tinha sido identificado como interveniente das conversas por razões técnicas diversas e que só foi identificado após nova análise. Como é que interpreta estas razões técnicas diversas?
Se estas escutas existem há cinco anos e se foi precisamente há dois anos que aconteceu o que aconteceu, ou seja, que a PGR de então escreveu um parágrafo dizendo que havia suspeitas relativamente a António Costa, esse parágrafo aparece precisamente por causa dessas escutas que eram proibidas. Isto não faz sentido rigorosamente nenhum. Isto ainda tem contornos de maior gravidade. E depois é assim, o Ministério Público pode dizer o que quiser, mas como não há transparência nenhuma, obviamente que os cidadãos têm muita dificuldade em acreditar naquilo que o Ministério Público possa dizer. Não há transparência nenhuma. Tanto faz eles dizerem de uma maneira como de outra, não há forma de escrutinar o que eles dizem. Tudo isto é de uma gravidade enorme. Isto fere o Estado de Direito democrático, porque a partir do momento que há procuradores, de uma forma direta ou indireta, conseguem escutar o primeiro-ministro sem autorização do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, nós estamos perante uma situação de uma gravidade enorme. Mais grave ainda é na sequência disto não acontecer nada.
Diz que a Justiça precisa de guardiões porque põe em causa a democracia?
Se há, efetivamente, procuradores que fizeram escutas proibidas ao primeiro-ministro, ou seja, que mal tropeçam nelas tinham de notificar o presidente do Supremo Tribunal de Justiça... no mínimo seria a expulsão. Fora a questão criminal que aparentemente está subjacente. Se for verdade e se nada acontecer, então qual é a pergunta que se coloca: quem guarda os guardiões? É preciso ver a gravidade do que nós estamos a falar.
E, para lá disso, há aquilo que eu disse há bocado. Se as escutas existirem, têm cinco anos. Se o parágrafo que levou à queda do Governo tem dois anos e se foi escrito com base nessas escutas, isto é de uma gravidade extrema. Atiraram com o Governo abaixo. Dois anos depois ainda não aconteceu mais nada. O primeiro-ministro de então quer consultar os autos. Nem sequer deixam consultar os autos. Era suposto no dia 26 de abril de 1974 isto ter acabado. Isto é uma coisa gravíssima.
Considera, portanto, que não é típico de um Estado democrático. O que é que deve fazer o Procurador-Geral da República perante este caso, tendo em conta que este processo levou à queda de um Governo de maioria absoluta?
Para mim é claro que ele tinha de instaurar um inquérito, como muitos que se instauram por aí a propósito de nada. E este não era a propósito de nada, era uma coisa grave. Agora, se isto está fechado na corporação, e se tudo é feito com um espírito corporativo, é evidente que não nos podemos admirar quando as coisas sucedem e depois não acontece nada e vivemos na impunidade. Por isso é que eu estou a dizer há muitos anos que tem de haver um escrutínio independente e democrático e não um escrutínio corporativo.
Acha que uma maior transparência iria evitar isso? Também é alvo de uma investigação, e tem apelado a reformas para o sistema da justiça.
Sim. Para mim é mais do que evidente há muitos anos que a Justiça não tem estado capaz de responder cabalmente à sociedade quando é solicitada para isso. Temos estado a falar agora do Ministério Público, que são realmente as coisas mais mediáticas e que ferem mais diretamente o Estado de Direito Democrático, mas experimentar meter uma ação nos tribunais administrativos, verá que muito dificilmente tem uma sentença antes de 15 ou 20 anos.
