Ativistas antirracismo preparam carta para travar manifestação "contra a islamização da Europa"
A marcha marcada para o dia 3 de fevereiro pretende trilhar as "ruas com mais imigrantes do país" com o objetivo de mostrar às comunidades, sobretudo islâmicas, que "não são bem vindas".
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Um conjunto de ativistas antirracistas quer travar uma manifestação em Lisboa que considera ser uma ameaça aos imigrantes, e está a preparar-se para enviar uma carta aberta ao Presidente da República, ao presidente da Assembleia da República, ao primeiro-ministro e a outros ministros.
A manifestação em causa apresenta-se "contra a islamização da Europa", está marcada para o dia 3 de fevereiro e inclui uma marcha pelas ruas do Intendente, do Martim Moniz e da Mouraria, estando a ser promovida por organizações ligadas à extrema-direita.
No X, antigo Twitter, páginas como Racismo Contra Europeus, Resistência Lusitana ou Grupo 1143 promovem o evento, que deve passar pelas “ruas com mais imigrantes do país, sobretudo de origem islâmica”: “Demonstrar aos traidores que nos governam desde o golpe de 1974, que existem portugueses que não querem alterar o seu modus vivendi, nem estão dispostos a sacrificarem mais mulheres no altar do multiculturalismo.”
Nas mesmas publicações, apontam que as comunidades imigrantes em questão "idolatram um profeta pedófilo, e praticam actos terroristas em toda a Europa”, pelo que “têm que sentir que não são bem vindas”.
Perante estes anúncios, explicou à TSF José Rui Rosário, ativista antirracista da plataforma Kilombo, surgiu uma iniciativa, em forma de carta com os mais altos cargos de Portugal como destinatários, de "um grupo de cidadãos preocupados com as questões dos direitos humanos em Portugal e no mundo, um coletivo de antirracistas, de grupos, de associações e de coletivos que se mostram preocupados com este ataque sistemático às comunidades migrantes, que denotam uma crescente xenofobia e um crescente ataque a imigrantes e pessoas racializadas em Portugal”.
Para este conjunto de ativistas, a manifestação marcada para o dia 3 de fevereiro "é uma prova de que a extrema-direita está focada em atacar as comunidades” e insere-se na "retórica de muitos grupos de extrema-direita, que passa por colocar na agenda política esta questão da imigração”.
José Rui Rosário cita "muitas movimentações e também muitas publicações nas redes sociais a falar de uma suposta invasão”, atos que considera colocarem "em risco muitas destas pessoas que são visadas” e que devem "preocupar a sociedade portuguesa, tendo em conta que há muita gente que já vai replicando esta retórica”.
O ativista nega que este seja um caso em que se queira "contrariar a liberdade de manifestação”, mas antes uma forma de alertar para "um ataque direto às comunidades”.
“Quando se vai a uma zona em específico de Lisboa para dizer que essas pessoas não são bem-vindas a Portugal, ou que estão a sentir-se invadidas por pessoas que, durante anos, décadas e mesmo séculos vivem em Portugal, estamos sem dúvida a deparar-nos com algo que vai além da liberdade”, aponta.
"Uma manifestação com estes fins não deve ser permitida"
A Amnistia Internacional vê na convocatória destes grupos de extrema-direita um “incitamento ao ódio e apologia à discriminação” que são de lamentar e aponta que quem participar em atividades desta natureza “incorre num crime de discriminação e incitamento ao ódio e à violência que está previsto no artigo 240.º do Código Penal e que prevê uma pena de prisão entre seis meses a cinco anos”.
Em declarações à TSF, o diretor-executivo da Amnistia Internacional Portugal, Pedro Neto, defende que “uma manifestação com estes fins não deve ser permitida” e que, se chegar a acontecer, “as forças de segurança pública devem impedir que ela se realize”.
O tema da imigração, aponta, tem sido um ponto de tensão na Europa porque “vai haver muitas eleições e Portugal não é exceção”, trazendo consigo uma discussão “polarizada”.
“Há muita gente a defender fronteiras completamente abertas, outras completamente fechadas e a aproveitar este discurso racista e xenófobo e anti-imigração, pró-migração para distração”, lamenta o responsável pela organização internacional, “quando todos sabemos que precisamos de imigrantes e os imigrantes que vêm devem ser bem-vindos e fazem falta”.
Para Pedro Neto, neste caso "tudo tem de ser regulado, até para proteger estas pessoas que chegam ao nosso país”.