Carvalho da Silva: "Foi pelo voto que conseguimos grandes avanços em áreas muito importantes da sociedade"
O Voto é a Arma do Povo: as primeiras eleições livres fazem 50 anos e a TSF convida 25 personalidades a falar sobre a importância do voto. Com um simples pedir de palavra, fez abanar todo o regime do Estado Novo. Carvalho da Silva faz um ensaio pelas conquistas conseguidas através do voto para mostrar a sua importância
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Sindicalista de vocação, Manuel Carvalho da Silva esteve à frente da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses - Intersindical Nacional (CGTP-IN) durante 25 anos, cerca de metade da história democrática portuguesa. Depois da luta pelos direitos dos trabalhadores entre 1987 e 2012, hoje, Carvalho da Silva faz um ensaio sobre o que o voto já conquistou.
"Acima de tudo, uma observação sobre o que valeu o voto ao longo destes 50 anos. A democracia constrói-se todos os dias, mas é evidente que os momentos eleitorais são momentos decisivos. Foi pelo voto que se criaram compromissos, como a constituição de órgãos de soberania, desde logo de uma Assembleia da República com sensibilidade para os problemas dos portugueses. Mas foi pelo voto que nós conseguimos grandes avanços em áreas muito importantes da sociedade portuguesa. É preciso lembrarmo-nos que no dia 24 de abril e continuou, as coisas não mudaram de um dia para o outro, foi preciso muito esforço, foi preciso mudar o voto muitas vezes, não desistir. E isso é fundamental: não desistir, ter sempre confiança. Foi por esse caminho que nós conseguimos ter um país onde há estruturas minimamente suficientes para propiciar caminhos de desenvolvimento ao país. Onde se criaram infraestruturas ligadas ao fornecimento de água, às redes de esgotos, a tantas e tantas coisas que não existiam", disse o sindicalista em entrevista à TSF.
Carvalho da Silva aponta também a educação como uma conquista de Abril.
"É bom lembrar que na escola, no 25 de Abril, muito mais de 50% dos alunos tinham reprovações logo nos primeiros quatro anos. Eu julgo que a taxa se aproxima dos 75%, o número de crianças que iam para a escola e chumbava logo nos dois primeiros anos. O nível que conseguimos na saúde e em infraestruturas que são base para podermos ter um país que propicie melhor mobilidade, que propicie condições para o desenvolvimento económico melhor. Tudo isso só existe porque há uma insistência na vida democrática, uma insistência na responsabilização pela eleição de representantes", considera.
E daí lança o repto: "É isso que temos que fazer no dia 18 de maio: todos votarem e todos, tanto quanto possível fazerem um balanço, perder uns minutos a olhar o imenso que foi conquistado, mas também o muito que está por conquistar e o muito que está sujeito a regressões que são perigosas. Este tempo é um tempo de enormes exigências a nível europeu e mundial, mas é cada povo que vai ter que encontrar no fundamental as respostas aos seus problemas. Ninguém os virá resolver por nós, não é nenhuma União Europeia e nenhum organismo Internacional que nos virá substituir. Somos nós que temos de resolver. Isto não se resolve com promessas falsas, com o criticismo ligeiros, mas sim como uma grande responsabilização de cada um de nós."
Manuel Carvalho da Silva também entende a menor participação eleitoral hoje do que em 1975, nas primeiras eleições livres em Portugal, e visa as gerações mais novas.
"Há muita frustração. Um aspeto que eu realço muitas vezes: nós já vamos na segunda geração a quem dissemos ‘vai à escola, prepara-te, prepara as condições-base, porque se tu aprendeste, se tu te formares, vais ser ressarcido, vais ter compensações’. E já vamos em duas gerações em que grande parte destas gerações se sentem frustradas. Foi-lhes prometido que se fizessem esforços de formação escolar, mas também profissional, que tinham respostas. O perfil de especialização da economia não o permite", argumenta.
E complementa a explicação: "Acabamos por ter milhares e milhares de portugueses que fazem formação em Portugal e, já agora com o orçamento do Estado a suportar uma parte dos custos da formação, mas depois não tem correspondência. A mim impressiona-me que há muitos setores na sociedade portuguesa que a forma que encontra para valorizar o trabalho é não chamar trabalhador ao trabalhador e chamar colaborador para criar uma imagem falaciosa sobre o que é a sua condição de trabalho."
Por isso, para o antigo secretário-geral da CGTP-IN, a luta pelos direitos dos trabalhadores, de todos os trabalhadores, continua a fazer sentido meio século depois da liberdade.
"Nós precisamos muito de trabalhadores qualificados, mas qualificados em profissões novas e profissões velhas. Nós precisamos, não de colaboradores, mas de eletricistas, programadores –base. Precisamos de profissões novas também e é preciso que na escola se preparem os jovens para este mundo e não estão a ser preparados. Estão a ser preparados para um futuro de abstrações em que teoricamente é tudo determinado pela inteligência artificial ou por outros instrumentos e não se faz uma abordagem séria do que vai ser a vida das pessoas. Este é apenas um exemplo do muito que leva as pessoas a frustrações. A continuação de salários baixos, a continuação de pensões baixas, a confirmação todos os dias de que há dinheiro para estes poderosos, não há dinheiro para quem não tem poder. Tudo isto faz parte do clima que leva esta frustração e também é preciso não menorizar o impacto das dinâmicas do ponto de vista global", critica.
Por isso, também proliferam as ideias autocráticas: "Os trumpismos existem muito espalhados pelo mundo. Estamos numa concorrência feroz em que a Europa precisava muito de defender os seus valores e não tem defendido. Tem invocado valores para os confirmar quando se trata de defender amigos e para os negar quando se trata de lidar com as realidades do mundo que hoje são imensas e não podem ser vistas só pelo nosso quadro de valores. Tudo isto gera frustrações. Não há uma causa única e uma causa principais. É um tempo de grandes evoluções, de grandes mudanças e, por isso, devemos, porque até hoje não foi encontrado um sistema melhor, devemos deitar mãos de tudo o que são instrumentos que a democracia nos permite para que ela vença e para que a dimensão humana do de cada um dos indivíduos, seja a dimensão fundamental. O colocar as pessoas debaixo de determinismo, sejam tecnológicos, sejam de outra ordem, sejam financeiros, porque esses determinismos não conduzem a nada, apenas subjugam."
Depois de uma revolução quase sem sangue, Portugal está há 50 anos a utilizar a arma mais forte que o povo tem: o voto. A TSF convida 25 personalidades a falarem sobre a importância da participação dos eleitores. Para ouvir todos os dias na antena da TSF de manhã, à tarde e à noite, e a qualquer hora em tsf.pt