Cascais 2025: Carreiras esgotou o seu tempo, haverá de certeza um senhor que se segue
Com tanto de rico como de desigual, o futuro do concelho decide-se entre a atual aposta no imobiliário de luxo e a viragem para as condições de vida, transporte e habitação de quem lá vive
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A Casa Milú tem mais pó do que alguns túmulos egípcios. Algum parece ter pousado ali logo no primeiro dia: 12 de outubro de 1960.
"No ano que vem, vou ter de fechar a loja", conta Milú, cercada de quinquilharia amarelada pelo tempo. Não são os 87 anos que lhe tiram a genica, as mudanças em Carcavelos é que lhe levaram os fregueses há décadas.
Quando esta loja abriu, já "havia guindastes por todo o lado", tal como hoje. Só que foram os primeiros, os que construíram à beira-mar, bairros de casas de férias para famílias endinheiradas e turistas fiéis, aqueles que "voltavam todos os anos e ficavam pelo menos um mês".
Quase 50 anos depois, os velhos proprietários vão morrendo e cada palmo de terra é comprado e entregue ao setor imobiliário para erguer apartamentos que passam o milhão de euros e muito, muito alojamento para turistas e estudantes estrangeiros.
Construir, construir. Caro, caro
Na Remax Viva, Cristina Ferreira conta que nunca viu nada assim. "O normal seria termos um T1 para arrendar por 1200 euros e haver propostas mais baixas. Hoje é ao contrário, as pessoas oferecem 1250, 1300, 1350 euros. É uma loucura, mas a procura continua muito acima da oferta."
Comprar um apartamento custa hoje três vezes mais do que há meia dúzia de anos. "O preço por metro quadrado anda pelos 5000 euros, mas no Estoril ou em Cascais pode chegar aos 7000 e mais, é um disparate."
Enquanto isto, a velhinha Linha de Cascais e os velhinhos comboios da CP vão definhando. Na A5, a hora de ponta é cada vez mais longa. Na Marginal, o trânsito parado não tem mais alternativas.
Cascais está mais poluído e também menos verde. Serão mais de 500 hectares que desapareceram nos últimos anos para dar lugar a empreendimentos de luxo.
SOS Quinta dos Ingleses é uma associação que tem tentado travar o vento da vaga urbanística com as mãos. Tem recorrido a tribunal para contestar o avanço de algumas obras em zonas verdes ou junto ao mar.
Pedro Jordão, fundador, pede "que haja mudança, porque o concelho está cada vez mais descaraterizado", avisa que "as infraestruturas não têm acompanhado o ritmo da expansão urbanística" e estão à beira da rutura.
Fica em Cascais a única PPP (Parceria Público-Privada) da Saúde. É o Hospital de Cascais, gerido por uma empresa espanhola. Um edifício moderno que depressa se tornou pequeno e insuficiente para responder a tanta procura. Afinal, há no concelho 75 mil utentes sem médicos de família.
Entre a Quinta da Marinha e o bairro da Cruz Vermelha
Há tantas obras por estes dias que também no Bairro da Cruz Vermelha, antigo bairro de barracas, há hoje prédios em construção em todas as ruas. Aqui, mistura-se a construção camarária, social e alguns edifícios de iniciativa privada.
Paula vai buscar a neta à escola e só torce o nariz, quando aponta com a cabeça um grupo de jovens mais espalhafatoso e barulhento, de resto garante que o bairro melhorado. "Isto já foi só barracas, hoje são só casinhas. Melhorou muito."
Paulo Santos é "nascido e criado" neste bairro. A mãe veio de Angola e aqui criou os quatro filhos. Por aqui, as casas são modestas, abrigam pessoas de diferentes origens, há sinais de alguma pobreza, mas Paulo Santos, líder da Associação de Moradores, garante: "O que temos aqui não são problemas, são desafios, porque hoje toda a gente tem uma casa digna."
Mudam todos os candidatos, menos um
Com cerca de 215 mil habitantes, Cascais é o quinto concelho mais populoso da Área Metropolitana de Lisboa. Em 2021, votaram 80 mil eleitores que, por mais de 50% dos votos, escolheram a coligação PSD/CDS, liderada por Carlos Carreiras. Impedido de ir a um terceiro mandato, abre caminho a uma campanha de novos candidatos (à exceção do Chega).
PSD/CDS - “Viva Cascais”
Nuno Piteira Lopes
Vice-presidente da Câmara e braço-direito de Carreiras, apresenta-se como o herdeiro da atual governação. Economista, 46 anos, promete também um novo ciclo com aposta em apoios na saúde, melhor mobilidade e infraestruturas.
PS - “Dar Sentido a Cascais”
João Ruivo
Aos 48 anos, lidera os socialistas locais com foco na habitação social, mobilidade sustentável e emprego. Assume ser difícil destronar a direita, mas quer recentrar o município nas necessidades da população.
CDU - PCP/PEV
Carlos Rabaçal
Veterano da política autárquica, aposta num modelo de desenvolvimento centrado nos serviços públicos, com especial atenção à gestão pública da água e ao reforço da habitação pública.
Iniciativa Liberal
Manuel Simões de Almeida
Gestor de marketing de 53 anos, quer uma Cascais “eficiente”, liberal e vibrante. Defende mais habitação acessível, simplificação administrativa e uma aposta nas freguesias do interior.
BE/Livre/Pan - "Futuro em Comum"
Alexandre Abreu
Economista, 46 anos, professor no ISEG, dá a cara por uma convergência de esquerda para aliviar a pressão sobre o litoral do concelho. Defende uma política progressista, ecologista e democrática.
Independente - “Cascais para Viver”
João Maria Jonet
Com 27 anos, o consultor político rompeu com o PSD e criou um movimento independente. Aponta críticas à “cidade dos condomínios de luxo” e quer virar as políticas públicas para os residentes permanentes.
Independente, apoiado por Nova Direita/Nós Cidadãos
António Pinto Pereira
Advogado e comentador televisivo, de 61 anos. Defende transparência política, proximidade com os cidadãos e um discurso "diferente" do das estruturas partidárias tradicionais.
Mais do que eleger um novo presidente de Câmara, os eleitores de Cascais vão decidir o modelo de desenvolvimento que querem para o concelho. Com a saída de cena de Carlos Carreira, estas são as mais imprevisíveis eleições das últimas décadas.