Cavaco Silva sobre Governo e oposição. "Primeiro cenário de aniquilação é, no limite, antidemocrático"
O artigo de opinião de Cavaco Silva subiu a debate n'O Princípio da Incerteza. Alexandra Leitão considera as palavras do ex-chefe de Estado "pouco democráticas", Miguel Macedo rejeita que um eventual compromisso entre todos os partidos possa beneficiar o Chega e Pacheco Pereira diz que o país "não está governável"
Corpo do artigo
A líder parlamentar do PS considerou, no domingo, que Cavaco Silva defendeu uma ideia pouco democrática dos papéis reservados à oposição e Governo. O ex-Presidente da República, Cavaco Silva, disse que Portugal continuará, no fim da próxima década, afastado dos países mais ricos da UE sem um Governo de apoio maioritário ou um compromisso de regime para executar as políticas necessárias. Num artigo de opinião publicado na sexta-feira, no jornal Expresso, Cavaco Silva traçou vários cenários políticos, inclusive resultantes de eleições legislativas, e sobre a probabilidade de serem tomadas as medidas necessárias por governos ao longo dos próximos 10 anos. Alexandra Leitão definiu as palavras de Cavaco Silva "pouco democráticas".
"O primeiro cenário de aniquilação e de uma oposição a servir de suporte é, no limite, antidemocrático. O segundo cenário é perfeitamente possível, mas é um cenário que implica que haja eleições antecipadas, ou que em futuras eleições haja outro resultado que dê uma maioria maior - ou até absoluta - a um dos partidos", considerou, sublinhando "não estar a afirmar que o professor Cavaco Silva deseja eleições antecipadas".
Ainda assim, "um dos dois cenários que ele define como passível de dar estabilidade pressupõe, obviamente, eleições antecipadas, porquanto no atual contexto, essa maioria absoluta não existe e nessa medida até temos um pequeno contrassenso, [uma vez que] defende a estabilidade como valor em si mesmo, coisa que eu tenho as maiores dúvidas".
"Depois, um dos caminhos para essa estabilidade é exatamente acabar a estabilidade, haver eleições antecipadas na esperança que se repita 85/87, que nós já percebemos há muito tempo que é aquele em que o atual PSD está a jogar e que o professor Cavaco Silva aparentemente suporta do ponto de vista de pensamento. Portanto, é um artigo que se esquece de um pequeno pormenor: chama-se democracia", afirmou.
Já Miguel Macedo, antigo ministro do PSD, rejeitou a ideia de que a sugestão de Cavaco Silva sobre um eventual compromisso entre todos os partidos possa beneficiar o Chega como líder da oposição. "Queria refutar uma ideia que é a ideia de que se se fizer alguma coisa neste sentido estamos a entregar a liderança da oposição ao Chega. Eu quero discordar completamente disso. Muito mais efetivo de vantagem para o Chega é os partidos que estão no poder e na oposição, que devem ter objetivos comuns, não os conseguirem concretizar em desfavor da população portuguesa do que eventualmente essas questões políticas de deixar a liderança da oposição a este ou àquele", referiu.
Alexandra Leitão contrariou, dando um exemplo: "O Governo entende que reduzir 1000 milhões do IRS jovem é uma forma de alcançar isso e o PS entende que tirar 1000 milhões aos serviços públicos e à redistribuição é um mau caminho. Tal como o Miguel está a dizer, estamos todos de acordo, ninguém é contra o aumento da produtividade e ninguém é contra o crescimento económico. Há claramente ideias diferentes e políticas diferentes."
Para Pacheco Pereira, há uma explicação simples para as palavras de Cavaco Silva.
"Este país não está governável, ponto. Na verdade, ele reflete sobre uma realidade que a gente tem estado aqui a falar: não há, neste momento, condições de governabilidade de um país chamado Portugal. E ele depois faz duas sugestões de eventuais soluções que é: ou há novas eleições, não tendo a garantia de que daí sairá um cenário de governabilidade, ou há um entendimento entre o PS e PSD, que, por várias razões, em particular pelo radicalismo dos últimos tempos, também não tem nenhumas condições para poder existir. Portanto, o que ele diz é muito simples: este país não está governável, estou inteiramente de acordo com ele", reforçou.
"Sem a predominância de um Governo que atribua prioridade ao crescimento da produção interna, da produtividade e da competitividade externa e goze de apoio maioritário na Assembleia da República ou que, sendo minoritário, beneficie de um compromisso de regime entre os partidos que o apoiem e partidos da oposição, o bem-estar das famílias portuguesas, nas suas diferentes dimensões, continuará, no fim da próxima década, muito afastado dos países mais ricos da União Europeia", frisou Cavaco Silva num artigo de opinião publicado no Expresso, na sexta-feira.
O antigo chefe de Estado referiu que a questão "que vale um milhão de dólares" é "qual a probabilidade, muito alta, alta, média, baixa ou muito baixa, de serem adotadas as políticas públicas certas".
Num artigo de opinião onde na primeira parte apresenta a sua visão do que devem ser as políticas económicas na próxima década, Cavaco Silva questiona também: "quais os poderes executivo e legislativo do nosso sistema político que estarão em funções nos anos da próxima década detentores das competências para decidir e executar as diferentes políticas".
E traça depois "diferentes hipóteses sobre o quadro político predominante ao longo dos próximos 10 anos".
Como "hipótese geral", o social-democrata apresenta: "O Governo em funções, independentemente da sua orientação partidária, considera que o crescimento da produção interna, da produtividade e da competitividade externa é determinante do bem-estar das famílias portuguesas, como é reconhecido pelos economistas e instituições credíveis que têm escrito sobre o futuro do país no médio e longo prazo; os programas com que os partidos se apresentaram às eleições legislativas de março de 2024 não sofrem alterações significativas."
