Censura de jornalistas? Advogado alerta que proposta de lei que "viola princípios constitucionais e fundamentais" pode estar para breve
O diploma partiu do último Governo do PS, tendo sido depois recuperado pelo Executivo de Luís Montenegro. O jurista Ricardo Sardo acredita que a proposta de lei vai agora voltar sem grandes mexidas em relação à original, que mereceu pareceres negativos da Ordem dos Advogados e da Comissão Nacional de Proteção de Dados
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O Governo português pode estar prestes a aprovar uma lei que, no limite, permitiria a censura de jornalistas. O diploma nasceu ainda com António Costa, foi depois recuperado pela AD, em finais de 2024, com o objetivo de colmatar um vazio legal ao nível do direito europeu, mas a queda do último Executivo deitou a proposta por terra.
Em causa está uma proposta de lei que o Governo poderá recuperar, depois das ameaças recentes de Bruxelas. A Comissão Europeia (CE) relembrou, na quinta-feira, que há "determinadas obrigações do regulamento sobre a difusão de conteúdos terroristas online" que Portugal não está a cumprir, a par da Irlanda e da Bulgária. A liderança dos 27 vai, por, isso, colocar os três países em tribunal.
No fundo, a CE avisa que Portugal ainda não criou uma lei nacional que faça cumprir o referido regulamento europeu e daqui nasceu a polémica proposta de lei que, na prática, nunca avançou, por causa das trocas constantes de Governo nos últimos anos. E mesmo que avançasse, o advogado Ricardo Sardo avisa que este documento iria pôr em causa a liberdade de expressão no país, pois, no entender do jurista, daria à Polícia Judiciária o poder de remover conteúdos da internet que promovam o terrorismo, mas sem que a decisão tivesse de passar pela justiça (juízes ou advogados).
Ouvido pela TSF, o antigo vogal da Ordem dos Advogados teme que o Governo de Luís Montenegro volte à carga com esta proposta e sem grandes alterações aos textos anteriores. "Era muito semelhante à primeira proposta de lei do Governo PS, portanto, creio que à terceira será de vez e será no mesmo sentido das anteriores propostas de lei", refere. O advogado não vê mal em dar à PJ o poder para suprimir certos conteúdos, em casos urgentes, mas alerta que, "depois, a posteriori, não tem de levar essa decisão a um juiz para validar", o que, no seu entender, "viola princípios constitucionais e fundamentais".
Ricardo Sardo, o autor dos três pareceres negativos que a Ordem dos Advogados e a Comissão Nacional de Proteção de Dados já tinham emitido sobre este tema, não esconde a preocupação. Afirma que, caso o documento seja aprovado como está, a PJ passa a ter poder total para controlar o que passa pela internet, em Portugal, inclusive na comunicação social.
Muitas plataformas, nomeadamente ao nível do jornalismo independente, não sendo órgãos de comunicação social formais, poderão vir a ser afetadas, poderá haver uma decisão e depois não haver essa valorização a posteriori por parte de um juiz, e isso é essencial
Sobre a ação de CE contra Portugal, a liderança dos 27 invoca um documento que está em vigor desde junho de 2022 e exige que "o conteúdo terrorista seja removido pelas plataformas online no prazo de uma hora a partir da receção de uma ordem de remoção emitida pelas autoridades dos Estados-membros", ajudando a "combater a disseminação de ideologias extremistas e, simultaneamente, salvaguardar os direitos fundamentais".
A TSF questionou o Ministério da Justiça sobre este caso, mas ainda não obteve resposta.
