Com ambiente global "cada vez mais tenso e desafiador", torna-se imperativo "recordar tragédias de Hiroshima e Nagasaki"
Em entrevista à TSF, nos 80 anos da bomba atómica de Hiroshima no Japão, o Embaixador deste país em Portugal não descarta a possibilidade deste acontecimento voltar a acontecer e lembra que o “mundo precisa de um caminho que nos leve a um futuro sem armas nucleares"
Corpo do artigo
Em 6 de agosto de 1945 às 08h15 (00h15 em Lisboa), os Estados Unidos lançaram uma bomba atómica sobre a cidade de Hiroshima, que matou cerca de 140 mil pessoas. Oitenta anos depois, o embaixador do Japão em Portugal, Ota Makoto, destaca à TSF que o globo deve "renovar o compromisso de nunca mais repetir os mesmos erros".
Como é que os japoneses reagiram aos 80 anos do acontecimento?
Mesmo passados 80 anos desde os bombardeamentos ocorridos nas cidades de Hiroshima e Nagasaki, o povo japonês continua a não esquecer a tragédia que ocorreu, nem a memória das vítimas. Provas disso mesmo são as transmissões dos testemunhos dos sobreviventes e das cerimónias de homenagem à paz que são realizadas todos os anos. Continuamos a partilhar com o Japão e, com o mundo, o desenvolvimento das armas nucleares, bem como a importância de preservar a paz.
Qual é a importância desta data?
As cidades de Hiroshima e Nagasaki foram as primeiras da história da humanidade a sofrer um bombardeamento atómico. O facto de centenas de milhares de vidas terem sido perdidas, num instante, continua a ser uma realidade incontestável mesmo passadas várias décadas. Acredito que é fundamental recordar este dia todos os anos como uma data especial, prestando uma homenagem a todas as vítimas que se perderam e honrando as memórias das vítimas. Para o Japão, enquanto o único país que sofreu ataques nucleares em tempo de guerra, é uma missão continuar a trabalhar de forma firme e consistente para a concretização de um mundo sem armas nucleares.
Como é que são as comemorações deste dia no Japão?
Ainda hoje no Japão, as pessoas fazem um minuto de silêncio em memória das vítimas e em oração pela paz às 08h15 do dia 6 de agosto, hora em que a bomba atómica foi lançada sobre Hiroshima, e às 11h02 do dia 9 de agosto, hora do ataque a Nagasaki. Nestas mesmas datas e horas, realizam-se todos os anos cerimónias de homenagem à paz nestas cidades. Estas cerimónias são transmitidas em direto para a televisão e contam com a presença do primeiro-ministro, membros do governo, sobreviventes das bombas atómicas e familiares das vítimas que vêm de várias partes do país. Além disso, muitas escolas, especialmente nas cidades onde tudo aconteceu, organizam atividades educativas sobre a paz nesta altura do ano para ajudar os alunos a compreender o significado e o impacto destes acontecimentos históricos.
Tendo em conta os diversos conflitos armados, tem receio de que isto volte a acontecer?
É difícil avaliar a situação internacional apenas com um simples sim ou não. No entanto, é evidente que o ambiente global em torno do desarmamento nuclear tem-se tornado cada vez mais tenso e desafiador. Precisamente por isso, acreditamos que agora é o momento em que o mundo deve recordar as tragédias de Hiroshima e Nagasaki e renovar o compromisso de nunca mais repetir os mesmos erros.
Como é que se trava uma guerra nuclear?
Por mais difícil e exigente que seja o caminho num mundo sem armas nucleares, não podemos permitir que esse percurso seja interrompido. Temos a responsabilidade de proteger e fortalecer a ordem internacional baseada na primazia do direito. O Japão está determinado a liderar os esforços da comunidade internacional nesse sentido, promovendo ações ao abrigo do Plano de Ação de Hiroshima, com o objetivo de manter o regime do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares e de fomentar um impulso global em função do desarmamento nuclear. Foi neste sentido, que em 2023 realizámos a Cimeira do G7 em Hiroshima. Nesta ocasião, o então primeiro-ministro Fumio Kishida partilhou com outros líderes deste grupo, o compromisso de trabalharmos em conjunto pela concretização de um mundo sem armas nucleares. Como resultado, foi emitida a primeira declaração dos sete países mais industrializados do mundo, concentrada, exclusivamente, no desarmamento nuclear e na visão dos líderes do G7 sobre o tema. Foi algo que representou um marco de grande importância histórica.
Hiroshima foi apelidada como a "Cidade Memorial da Paz", depois de todo o acontecimento, apesar de não se ter tratado de uma situação pacifica. Como é que acha que as pessoas olham para esta simbologia tendo em conta o paradigma atual?
A cidade de Hiroshima foi construída como “Cidade Memorial da Paz” por causa de uma lei nacional para promover a sua reconstrução após a guerra. O objetivo era construir o lugar como uma “Cidade Memorial da Paz” simbolizando o ideal de concretizar a paz perpétua. Durante a guerra, Tóquio e muitas outras cidades foram devastadas. Dentro da cidade de Hiroshima, existem nomes de locais relacionados com a paz como a Avenida da Paz e o Parque Memorial da Paz. Acredito que a identidade desta cidade que clama pela paz, tornou-se num símbolo importante.
Acha que o mundo tem noção daquilo que se passou em Hiroshima?
Ao ser o único país a ter sofrido bombardeamentos atómicos durante a guerra, o Japão dá uma grande importância à educação sobre o desarmamento e a não proliferação da paz. Em 2022, o nosso país contribuiu com 10 milhões de dólares para as Nações Unidas anunciando a criação do Fundo de Líderes Jovens para um Mundo Sem Armas Nucleares. No ano passado, através deste programa, futuros líderes com e sem armas nucleares visitaram Hiroshima e Nagasaki. Além disso, temos apoiado a realização de exposições sobre a bomba atómica no exterior para transmitir a realidade dos bombardeamentos tanto no Japão como a nível internacional. Por exemplo, em Portugal está a decorrer uma exposição sobre a bomba atómica de Nagasaki na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa. Devido à relação de Nagasaki com a cidade do Porto, já existiram outras exposições sobre o acontecimento realizadas em Portugal. É encorajador ver que mesmo 80 anos depois há entidades em Portugal, um país tão distante do Japão, que continuam a demonstrar interesse neste tema. Deste modo, empenhamos-mos tanto no setor público como no privado para garantir que este tema não caia no esquecimento em todo o mundo.
Qual é a mensagem que gostaria de passar ao mundo sobre aquilo que se passou em Hiroshima?
Há 80 anos, nos dias 6 e 9 de agosto, centenas de milhares de preciosas vidas foram aniquiladas pelas bombas atómicas. As cidades foram completamente destruídas, os sonhos e os futuros brilhantes das pessoas também. Mesmo aquelas que sobreviveram acabaram por enfrentar dias de sofrimento indescritível. As calamidades e o sofrimento impostos a Hiroshima e Nagasaki não devem ser repetidos. Para não esquecermos é necessário transmitir a realidade dos factos às gerações futuras. É a nossa missão e responsabilidade assegurar às gerações vindouras que possam desfrutar da paz e prosperidade sem medo do terror nuclear. A nossa geração deve continuar a falar da situação destes bombardeamentos e o facto de uma guerra nuclear destruir a própria Humanidade. Para isso, precisamos de criar um caminho que nos leve a um futuro sem armas nucleares.
