O projeto Rebobinar, liderado por Pierre Marie e Eduardo Albuquerque, propõe uma viagem pelos locais onde se viveram os ecos de Abril de 74 em Coimbra.
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É na Rua Antero de Quental que começa o roteiro pelo 25 de Abril em Coimbra, junto ao edifício que foi sede da antiga polícia política. Foi neste local onde, um dia depois da revolução em Lisboa, milhares de pessoas se concentraram durante dois dias.
“É de facto no dia 26 [de abril de 1974] que a cidade entra em liberdade com uma grande manifestação, no final da tarde, convocada na Praça da República. Desce pelas ruas da Baixa e depois volta a subir, só que não acaba na praça. Acaba precisamente aqui. Os populares vão juntar-se aqui e iniciar algo que é muito importante no pós 25 de Abril: o cerco da sede da polícia política. Este cerco vai durar dois dias”, recorda Pierre Marie, um dos fundadores da Rebobinar.
Os relatos de época falam de cerca de 20 mil pessoas durante o cerco às antigas instalações da PIDE. “Vê-se nas fotografias da época que os prédios que estão à volta estão cheios de pessoas nos telhados, nas varandas, na rua. Há muita gente até que, no dia 28, os militares levam os agentes da PIDE que estavam aqui retidos”.
A próxima paragem deste roteiro do projeto Rebobinar leva-nos até à Praça da República para evocar a manifestação do 1º de maio de 74. O protesto juntou entre 50 a 60 mil pessoas que saíram à rua “já sem medos”.
“Enquanto no dia 26 de abril podia haver algumas dificuldades em perceber o que vai ser o depois; no 1º de maio, mesmo que haja muita coisa em aberto e por conquistar, já passou uma semana da queda do regime e já não há PIDE”, observa Pierre Marie.
A liberdade foi transportada também para os muros da Escola Secundária de Jaime Cortesão. Hoje com azulejos a evocar os monumentos da cidade, este espaço serviu, logo a seguir ao 25 de Abril, como um mural político.
Quase meio século depois, Eduardo Albuquerque nota que, no muro da escola, ainda há vestígios de pinturas de casas e de cravos desses tempos.
“O que queremos mostrar era a maior participação política que havia a seguir ao 25 de Abril em que as pessoas ainda estavam mais acreditadas com os movimentos, que ainda estava mais recente as noções de liberdade, mas também a forma de fazer política que era diferente. Pintava-se nas ruas. Comunicava-se pelas ruas. Havia comícios. Havia outras formas que hoje em dia já não são tão comuns. Hoje em dia vemos mais pelas redes sociais. Ali, as redes sociais eram as paredes”.
O ponto seguinte deste roteiro é o Pátio da Inquisição, onde estava situada a sede do antigo partido único do Estado Novo que, depois de 74, passou a ser do Movimento Democrático de Coimbra. “É uma mudança que existe em muitos locais”, diz Pierre Marie, exemplificando também com a substituição que houve nos nomes de ruas ou bairros na cidade.
A visita termina no Centro de Documentação 25 de Abril, que apoio o projeto. O objetivo é mostrar objetos e documentos que fazem parte da história da revolução dos cravos.
Segundo Eduardo Albuquerque esta iniciativa, que começou em 2022, quer “dar a conhecer uma história, que muitas vezes, é esquecida e, muitas vezes, as próprias pessoas de Coimbra, particularmente os mais jovens, não têm a noção do que é aconteceu”.
O fundador da Rebobinar considera ainda que há um lado cívico nesta atividade. “Achamos que recordar este evento tem todo o interesse, principalmente, aos mais jovens que já nasceram em liberdade, que, às vezes, custa-lhes entender alguns conceitos e algumas noções de como é que seria viver quando não podemos dizer o que queremos”.
