Cotrim de Figueiredo à TSF: "Se a Europa quer ter sucesso, precisa de coesão e de recursos financeiros e humanos"
O eurodeputado eleito pela IL admite “votar contra” a eleição de Von der Leyen para a presidência da Comissão Europeia
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João Cotrim de Figueiredo, eleito para o Parlamento Europeu pela Iniciativa Liberal (IL), considera que a transição energética, a transição digital e os desafios decorrentes da invasão russa da Ucrânia são temas que vão estar no topo da agenda política na próxima legislatura.
O eurodeputado eleito pela IL destaca a necessidade de coesão interna e de recursos financeiros e humanos para enfrentar esses desafios e destaca a importância de um maior crescimento económico para gerar uma base fiscal que suporte as despesas e crie melhores oportunidades de emprego, de modo a evitar a fuga de talentos da Europa.
A propósito das migrações, sublinha a importância do pacto para as migrações para eliminar a perceção de “descontrolo" e introduzir “critérios”.
Na área da defesa, apoia a nomeação de um comissário específico e defende um investimento acima dos 2% para “repor” as necessidades ao longo dos anos na Europa.
Sobre o acordo para os cargos de topo na União Europeia, Cotrim de Figueiredo admite “votar contra” a eleição de Von der Leyen para a presidência da Comissão Europeia.
Na sua perspetiva, deputado João Cotrim de Figueiredo e na perspetiva do seu grupo político, Renew Europe, quais são os desafios para os próximos cinco anos no Parlamento Europeu?
Nós estamos numa encruzilhada. A Europa tem vários desafios importantes que tem de enfrentar. A transição energética, a transição digital e os problemas decorrentes da invasão russa da Ucrânia. Há problemas de ordem energética e militar, pois o apoio à Ucrânia deve continuar, e o início do processo formal de alargamento. São todos dossiês grandes, complexos e caros. Se a Europa quer enfrentar estes desafios com sucesso, deve estar coesa e dispor de recursos financeiros e humanos. Precisamos de gente boa e gente determinada para resolver estes problemas. Preocupa-nos a falta de urgência em relação a estas questões. É essencial um maior crescimento económico para gerar uma base fiscal que suporte estas despesas e crie melhores oportunidades de emprego, evitando que os jovens talentosos saiam da Europa. Nos últimos dez ou quinze anos, a Europa tem perdido terreno em relação aos Estados Unidos na atração de talentos. Há 15 anos, a nossa economia era semelhante à dos Estados Unidos; hoje, estamos quase 25% atrás. O rendimento per capita nos Estados Unidos aproxima-se do dobro da União Europeia. É uma coisa brutal. Não vamos conseguir reter as pessoas nem ter dinheiro para pagar estes dossiês importantes.
É possível atrair talentos sem melhores salários? Como é que o grupo dos liberais propõe resolver este problema?
Sem melhores salários, as pessoas vão embora, o que é um problema estratégico para a Europa. Para aumentar os salários, precisamos de uma economia com muita possibilidade de investimento, facilidade de investimento e uma forte concorrência. A concorrência obriga as empresas a modernizarem-se e tornarem-se mais eficientes. Na Europa, temos problemas nestes dois campos: o mercado único tem muitas barreiras e obstáculos, e a concorrência é imperfeita em muitos setores, como o energético, onde há monopólios ou oligopólios. Alguns destes problemas resultam de interesses geoestratégicos de países no centro da União Europeia. Por exemplo, a França é uma das grandes responsáveis pela ausência de um mercado único de energia na Europa, o que resulta em energia mais cara para o continente.
Portugal tem interesses particulares nesse aspeto, já que podia fornecer energia limpa. Como é que a Iniciativa Liberal pode contribuir no Parlamento Europeu para mudar este status quo?
Vamos chamar a atenção para o problema e envergonhar aqueles que estão a travar o desenvolvimento da Europa. Estarei na Comissão onde os temas da energia são tratados e proporei que as redes transnacionais de distribuição de energia sejam mais potentes e acessíveis, para termos energia mais barata em toda a Europa. Portugal não fornece apenas a energia mais limpa, mas também a mais barata. Isso é fundamental para o desenvolvimento da Europa.
Vários grupos políticos têm abordado o dossiê das migrações. Há grande crispação e soluções diferentes. Como é que a Iniciativa Liberal se posiciona neste aspeto?
A Europa precisa de imigrantes, qualificados ou não, que legitimamente queiram estabelecer-se aqui. O pacto para as migrações, que demorou dez anos a negociar, é um passo importante para eliminar a perceção de descontrolo e introduz critérios e princípios fundamentais. Temos de ser humanos com quem precisa de asilo, dignos na receção dos elegíveis, firmes com os inelegíveis e intransigentes com os que se aproveitam dessa miséria.
Faz sentido, como defendem alguns grupos políticos, reabrir este pacto que demorou dez anos a fechar?
A negociação demorou dez anos. Reabri-la agora, seis meses depois de aprovada, não vai produzir novos resultados. No entanto, muitas medidas que vão entrar em vigor precisam de ser melhoradas. O Parlamento Europeu deve atuar rapidamente para corrigir o que não funcionar.
Nos desafios que nomeou no início, não falou na defesa. Foi de propósito?
Não. Não foi de propósito. No nosso programa eleitoral, tínhamos três grandes áreas de preocupação: crescimento económico, capacidades de defesa compatíveis com as responsabilidades da Europa e a defesa dos valores liberais. Estaremos sempre na linha da frente nesses combates políticos em Bruxelas.
Como vê a ação política da Comissão Europeia e da Presidente da Comissão para uma maior integração em defesa na União Europeia?
A nomeação de um comissário para a Defesa é um passo positivo. A defesa deve ter um comissário próprio, especialmente se isso corresponder à responsabilidade pela indústria de defesa europeia. É importante que esta revitalização beneficie todos os países e não acentue desigualdades entre os que já têm indústrias de defesa pujantes e os que têm menos. Portugal, por exemplo, tem alguma capacidade em certos segmentos da indústria militar, mas outros países têm menos.
Isso requer mais investimento. Como vê os apelos, na NATO para um reforço do investimento em defesa acima dos 2%?
É um reflexo de a Europa ter prescindido das suas responsabilidades por demasiado tempo. Vamos ter que gastar em defesa algo superior ao habitual, para repor a capacidade militar que deixámos de ter. Isso é essencial no mundo moderno. Não gosto de como a Comissão tentou dourar a pílula sobre a necessidade de investir em defesa, dizendo que parte desse investimento resultará em pesquisa com utilização civil. Devemos aceitar a importância estratégica da defesa, mesmo que isso nos custe alguma coisa e exija escolhas difíceis.
Esta semana haverá duas eleições importantes no Parlamento Europeu. Qual a sua perspetiva sobre o presidente do Parlamento e a presidente da Comissão?
Não estou otimista quanto às condições para os cargos negociados em pacote, como Presidente do Conselho Europeu, Presidente da Comissão Europeia, Presidente do Parlamento e Alto Representante para a Política Externa. Com o que se passou nos últimos dias, não vejo condições para votá-los favoravelmente.
Votará contra?
Neste momento, sim.
O que pode mudar até terça e quinta-feira?
Um compromisso mais claro da recandidata a presidente da Comissão Europeia e do partido que ela representa, de que a maioria anterior, formada por liberais, socialistas e populares, se manterá e não haverá alteração de parceiros nem de estratégia por parte do PPE.
Está a falar de uma aproximação à extrema-direita?
Sim, já se sabia que haveria abertura para falar com a extrema-direita, possivelmente para assegurar mais votos. Compreendo a aritmética, mas não aceito a política da questão. Uma coligação de partidos democráticos não pode ser contaminada por forças políticas que atentam contra os princípios europeus.