Na primeira grande entrevista depois de ter sido afastado das listas do PS às próximas europeias, Francisco Assis revela que já estava à espera desta decisão. Diz que o PS tem agora condições mais favoráveis para vencer estas eleições e até se mostra disponível para fazer campanha ao lado de Pedro Marques.
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De cabeça de lista, a fora das listas. O homem que discordou sempre - e disse-o alto e em bom som - da atual solução de Governo, acaba por "pagar" a fatura das críticas que fez, ao ser afastado das próximas Europeias. Nada que Francisco Assis não estivesse a antecipar há já algum tempo. Em 2014, o PS liderado por António José Seguro ultrapassou os 31% dos votos e conseguiu eleger oito eurodeputados. Um resultado que António Costa considerou, à época, de "poucochinho." Assis garante que não fará o mesmo tipo de considerações, mas sempre vai dizendo que, este ano, o PS tem "condições mais favoráveis" do que há cinco anos.
O seu afastamento das listas pode ser visto como uma espécie de retaliação, pelas críticas que fez à atual solução governativa?
Não, não o entendo assim. Conversei com o secretário-geral do PS - uma conversa cujo teor não vou, obviamente, divulgar e que ficará entre nós - mas a verdade é que não entendo isso como uma retaliação. Sempre disse que o secretário-geral tinha toda a legitimidade para fazer as suas opções políticas. Não confundo a dimensão política com dimensões pessoais. O António Costa entendeu, neste momento, que devia formar outro tipo de lista. É provável que tivesse a perceção, que eu também tenho, de que neste momento me seria difícil produzir um discurso público em total consonância com o discurso oficial do Partido Socialista. É sabido que temos tido, ao longo destes anos, algumas divergências, que não são, contudo, divergências absolutamente insuperáveis, nem que me impeçam de me disponibilizar para participar ativamente na campanha eleitoral do PS e de procurar contribuir para o sucesso eleitoral do Partido Socialista. Até porque acho que este momento é de convergência. Daqui até outubro, não é só nestas eleições, é também nas eleições para o parlamento. Considero importante uma vitória do PS nas próximas eleições europeias, como contributo até importante para um bom resultado dos socialistas e dos sociais-democratas na Europa. Nós estamos em risco de ter um resultado mau, não em função dos resultados portugueses, mas em função dos resultados de outros países e um Parlamento Europeu com um centro esquerda mais fraco é, do meu ponto de vista, um parlamento europeu pior. Isso pode ser perigoso para a Europa, porque esta família política tem sido essencial para garantir alguns equilíbrios neste projeto europeu. Depois em outubro também, penso que é importante uma vitória do partido socialista nas eleições legislativas.
Mas assume que gostava de continuar em Estrasburgo?
Não, não assumo nem deixo de assumir estes termos. Gostei do que fiz e gostei, particularmente, do que fiz nestes cinco anos, num momento importante da vida política europeia. Gosto da função de eurodeputado e, portanto, nessa perspetiva, olhando para trás, direi: foi bom para mim, do ponto de vista político e pessoal, ter desempenhado essas funções neste contexto histórico. Agora, tive sempre a noção de que este mandato era de cinco anos e que poderia ou não ser convidado para desempenhar as funções. Nunca projetei nenhuma expectativa, nem neste caso, nem em nenhum outro na minha vida política. Tenho sempre na minha vida este princípio: quando se fecha uma porta, abrem-se outras e não fico muito tempo a olhar para trás, ou a imaginar o que poderia ter sido se as coisas fossem distintas.
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Pergunto-lhe de outra forma: se tivesse sido desafiado a continuar, enjeitava essa possibilidade?
Depende da natureza do convite. Não cheguei a refletir sobre isso, porque há muito tempo que me fui apercebendo que muito provavelmente não iria...
Mas é humano pensar-se nisso, ou não? Quando se está num cargo como aquele que o Francisco Assis tem, quando foi cabeça de lista nas últimas europeias em 2014, é legitimo pensar se....
É, mas vamos lá ver...
«Eu quero ou não quero continuar a fazer?»
Sobretudo eu tive sempre a noção que isso não dependia da minha vontade e, portanto, na vida política...
Também depende da sua vontade...
A minha vontade era só eu dizer que sim, se fosse convidado. Mas o que eu lhe estou a dizer é que eu nunca cheguei a questionar muito qual seria verdadeiramente a minha vontade se, porventura, fosse convidado. Há muito tempo que fui construindo a ideia que não seria convidado.
Porquê? Por causa das tais divergências?
Sim. Em relação a este Governo, eu não estou, em muitas questões de substância, em desacordo. Terei algumas divergências, mas não estou em desacordo. Mas a verdade é que, em relação à retórica política associada a este Governo, a esta maioria, e ao discurso que o PS tem vindo a produzir, eu tenho um discurso diferente. Um discurso sobre o país, sobre a relação do país com a Europa, diferente. Sobre a Europa, provavelmente até teremos uma convergência quase absoluta. Mas seria difícil a minha integração numa lista do Partido Socialista nesta altura, como seria difícil - ou até mesmo impossível - a minha integração numa lista do PS num círculo eleitoral nas próximas eleições legislativas. E eu tenho que compreender isso, as coisas são o que são e eu tenho que compreender isso. Agora, não significa que essa minha divergência seja tão profunda que me impeça de contribuir para o esforço que o PS tem de fazer para alcançar bons resultados eleitorais.
Portanto, fará campanha pelo PS?
Farei a campanha que muito bem entenderem, se me pedirem.
Vai para a rua fazer campanha?
Se me pedirem, irei, na medida das minhas possibilidades. Participarei, quer nesta campanha, quer na campanha de outubro porque, repito, por muito grandes que sejam as divergências, elas são muito mais pequenas do que as divergências que tenho com todos os demais projetos políticos em Portugal, como é evidente.
Mas nunca deixará de dizer aquilo que pensa? Nomeadamente sobre esta solução governativa?
A prova disso é que nunca deixei de o fazer.
Portanto, podemos imaginar ver o Francisco Assis na rua a fazer campanha pelo PS e a criticar a atual solução política?
Não, isso não farei. Há um tempo para fazer isso e toda a gente já percebeu qual é a minha perspetiva. Já passou essa fase de criticar a atual solução governativa, agora é uma fase de balanço: teve coisas positivas, outras negativas. As coisas nunca são a preto e branco, não tenho uma visão maniqueísta de nada, muito menos desta solução governativa. Em alguns aspetos até me surpreendeu pela positiva, noutros não. Há um aspeto em que me surpreendeu pela positiva: é que, na verdade, nós, em nome da manutenção desta solução governativa, não tivemos que pôr em causa, em nenhum momento, a nossa fidelidade ou o nosso compromisso europeu. O PS permaneceu um partido profundamente europeísta. Assumimos essa divergência profunda com os partidos que se situam à nossa esquerda e no quadro europeu mantivemo-nos fieis a esse compromisso europeu, que se manifestou de várias formas, não apenas na politica orçamental prosseguida, em que tivemos essa preocupação de garantir o cumprimento dos objetivos orçamentais, para alem até, daquilo que seria expectável. Mas também noutras áreas da construção politica europeia, da perspetiva de uma politica de defesa europeia, de um reforço da integração politica da união europeia.
"Ser número um era impossível"
Teria aceitado ir noutro lugar da lista que não o número um?
Sim, nunca fiz depender a minha ida ou não ida de ser o número um. Porque isso - ser o número um - era impossível, é evidente. Depois de toda esta divergência, seria absurdo, não estaria em condições para ir representar o PS como número um. Deixei claro que não era essa a questão por uma razão muito simples: para que as pessoas percebessem que na vida política tem que haver disponibilidade para desempenhar as funções, independente de sermos o número um ou não. Mas, como lhe disse, eu tenho há muito tempo estabilizada, no meu interior, a ideia de que não iria integrar a lista do PS para o Parlamento Europeu.
Que justificação é que lhe foi dada por António Costa?
A conversa que tive com ele foi entre os dois, não quero estar agora a torná-la pública. Apenas direi que foi uma conversa séria, civilizada...
Satisfatória?
Sim, satisfatória, no sentido em que foi uma conversa séria e civilizada, entre duas pessoas que se estimam, respeitam, e eu compreendi perfeitamente a decisão que foi tomada.
Se o Porto for representado por Manuel Pizarro, fica bem representado?
Não vou fazer nenhuma consideração sobre a lista no plano individual. Vou apoiar esta lista, acredito que, no seu conjunto, venha a ser uma boa lista. Tenho esse habito que é, depois de ter desempenhado uma determinada função, não me vir pronunciar sobre quem vem a seguir nesses termos: "Este é bom, aquele é mau." Com certeza a lista, no seu conjunto, será uma boa lista, é essa a expectativa que eu tenho e não tenho nenhuma razão para pensar que isso não venha a suceder.
Mas em 2014 o Porto estava bastante bem representado na lista às Europeias: tinha o número um, depois tinha número quatro, com Luísa Ferreira. Tem, pelo menos, a expectativa de que o Porto não perca preponderância nesta próxima lista?
Não sei, porque eu também não tenho hoje nenhuma responsabilidade política, nem no Porto nem em lado nenhum.
A pergunta é, deseja que não perca?
Bem, eu sou do Porto e, nessa medida, tenho sempre a expectativa de que o Porto seja reconhecido, mas também sei que fazer estas listas não é fácil, que há algumas pessoas que estão no Parlamento Europeu e devem continuar mesmo não sendo do Porto. Haverá, porventura, outras pessoas que, por razoes de opção politica de fundo, vão entrar e não são do Porto e é provável que daí resulte que o Porto não fique numa posição de acordo com o que tem sido a tradição. Na verdade, nas listas anteriores creio que nunca ninguém, representante do Porto, ficou abaixo do quinto lugar numa lista. Mas também não faço disto uma questão absoluta, até porque as listas são nacionais e os deputados que vão ser eleitos também vão representar o Porto, mesmo que não sejam do Porto, porque vão representar numa perspetiva europeia, numa perspetiva nacional e as pessoas de que se fala, são pessoas que também conhecem bem a realidade da região.
O que será um resultado "poucochinho"?
Em 2014, o PS conseguiu pouco mais de 31% dos votos, o que fez com que tivesse elegido oito deputados, um resultado que, à época, António Costa considerou "poucochinho"...
Sim.
O que é que seria "poucochinho", para o PS este ano?
Não faço esse tipo de apreciação, já o disse várias vezes. Cada eleição tem a sua própria circunstancia. Nós ganhámos as eleições há cinco anos, em circunstâncias mais difíceis do que se pensava, porque a meio do processo eleitoral, por exemplo, o Governo pôde anunciar que terminava com sucesso a primeira fase do programa de estabilidade financeira que tinha sido por nós, socialistas, negociado com a troika e, portanto, isso foi um trunfo eleitoral significativo. Como se veio a ver mais tarde, estava a iniciar-se um processo de recuperação eleitoral dos partidos da direita e nós ganhámos uma eleição disputada. Vencemos o PSD e o CDS coligados na ocasião, elegemos oito eurodeputados e creio que ficámos a muito poucos votos do nono deputado. Nunca fiz essa interpretação de que fosse uma vitória pequena. Foi uma vitória clara, mas, desde a noite eleitoral que se instalou de facto, no espaço público português, a ideia de que tinha sido uma vitoria muito apertada. E, porventura, uma má gestão de expectativas.
E António Costa contribuiu para isso?
Sim, contribuiu decisivamente e várias pessoas do PS terão tido esse entendimento. Estou convencido de que na altura eles estavam genuinamente convencidos de que era possível alcançar uma vitória mais alargada e terá sido por isso que se disponibilizaram para mudar a liderança do partido. António José Seguro acabou por ser afastado da liderança do PS. Não deixa de ser um pouco caricato que, na sequência de uma vitoria eleitoral, o líder do partido acabasse por ser afastado. Mas isso é história, já lá vai, creio que é um assunto encerrado.
Mas essa história só é pertinente porque nós agora estamos a olhar para um novo ato eleitoral e, é inevitável em política, fazerem-se comparações. Por isso é que lhe pergunto se acha que o PS, este ano, tem condições para ter nestas europeias um resultado melhor do que aquele que teve em 2014?
Sim, eu penso que aparentemente, à distância de três meses, as circunstâncias atuais são bastante mais favoráveis que as de há cinco anos. Mas as coisas podem mudar e, por isso, eu não vou estabelecer aqui nenhuma meta para o PS. Acho que, neste momento, o que tem de haver é um grande empenhamento do PS, de nós todos. Eu tenho responsabilidades pelo meu passado, mais do que pelo presente, já que neste momento não tenho nenhuma função no Partido Socialista. Mas, pelo que represento no país e no PS, vou-me empenhar - e todos teremos essa obrigação. Acredito que possamos ter um bom resultado, estou convencido, francamente, que o PS vai ganhar estas eleições com uma diferença significativa. À partida, as condições parecem-me bastante mais favoráveis, mas isso não significa que eu esteja a estabelecer tetos para depois virem dizer: "Ah! Afinal de contas não foi assim tão bom." Não é nada disso. Acho que é preciso olhar com rigor para estas coisas e ainda faltam três meses, muita coisa se vai passar daqui até lá. Temos é que lutar pela vitória eleitoral.
Que erros é que o PS não pode cometer nos próximos três meses?
Penso que a avaliação do PS neste momento, está muito associada à avaliação da ação deste Governo e o que dizem as sondagens é que os portugueses têm apreciado, no essencial, a ação do Governo. Neste momento, estamos a viver uma fase de alguma conflitualidade social. Penso que é importante baixar essa conflitualidade social e é importante que as pessoas percebam qual é, verdadeiramente, o rumo da ação do Governo, que não pode claudicar nalguns objetivos fundamentais. Depois tem que saber comunicar adequadamente a razão de ser das suas políticas nas mais diversas áreas.