Desinformação: publicidade ilegal por 12 mil euros para "denegrir PS e PSD". Foi assim nas últimas eleições
O coordenador da investigação do ISCTE, ouvido pela TSF, admite que a desinformação proliferou mais nas legislativas e que "são os próprios agentes políticos a amplificar as mensagens que lhes convém, mesmo nos casos em que podem ser desinformativas"
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Pela primeira vez na história das eleições em Portugal houve interferência externa com anúncios nas redes sociais, nas legislativas e nas europeias. Os investigadores do MediaLab (ISCTE) detetaram "anúncios pagos irregulares publicados no Facebook e no YouTube", nas legislativas de março, "que denegriam a imagem de políticos do PS e do PSD", de acordo com a análise publicada no site do Iberifier - Iberian Digital Media Observatory.
"O trabalho de monitorização realizado pelos investigadores MediaLab, do ISCTE-IUL, acerca dos conteúdos políticos e da desinformação disseminados durante a campanha para as eleições legislativas de março de 2024 detetou anúncios pagos irregulares publicados nas plataformas Facebook e YouTube que denegriam a imagem de políticos do PS e PSD", lê-se no relatório agora publicado pelo Iberifier.
Em declarações à TSF, Gustavo Cardoso, o investigador do ISCTE que coordenou o trabalho, diz que os anúncios saíram naquelas plataformas digitais, mas os investigadores não conseguiram apurar se foram pagos por algum grupo ou partido político em Portugal.
Uma das mensagens, "exibida através do YouTube, mostrava primeiras páginas de jornais de forma descontextualizada, associando o atual e antigos líderes do Partido Socialista à corrupção", sendo que "o nome do canal que exibia o vídeo designava-se 'Bolsonaristas em Portugal'".
Os investigadores detetaram ainda "uma segunda publicidade política" no YouTube, "um anúncio com um nível de produção mais elevado e que criticava o PSD". Neste caso, "o nome do canal que albergava o vídeo era 'Jovens por Portugal'".
A terceira publicidade irregular foi detetada no Facebook, "na forma de publicações patrocinadas da página 'Notícias Internacionais'", tendo como "alvo Luís Montenegro, líder do PSD, e Pedro Passos Coelho, antigo líder do PSD dos tempos da intervenção da troika em Portugal".
No total, as publicações (posts) "alcançaram cerca de dois milhões de contas, sendo que apenas uma das publicações alcançou mais de um milhão de contas", estimando-se que o "valor investido nesta operação de publicidade ilegal tenha sido de 12 mil euros em três dias e os anunciantes poderão ter alcançado cerca de 22% do eleitorado português em pleno período de campanha eleitoral".
Em declarações à TSF, Gustavo Cardoso faz a comparação entre as eleições legislativas e as europeias e afirma que "há mais desinformação nas legislativas porque há mais gente a votar e há mais gente a partilhar nas redes sociais".
O coordenador da investigação também assegura: "São os próprios agentes políticos a amplificar as mensagens que lhes convém, mesmo nos casos em que as mensagens podem ser desinformativas."
Exemplificando que o Chega e o seu líder, André Ventura, "conseguiram mobilizar as redes sociais para propagar a sua mensagem, revelando uma taxa de interação com os utilizadores e uma interação média dos posts superiores às da concorrência".
De acordo com o mesmo estudo, os conteúdos políticos "estão longe de ser os conteúdos preferidos dos utilizadores das redes sociais, tendo em conta a atenção que lhes prestam.
O acompanhamento dos conteúdos políticos e da desinformação nas redes sociais no período que antecedeu as eleições legislativas permitiu concluir, entre outras, que o "Facebook deixou de ser a rede social predominante para a divulgação de conteúdos políticos" e "ganhou sobretudo relevância o Instagram".
O Facebook e X, antigo Twitter, "continuam a ser as redes mais usadas pelos atores políticos, mas o Instagram é a rede que lhes dá mais alcance e impacto" e o "TikTok ainda é pouco usado pelos atores políticos, mas denota um potencial de alcance e impacto que poderá fazer prever uma utilização intensiva no futuro", refere.
O X, antigo Twitter, é a rede social "com maior penetração de temas políticos e aquela que é mais frequentada por políticos e interessados em política", mas "revela ter pouco alcance e impacto fora dessa bolha mediática e política".
Outra das conclusões é que "são os conteúdos relativos aos políticos que escapam aos canais (e formatos) tradicionais que melhor resultam nessa captação da atenção nas redes sociais, nomeadamente as entrevistas lúdicas ou os conteúdos humorísticos".
Estas conclusões constam do relatório "Legislativas 2024, Amplificação do discurso político online e desinformação", disponível no site do Iberifier.
O projeto de investigação foi desenvolvido entre 1 de fevereiro e 6 de março e contou com a coordenação de Gustavo Cardoso, professor catedrático do ISCTE-IUL, e responsável pelo Iberifier em Portugal, e elaborada pelos investigadores do MediaLab, Centro de Investigação e Estudos em Sociologia, CIES.
O trabalho contou ainda com uma parceria com a Agência Lusa e com o Observatório da Comunicação, Obercom.
