"Direitos fundamentais não se discutem." Associação critica falta de boletins de voto em braile nas autárquicas
Eleições autárquicas não disponibilizam boletins de voto em braile para os cidadãos cegos
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À semelhança daquilo que aconteceu nas eleições autárquicas anteriores, os cegos não tiveram acesso a boletins em braile para poderem exercer o direito de voto de forma autónoma. Na escolha para as câmaras municipais, assembleias municipais e assembleias de freguesia, as pessoas cegas têm sempre de se fazer acompanhar por alguém de confiança para poderem votar.
Ouvido pela TSF, Rodrigo Santos, presidente da Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO), afirma que esta "é uma solução tipicamente dos anos 70", quando o direito de voto começou a ser exercido.
"Portanto, é uma solução que, além de ser bastante antiquada, é totalmente incompatível com os princípios de hoje. O voto deve ser autónomo e deve ser secreto. Não há justificação, hoje em dia, para persistirmos com esta questão de haver eleições em que não há uma matriz em braile", considera.
Nestas eleições, os votantes cegos têm sempre de se fazer acompanhar de uma pessoa. O presidente da ACAPO explica que, esta opção, pode levar a uma distorção dos resultados. "A primeira questão é, eu tenho sempre alguém da minha confiança? Segunda questão, por mais confiança que eu tenha nessa pessoa, de que forma é que garanto que a pessoa expressou o voto como eu queria? Por exemplo, vamos supor que uma pessoa, publicamente, apregoa ser de uma determinada opção política e que, no secretismo do direito de voto, quer votar noutra opção que não aquela, qual é o grau de confiança que podemos ter nesta situação?", questiona Rodrigo Santos.
O presidente da Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal sublinha que "o direito mais básico de cidadania, como o direito de voto secreto, em plenas condições de autonomia, não se discute, é um direito fundamental".
Nas eleições legislativas, europeias e presidenciais, os eleitores cegos têm acesso aos boletins em braile, algo que não acontece nas autárquicas. Rodrigo Santos espera que "é altura de começar a trabalhar nas soluções para que, daqui a quatro anos, não se imponha uma solução qualquer à pressa".
"O nosso grito de alerta neste momento é este: nem mais uma eleição sem um sistema de voto que seja acessível a todos e que todas as pessoas, independentemente da sua deficiência, possam votar", sublinha.
Do lado da Comissão Nacional de Eleições (CNE), a solução passa por mudar a legislação. André Wemans, porta-voz da CNE, reconhece que "não há matrizes braile para as eleições autárquicas, algo que está previsto noutras eleições".
No entanto, o porta-voz da Comissão Nacional de Eleições adianta que qualquer mudança tem de passar "por um processo de alteração da legislação". André Wemans esclarece que "nas eleições presidenciais existe um único boletim de voto, para as eleições legislativas temos 22 versões de boletins de voto e o processo de produção dos boletins de voto e das matrizes braile está a cargo do Ministério da Administração Interna. Para as eleições autárquicas, temos 308 versões para as câmaras, 308 versões para a assembleia municipal, e mais de três mil versões para assembleias de freguesia, sendo que a produção dos boletins de voto [das autárquicas] está a cargo das câmaras municipais".
