O embaixador de Portugal na China garante que o que une Portugal à China é muito mais forte do que aquilo que os separa. Numa antecipação da visita do Presidente da República, José Augusto Duarte garante que as relações entre os dois países é excelente.
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Marcelo Rebelo de Sousa parte esta quinta-feira para China, para uma visita oficial de seis dias. Na bagagem, o Presidente da República leva a economia, a cultura, mas também a política e os direitos humanos. Isto numa altura em que várias organizações não governamentais pedem aos países europeus que pressionem a China para fechar campos de "educação política" ou libertar dissidentes presos, por exemplo.
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Em entrevista à TSF, José Augusto Duarte, o embaixador de Portugal na China que ajudou a preparar esta viagem, garante que os direitos humanos não deixarão de ser discutidos, mas lembra que o que une os dois países é muito maior do que o que os separa.
Qual é o enquadramento político e económico desta viagem?
O enquadramento político é a retribuição da visita de Estado que o Presidente da República Popular da China fez a Lisboa a 3 e 4 de dezembro passado, onde convidou o nosso Presidente para, em regime de reciprocidade, visitar também a China e participar no 2º fórum "Faixa e Rota", para o qual já tinha sido convidado há dois anos, em 2017. Por outro lado, é preciso não esquecer que, desde que Portugal e a China restabeleceram as suas relações diplomáticas há 40 anos, todos os Presidentes da China e todos os os Presidentes de Portugal trocaram visitas bilaterais. Portanto, não só é a retribuição do convite, é a manutenção de uma tradição longa do relacionamento político diplomático entre os dois Estados.
Neste momento, qual é o estado das relações diplomáticos entre os dois países?
São excelentes as relações entre Portugal e a China. Portugal tem uma longa memória histórica, tal como a China, do relacionamento sempre construtivo que tiveram há mais de 500 anos, quando os portugueses chegaram. Mantivemos uma relação sem um único conflito, portanto, não há esse trauma na memória coletiva da história entre os dois povos. Sempre se conseguiram ultrapassar as coisas que dividem estes dois países através do diálogo e de forma negociada, sem ser necessário recorrer a outros meios. É também neste contexto que se restabeleceram as relações diplomáticas em 1979, onde se foi fazendo um aprofundamento gradual dos contactos bilaterais que levaram a um reforço das relações económicas e culturais. Do ponto de vista político as relações estão muito boas, o que não quer dizer que do ponto de vista económico não tenhamos espaço para mais, tal como do ponto de vista cultural também temos espaço para mais. Mas isso, enfim, são na prática outros aspetos do relacionamento bilateral.
Mesmo quando há divergências entre os dois países, sobretudo no capítulo do respeito pelos Direitos Humanos. Ainda há pouco tempo o Parlamento português aprovava exatamente uma resolução a esse propósito, condenando os poucos avanços que a China tem feito ao nível dos Direitos Humanos. Esse é um tema que será abordado nesta visita?
Não sei, não há propriamente uma ordem de trabalhos aprovada na conversa que os dois chefes de Estado vão ter. Mas isso são matérias normais e recorrentes que são abordadas entre os Estados europeus - ou até outros países - e a China. Não é propriamente nada chocante. Quando se tem uma excelente relação entre dois Estados, não quer dizer que ela esteja isenta de assuntos onde não estamos todos de acordo. Globalmente, Portugal e a China têm mais coisas em que estão de acordo, em que conseguem, de facto, valorizar aquilo que os une. Aquilo que nos separa é menos importante do que aquilo que nos une. Não quer dizer que temos que estar de acordo com tudo, mas isso é normal, é salutar que assim seja. Mesmo dentro da União Europeia, onde nós fazemos parte do bloco europeu, ou dentro da NATO, nem todos os Estados concordam com tudo. Faz parte, é normal.
Há divergências, de vez em quando, sobre aspetos concretos, não vejo isso como um problema. Não temos que estar alinhados ou de almas fundidas para termos uma ótima relação. Essas coisas são abordadas de forma natural com que sempre foram. Portanto, não tenho dúvidas que serão matérias abordadas entre os dois Presidentes, como sempre foram no passado e como foram também, há pouco tempo, numa cimeira entre a União Europeia e a China. Essas matérias foram naturalmente abordadas no contexto europeu, em que a China tem a sua posição e os Estados europeus têm a sua. O que vão fazendo é construindo para convergirem e evoluírem no mesmo sentido. Mas o mesmo existe em matérias comerciais ou noutras matérias onde não estamos exatamente de acordo e vamos, de forma negociada e conversada, ultrapassando essas mesmas divergências. É para isso que existe a diplomacia e é por isso que existem os contactos. Não é só para selar que está tudo fantástico, é para valorizar o que está bem e para ir falando em coisas que fazem parte dos processos de aproximação entre os Estados.
Investimento mais diversificado e uma balança comercial mais equilibrada
Do ponto de vista económico, quais são as grande prioridades desta visita? Tendo até em conta que a balança comercial entre Portugal e a China é - obviamente - desequilibrada para o lado português, mas também tendo em conta que nos últimos anos o interesse da China em Portugal tem vindo a crescer substancialmente, nomeadamente ao nível dos investimentos que as empresas chinesas têm feito em Portugal. Se tivesse que escolher um grande propósito do ponto de vista económico, qual é que escolheria?
Esse "obviamente" tem de estar desequilibrado a favor da China. Eu interrogo-me e ponho as coisas ao contrário: Portugal tem 10,5 milhões de habitantes, a China tem 1.3 mil milhões de habitantes. Acho que obviamente a balança comercial devia ser favorável a Portugal, porque eles são muito mais chineses e consumidores que nós em Portugal, portanto, eu acharia que era natural que, no fim, Portugal exportasse mais para a China. E acho que há aí, de facto, um esforço importante que nós todos temos que fazer para entender o que está na génese deste desequilíbrio na balança comercial, que se tem agravado um bocadinho, pelo menos de acordo com as estatísticas que Portugal tem - e que não coincidem com as estatísticas e com as fontes estatísticas chinesas. É matéria que merece, pelo menos, estudo e reflexão, para ver o que é que se pode fazer para gerar, pelo menos, uma balança comercial tendencialmente mais equilibrada. Uma relação saudável entre os Estados também assenta em transações comerciais equilibradas. O grande desequilíbrio comercial nunca é saudável para uma relação, portanto, era bom estudar, ver e incentivar a uma maior abertura, mas também a uma maior agressividade por parte das nossas indústrias, das nossas empresas e das nossas marcas para o mercado chinês.
Relativamente ao investimento: os chineses têm, sem dúvida, um interesse cada vez maior no mercado português, mas podem ter mais. Portugal não enjeita novos investimentos chineses, nem o vê com preocupação. Mas era importante, talvez - e Portugal tem dito isso em várias instâncias -, que esse investimento fosse sempre diversificado. Ele está concentrado nalgumas áreas concretas, mas seria salutar que houvesse investimento na mobilidade elétrica, onde os chineses têm um grande avanço e tecnologia de ponta muito interessante, na montagem e fabrico de automóveis elétricos. Poderia ter interesse o investimento nessa área em Portugal, onde nós estamos bastante apostados naquilo que tem sido uma transição energética bastante bem sucedida, e na forma como isso é visto como um exemplo, até a nível mundial.
Convencendo empresas chinesas a instalarem-se em Portugal?
Sim. Investimento privado em setores industriais que construísse qualquer coisa de raiz e não investir apenas naquilo que está já construído. Seja do ponto de vista das trocas comerciais, seja do ponto de vista do investimento, temos muitas matérias por onde debater, assim nos leve longe a ambição e a abertura dos nossos interlocutores chineses. Há muita coisa a fazer, a debater e a aprofundar nas trocas comerciais, por um maior equilíbrio das trocas comerciais entre Portugal e a China, como também na parte do investimento sem prejuízo para nenhuma das partes.
Essa abertura é, aliás, relativamente evidente, naquilo que tem sido o discurso dos responsáveis políticos chineses nos últimos tempos. Nomeadamente, na chamada nova rota da seda, um programa lançado pelo Estado chinês, que pretende, exatamente, demonstrar essa abertura da China ao mundo. Portugal tem particular interesse nesta rota chinesa - isso já foi assumido. Esse é um aspeto importante das conversas que o Presidente da República terá com os representantes chineses?
É seguramente um aspeto muito importante, porque o Presidente da República vai participar no 2º Fórum "Faixa e Rota", no dia 26 e 27 de abril. Portanto, ocupa uma parte importante da visita. É uma matéria que tem interesse, que lança debate, sobre a qual uma boa parte dos países europeus também já fizeram memorandos bilaterais com a China. Há um interesse crescente sobre o que pode ser complementar com a conectividade com essa massa continental euro-asiática, a ligação entre a Europa e o continente asiático, as ligações das infraestruturas por mar, terra, mas Portugal também acrescenta a vertente aérea. As conectividades aéreas hoje em dia são tão importante como eram no passado as terrestres e marítimas e, portanto, falar hoje em dia de conectividade euro-asiática só faz sentido se fizermos "Faixa-Rota" também na parte aérea.
Isso passará por um anúncio de novas ligações aéreas entre Portugal e a China?
Não. Tem andado em negociação a rota aérea direta Lisboa-Pequim, que está suspensa temporariamente, e uma ligação com passagem por Xian, a capital histórica da China. É matéria em debate, mas anúncios de novas rotas ou de novas coisas, não se esperam nos próximos dias.
Nos últimos anos ficou a sensação de que a China estava a usar Portugal como uma porta de entrada na Europa e nos países de língua oficial portuguesa. É essa a realidade ou a forma como os chineses olham para Portugal mudou?
O facto de Portugal ser membro da União Europeia e ter uma relação próxima com uma série de países africanos e da América Latina, com presença empresarial importante nesses países, não é indiferente ao interesse da China pelo investimento em Portugal. Dito isto, acho que temos valor próprio, porque a China também tem uma relação muito importante com esses mesmos países, seja na Europa, na África ou na América Latina. Há mais chineses, neste momento, em Moçambique ou em Angola, do que portugueses e, portanto, falar em Portugal como uma porta de entrada em Angola ou Moçambique, não faz sentido. Eles já lá estão, não precisam de Portugal. Podemos potenciar algumas coisas concretas, mas não é por causa disso. O Brasil, neste momento, tem na China o maior fornecedor das suas importações e é o destino número um das exportações brasileiras. Não precisa de Portugal como porta de intermediação para investimentos. E a China tem relações bastante intensas com todos os países europeus, seja em trocas comerciais, seja em investimento. Portugal, aliás, não é o primeiro, nem o segundo, nem o terceiro, nem o quarto, nem o quinto, nem o sexto destino do investimento chinês na Europa. Portugal é, de acordo com algumas estatísticas, o oitavo ou o décimo destino dos investimentos no continente europeu. Portanto, o facto de Portugal ser membro da União Europeia e ter relações muito particulares com alguns países da América Latina e de África, é um fator importante, mas não é único.
Portugal tem interesse próprio e tem mérito próprio para justificar esses investimentos e a atração por esse investimento em Portugal. Agora, isso obviamente complementa-se, porque nós somos uma nação sempre de características universalistas, não só do ponto de vista político e cultural, mas também do ponto de vista económico e isso propulsa outros horizontes. Mas temos muito mérito próprio para justificar esses mesmo investimentos e eles falam sempre em Portugal não apenas como uma passagem para uma outra coisa qualquer mais vasta.