Marcelo Rebelo de Sousa pede "mais ambição" para resolver problemas do país e dos "jovens de 2019"
Na sessão comemorativa do 25 de abril, o chefe de Estado alertou para "sebastianismos", enquanto Ferro Rodrigues criticou a "política de casos". Direita levou o 'familygate' para as intervenções.
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Numa intervenção em que comparou as ambições dos jovens de hoje com as dos jovens que viveram os tempos da revolução, em 1974, Marcelo Rebelo de Sousa disse, no parlamento, que é preciso perceber o que pretendem os "jovens de 2019" e salientou que o país não pode cruzar os braços e que deve ambicionar ainda mais.
"Mais ambição no Portugal pós-colonial, mais ambição na democracia, mais ambição na demografia, mais ambição na coesão, mais ambição na era digital e mais ambição na antecipação do futuro do emprego e do trabalho", disse o presidente da República, que, na Sessão Solene comemorativa dos 45 anos do 23 de abril, voltou a vincar a ideia de que, mesmo com fragilidades, a democracia continua a ser o melhor dos sistemas políticos.
"Manda a verdade que digamos que nós, os jovens de 1974, continuamos a preferir a democracia, mesmo a mais imperfeita, à ditadura, mesmo a mais incensada", disse o chefe de Estado, que, apelando também a "mais ambição na luta por um mundo sustentável", voltou a rejeitar "messianismos e sebastianismos de passados que não voltam".
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O presidente da República salienta, no entanto, que é preciso dar resposta a algumas questões colocadas, em particular, pela juventude. "Os jovens querem respostas inequívocas para perguntas urgentes, Quando e como quer Portugal voltar a ser uma sociedade a rejuvenescer? Quando e como esbatemos mesmo as desigualdades que ainda persistem e continuam a minar a nossa coesão? Quando e como conseguimos explicar aos jovens e menos jovens que há mesmo alterações climáticas e deveres intergeracionais?", questionou.
E, assinalando que é preciso "fazer melhor e muito melhor na nossa diplomacia económica", Marcelo Rebelo de Sousa afirmou também que "esperamos mas e muito mais da Europa e dos países falantes em português", mas que, até agora, tem sido possível combater com sucesso problemas como as "xenofobias".
Ainda assim, diz o presidente da República, é preciso fazer melhor: "Queremos muito mais da nossa democracia", disse.
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Estes objetivos têm que ser conseguidos, afirmou Marcelo, "com a economia a crescer, com dependência pelo endividamento a diminuir, sensatez financeira a salvaguardar, com acrescida justiça a repartir".
Num discurso em que fez a pergunta e respondeu a si próprio, e sem nunca nomear diretamente o Governo, Marcelo Rebelo de Sousa admitiu que estes são objetivos difíceis.
"Parece um programa impossível? Talvez, mas a História faz-se sempre de programas, ideais, de sonhos impossíveis", afirmou, já a finalizar o seu quarto discurso, como Presidente, na sessão solene do 25 de Abril, na Assembleia da República.
No final, aplaudiram de pé as bancadas do PSD, do PS e do CDS-PP, enquanto PCP, BE e PEV optaram por ficar sentados, sem aplaudir.
Ferro Rodrigues: "A política dos casos é a arma dos fracos, daqueles que não não têm ideias nem alternativas
Numa intervenção em que defendeu que a democracia portuguesa é reconhecida como "uma das democracias com mais qualidade em todo o mundo", o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues reconheceu, no entanto, que contém "problemas que é preciso resolver".
Considerando que a atual legislatura tem sido marcada por uma "centralidade parlamentar sem precedentes", o presidente da Assembleia da República assinalou ainda que "a abertura, a transparência e a ética da responsabilidade são os melhores antídotos contra o crescimento da cultura antiparlamentar".
"Não é aviltando o papel dos deputados e do parlamento que se avança", atirou Ferro Rodrigues, que, numa passagem que foi aplaudida pela maioria dos deputados presentes - incluindo alguns parlamentares das bancadas de PSD e CDS-PP -, chamou a atenção para a "distância que separa eleitos e eleitores, representantes e representados".
Mas, para o presidente da Assembleia da República, os problemas não se circunscrevem ao parlamento, aos deputados, à política e aos partidos.
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"Sinais que nos chegam do funcionamento das nossas instituições, mas que vão muito além delas, percorrendo partidos, sindicatos e outras organizações da sociedade civil", afirmou.
Noutro ponto, Ferro Rodrigues lamentou ainda os "conteúdos falsos e difamatórios, frequentemente anónimos", e, rejeitando a "propaganda" e enaltecendo o "jornalismo", defendeu que, em ano eleitoral marcado por três eleições, deve ser possível "travar um debate franco e leal, baseado em alternativas políticas claras".
"A política dos casos é a arma dos fracos, daqueles que não não têm ideias nem alternativas", rematou o presidente da Assembleia da República, num "apelo aos líderes políticos e parlamentares".
Na intervenção, Ferro Rodrigues não esqueceu também o chefe de Estado, considerando que Marcelo Rebelo de Sousa tem sido "uma muralha simbólica contra o crescimento do populismo, pelo papel decisivo e essencial que tem assumido durante a sua Presidência".
PSD: "Portugueses repudiarão qualquer partido que ouse administrar a coisa pública como uma propriedade"
Para a Sessão Solene, a bancada parlamentar social-democrata escolheu para orador o deputado Pedro Roque, que, numa intervenção muito centrada no trabalho feito pelo atual Governo, lamentou que, apesar da conjuntura económica "favorável", o atual Executivo não soube aproveitá-la para catapultar o país: "Não podemos comemorar o facto de essas opções terem beneficiado a economia", disse.
"Assistimos a uma navegação política de cabotagem, sempre com a costa à vista, sem ousadia reformista capaz de alicerçar o desenvolvimento", disse o deputado, que sublinhou: "Sem reformas estruturais a nossa economia pode até navegar razoavelmente, desde que o vento sopre de feição. Porém, mais evidente se torna a dificuldade que terá em não se afundar sob condições adversas".
E prosseguiu: "Verificamos que toda a ciência governativa se resumiu ao exercício de uma gestão corrente adequada aos interesses de uma agenda tática, por forma a garantir a sobrevivência da coligação parlamentar".
Antes, o deputado já tinha levado para a intervenção o tema da nomeação de familiares para cargos políticos. "Os portugueses repudiarão qualquer partido que ouse administrar a 'coisa pública' fazendo uso daquilo que pertence a todos como se se tratasse de um clube, um partido ou uma propriedade", avisou o deputado social-democrata.
PS: "Um erro desvalorizarmos esses perigos para as democracias"
Na tribuna, Carlos César, líder parlamentar do PS, foi ao encontro daquele que foi um dos sublinhados feitos pelo presidente da República durante a Sessão Solene do ano passado - quando Marcelo Rebelo de Sousa chamou a atenção para os perigos dos "populismos" -, e salientou as "incertezas e disfunções" do presente.
"Será um erro desvalorizarmos esses perigos para as democracias", disse, depois de insistir na necessidade de abordar problemas como "aliciamentos receituários que se fazem atrativos, que trocam medos pela intolerância, pela mentira e pelo apoucamento dos políticos e das instituições democráticas", afirmou.
"Aconteceu, pode acontecer de novo", disse Carlos César, citando Primo Levi, numa intervenção em que defendeu que, "para que não aconteça, é também preciso atentar às novas dimensões do desenvolvimento económico e social".
Já no final da intervenção, o líder parlamentar socialista considerou: "Os nossos cuidados devem estar centrados na procura dessas soluções, velando para que elas se forjem num mundo efetivamente democrático e em paz como o que conquistámos em Portugal com a coragem dos Capitães de Abril".
BE: "A esperança pergunta o que faremos nas decisões fundamentais"
Numa intervenção em que lembrou que abril "é sinónimo de conquistas" e que "se enganam aqueles que afirmam que não é sinónimo de lutas", Jorge Falcato, deputado do BE, deixou um apelo ao Governo liderado pelo PS para que os acordos assinados em 2015, e que deram origem à atual solução governativa, possam ser cumpridos e, até, ir mais longe.
"Os cravos nos nossos peitos devem ser mais do que um enfeite na lapela. A esperança que voltou a sair à rua com a solução governativa alcançada em 2015 olha para estes cravos e pergunta o que faremos nas decisões fundamentais", disse o deputado.
E, no mesmo sentido, Jorge Falcato sublinhou a importância de "cumprir abril" em matérias como a Segurança Social, a Escola Pública, a Lei de Bases da Habitação ou o Serviço Nacional de Saúde.
"Celebrar abril não pode ser uma cerimónia atual, é um compromisso permanente e há muito para fazer. 45 anos depois, ainda há muitos cidadãos e cidadãs de segunda no nosso país. Pessoas a quem são negados direitos básicos", lamentou.
CDS-PP: "Quem não se servir de abertura à mudança, escancara as portas ao extremismo"
Pelo CDS-PP, o deputado Filipe Anacoreta Correia começou por sublinhar que o dia serve para celebrar o 25 de abril, mas, sobretudo, o "início de um processo democrático que viria a consolidar-se no dia 25 de novembro de 1975". Mais à frente na intervenção, o deputado centrista rumou à temática do "populismo" e do "extremismo", considerando que é preciso estar atento e antecipar as mudanças.
"Quem não se servir de abertura à mudança, escancara as portas ao extremismo e pode bem ser empurrado para a rutura. Quem, pelo contrário, quer evitar o radicalismo tem o dever de perscrutar e de se antecipar à mudança. No debate político tantas vezes parecemos incapazes de atender às aspirações mais simples e evidentes do nosso tempo", disse.
O deputado lembrou ainda as últimas polémicas sobre a presença e nomeação de familiares para o Governo, e, assinalando que a "promiscuidade com o poder, seja de âmbito económico, partidário ou familiar, é incompatível com a dignidade democrática".
"A deferência diante das instituições em que se tem a honra de servir o país aconselha prudência e repúdio de banalizada familiaridade", notou Filipe Anacoreta Correia.
PCP: "É preciso ir mais longe e avançar decididamente"
Na intervenção durante a Sessão Solene, Diana Ferreira, deputada do PCP, defendeu o caminho feito pelos comunistas nos tempos em que o "fascismo existiu" e semeou "pobreza, fome, miséria, analfabetismo e doença".
"Foi abril, com a sua ação libertadora, que pós fim a este tempo de terror, que trouxe um tempo de esperança e força para transformar", disse a deputada, que aproveitou a presença na tribuna para dar conta da visão do PCP em relação à atual solução de Governo liderada pelo PS. "É preciso ir mais longe e avançar decididamente".
Segundo os comunistas, o caminho deve ser feito "no sentido de uma verdadeira política alternativa, comprometida com os valores de Abril, que dê resposta aos problemas estruturais que atingem o povo e o país, e não andar para trás".
"Uma política de combate à precariedade, ao desemprego, às desigualdades sociais e que garanta uma melhor e mais justa distribuição de riqueza", disse ainda Diana Ferreira, que, numa mensagem dirigida aos socialistas, atirou: "Foi preciso lutar muito, mas com a luta dos trabalhadores e a ação decisiva do PCP conseguiu-se esse objetivo imediato".
"Todas as medidas tomadas são certamente pequenos passos, considerando a dimensão dos problemas do povo e do país", afirmou também a deputada comunista.
PEV: "Abdicar de votar é uma rendição ao conformismo"
Pelo PEV, a deputada Heloísa Apolónia subiu à tribuna e deixou um apelo contra a abstenção, chamando a atenção para os três atos eleitorais que se realizam em 2019 e lembrando que nas primeiras eleições livres após o 25 de abril a taxa de participação "ultrapassou os 90 por cento".
"Abdicar desse direito de votar, que custou a conquistar, é uma rendição ao conformismo, é deixar nas mãos dos outros a decisão, quando a verdade é que cada voto conta para fazer a diferença e determinar a correlação de forças políticas", disse a deputada, que sublinhou que o 25 de abril de 1974 foi apenas "o princípio de uma caminhada coletiva" e que "ainda está tanto por cumprir".
Sobre a atual solução de Governo, que se verifica desde 2015, Heloísa Apolónia assinalou que o PEV se empenhou de forma "ativa e positivamente" para "quebrar um ciclo de massacre social".
Num discurso em que salientou algumas das problemáticas ambientais, o Partido Ecologista "Os Verdes" notou, no entanto, uma União Europeia "moldada aos interesses dos países mais fortes, das elites, do grande poder económico e financeiro, do militarismo, e distanciada das necessidades dos cidadãos".
PAN: "Estamos a viver acima das capacidades do Planeta"
Na primeira intervenção, André Silva, deputado único do PAN, começou por dizer que o dia é de prestar homenagem a "todos aqueles que lutaram e resistiram a um regime autoritário de partido único, que há 45 anos libertaram o povo", mas, num discurso sobre as alterações climáticas, afirmou: "O planeta pede revolução".
"Estamos a viver acima das capacidades do Planeta. Vivemos a crédito, a bancarrota ambiental está anunciada, e quem tem poderes de supervisão e de intervenção continua em modo negligente", disse André Silva, que acusou a "elite política" de continuar a "decidir segundo as leis do modelo económico linear" que procura "dominar, explorar, extrair, transformar, produzir, vender, comprar, usar, descartar e extinguir".
E, no mesmo sentido, o deputado do PAN deixa um apelo aos decisores políticos: "Mais do que a coragem e visão que têm faltado aos decisores políticos, falta-lhes o básico: a empatia. Empatia pelo nosso semelhante, pelas outras formas de vida, pelo planeta, a nossa casa comum".
"O sonho de cumprir Portugal e de cumprir o Planeta faz-se também na Europa. A União dos povos irmãos europeus faz-nos mais fortes e capazes de liderar o grande combate das nossas vidas: o das Alterações Climáticas", sublinhou.
A Assembleia da República assinala, esta quinta-feira, o 45.º aniversário da "Revolução dos Cravos", com a habitual sessão solene no hemiciclo. O presidente do parlamento, Eduardo Ferro Rodrigues, abre a sessão e, depois de a banda da GNR executar o Hino Nacional, nos Passos Perdidos, dá a palavra aos representantes dos grupos parlamentares.
O primeiro a intervir é o deputado único do PAN (Pessoas-Animais-Natureza), André Silva, e a seguir será a deputada do PEV Heloísa Apolónia. Logo depois é a vez da deputada Diana Ferreira, do PCP, de Filipe Anacoreta Correia, do CDS-PP, de Jorge Falcato, do Bloco de Esquerda, de Carlos César, do PS, e de Pedro Roque, do PSD.
A sessão encerra com as intervenções de Ferro Rodrigues e do presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que faz, este ano, o seu quarto discurso como Presidente da República, perante os deputados. O primeiro-ministro, António Costa, e os restantes membros do Governo assistem à sessão, mas não têm intervenções previstas.