Do "disparate" ao "triunfo da moderação", 25 de Novembro mostra "trincheiras erguidas". Os discursos da sessão solene
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O Parlamento assinala, pela primeira vez, a operação militar do 25 de Novembro de 1975. A contrastar com o cenário preenchido por rosas brancas, há cravos vermelhos nas lapelas de alguns deputados de esquerda — nomeadamente, na do secretário-geral do Partido Socialista, Pedro Nuno Santos. Por sua vez, a única deputada presente do Bloco de Esquerda, Joana Mortágua, oferece esta flor a Marcelo Rebelo de Sousa.
A bancada do PCP está vazia. Os discursos mostram uma Assembleia da República dividida sobre a celebração desta data.
Conheça os pontos-chave de cada discurso, por ordem de intervenção:
Tal como há 49 anos, PAN diz que o país tem "trincheiras erguidas"
É com o nome de Celeste Caeiro, a mulher que distribuiu cravos no 25 de Abril e que morreu recentemente, que Inês Sousa Real toma a palavra.
“Há 49 anos o país estava entrincheirado, completamente dividido ao meio, e à beira da guerra civil”, aponta a deputada única do PAN, fazendo um paralelismo com o presente: “Hoje olhamos para esta sala e vemos novamente trincheiras erguidas, entre os que dizem que não traem Abril e os que usam Novembro."
Neste Parlamento, é com "preocupação" que vê que temas como alterações climáticas ou direitos das pessoas LGBTI+ e dos animais são rotulados como “ideias wokistas ou marxistas”.
O 25 de Novembro marca a queda da "tentação de um novo autoritarismo"
Já Paulo Núncio, líder parlamentar do CDS, fala de um "dia com história" e garante que em 25 de Novembro de 1975 "caiu a tentação de um novo autoritarismo e resgatou-se o plano inicial da democratização". "Numa palavra, o 25 de Abril abriu um caminho e o 25 de Novembro impediu que esse caminho se fechasse", defende.
Paulo Núncio acredita que há 49 anos evitou-se "que a liberdade se perdesse" e saúda o direito das várias forças políticas estarem presentes na cerimónia, "mesmo aquelas que decidiram não estar aqui", numa referência ao PCP, que rejeitou marcar presença na sessão solene do 25 de Novembro.
Dirigindo-se ao general Ramalho Eanes, presente na cerimónia, o líder parlamentar do CDS pede uma homenagem aos vários protagonistas desta operação militar, afirmando que o país "lhes deve muito".
"Muito obrigada pela coragem e pelo serviço a Portugal", disse, sublinhando ainda o papel das Forças Armadas e do regimento militar.
Livre ataca “esta direita do Século XXI” por "usurpar" data. E não esquece luta contra violência de género: "Igualdade constrói-se todos os dias"
Rui Tavares não marca presença.
“Uma coisa é ter respeito pelo 25 de novembro, outra coisa muito diferente é ter respeito por aquilo que estão a querer fazer ao 25 de novembro. Não demonstra verdadeiro respeito nem pela data, nem pela verdade histórica, nem, sobretudo, pela importância fundadora do 25 de Abril para Portugal e não só”, afirmou, declarando que “a história adulterada não pode ser uma arma de arremesso político”. Refere até é “com muita tristeza” que vê “a usurpação” desta data “por esta direita do Século XXI”.
Decide, então, abordar uma outra data: 15 de novembro de 1974, quando "se instituiu o voto universal em eleições livres e que, finalmente, todas as mulheres portugueses passaram a ter o direito a votar, fossem casadas ou solteiras, tivessem ou não um curso, soubessem ou não ler, e esta data que fez 50 anos há dez dias é que nos deveria ter juntado em sessão solene, e juntará, por proposta do Livre".
Esta segunda-feira é também dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres: “Devíamos estar a dizer em uníssono que é tempo de parar o machismo, a violência e a opressão. O 25 de Novembro que devemos assinalar todos os anos é este, o da luta contra a violência de género."
"Igualdade constrói-se todos os dias, mas ainda estamos longe", reitera. E, se ali está a falar "sem medo" é graças ao 25 de Abril.
“Viva o 25 de Abril, viva a liberdade e viva o dia internacional da Eliminação da Violência contra as Mulheres”, apela garantindo que lutará “de cravo na mão”.
Quem acredita "que o 25 de Abril não deu aos portugueses a verdadeira liberdade" é "derrotado" da revolução dos cravos
Joana Mortágua, do BE, lembra que "Portugal despertou do pesadelo da ditadura em 25 de Abril", apontando, por isso, que "as palavras que a revolução escreveu", Novembro "não apagou".
Em 26 de novembro de 1975, argumenta, em Portugal, "o horizonte do país continuava a escrever-se em três palavras: liberdade, democracia e socialismo".
"A democracia, as liberdades individuais e coletivas, a liberdade de expressão e sindical e o direito ao voto: tudo isso nasceu do 25 de Abril e nada disso devemos ao 25 de Novembro", sublinha.
"Quem ainda hoje repete a velha ladainha de que o 25 de Abril não deu aos portugueses a verdadeira liberdade, bem pode vir apresentar-se como herdeiro de Novembro, mas é na verdade um derrotado de Abril", atira.
Joana Mortágua lamenta a "atual mistificação" sobre o que de facto aconteceu em 25 de Novembro, afirmando que "não vale a pena fazer contra-história". A bloquista lamenta, por isso, a tentativa de "diabolização do PREC", um plano "que lançou à terra aquilo" é Portugal. Esta ação "só convoca os saudosistas de 74".
"Passaram 49 anos durante os quais nenhuma maioria parlamentar se lembrou de perturbar essa saudável inexistência [da celebração do 25 de Novembro], até chegarmos a esta sessão, um disparate, que revela a deplorável disponibilidade do PSD para ceder à extrema-direita", defende.
Insiste que esta celebração é "uma manobra dos derrotados de Abril" de "esvaziar" a importância do "grito do povo contra o fascismo".
"Podem repetir a vossa lenda do 25 de Novembro e nós continuaremos a responder com a história do 25 de Abril e com o texto da Constituição", garante.
Reescrever a história? Iniciativa Liberal afirma que "exigir consenso é compactuar com o que está imposto"
Para o líder da Iniciativa Liberal, Rui Rocha, esta segunda-feira celebra-se a "derrota dos totalitários". Menciona igualmente que, de um lado, estão os democratas e, do outro, os "saudosistas".
Pergunta se se deve reescrever a história, “fazendo dos vencedores derrotados e dos derrotados vencedores”. "Exigir consenso é compactuar com a versão da história que eles quiseram impor", falando em "desonestidade intelectual".
"É a luz de Novembro que nos deve guiar", atira ainda.
“Viva a liberdade! Fascismo e comunismo nunca mais!”, exclama, encerrando, assim, a sua intervenção.
"Este é o verdadeiro dia da liberdade de Portugal"
Pelo Chega, André Ventura argumenta que, em Abril de 1974, o "país caminhava para uma ditadura soviética" e, por isso, felicita "uma nova maioria, que permitiu que se dissesse, sem que se esquece o 25 de Abril, que este é o verdadeiro dia da liberdade de Portugal".
André Ventura acredita que o país está hoje "debaixo da ameaça real da imigração", considerando que esta "destrói o país". Faz ainda uma associação injustificada entre o aumento da violência sexual contra mulheres e a imigração, sem que haja qualquer estatística até ao momento que prove as suas declarações.
Lamenta ainda que o país prefira "dar razão a bandidos, em vez de estar ao lado das forças de segurança".
O discurso do líder do Chega motivou a saída de vários deputados do PS.
"Esta democracia não nos serve. Precisamos de uma melhor democracia para Portugal e não temos medo de o dizer aqui no Parlamento", aponta.
Questiona ainda a homenagem a Mário Soares, afirmando que também as famílias dos ex-combatentes mereciam essa atenção.
Ventura assegura que o "novo país", que quer reconstruir, "precisa da energia do 25 de Novembro" de 1975.
PS apela a "não reabrir fraturas"
Pela voz de Pedro Delgado Alves, o PS toma a palavra. O 25 de Novembro foi uma vitória “da esquerda democrática” contra uma “deriva radical e sectária”, que impediu as “tentações revanchistas da direita radical”.
Do seu ponto de vista, a melhor homenagem é “não reabrir fraturas que sabiamente estas gerações fundadoras do regime democrático souberam superar, recusando revisionismos ou provocações”.
"A reconciliação nacional começou ali." E remata: "Não viremos Novembro contra Abril, porque não foi feito contra Abril”, remata.
"O 25 de Novembro deve-nos unir e não dividir"
O deputado do PSD Miguel Guimarães afirma que hoje se assinala "o triunfo da moderação sobre o extremismo". "O 25 de Novembro deve-nos unir e não dividir", argumenta.
Ninguém de boa-fé negará que foi o 25 de Novembro que nos possibilitou viver numa democracia liberal e pluralista, livrando-nos de uma democracia popular de inspiração marxista.
Reitera que a celebração do 49.º aniversário da operação militar de 25 de Novembro não serve para diminuir as conquistas de Abril, uma tentativa que diz estar "condenada ao fracasso".
"O 25 de Novembro não foi só mais uma data, representou o termo do PREC e permitiu o sonho tornar-se realidade", explica, justificando que a "verdadeira promessa da revolução de Abril, a liberdade," só foi concretizada um ano mais tarde, em Novembro de 1975. "Dizer o contrário é seguir uma via que o país há muito abandonou", defende.
Destaca também a "ação notável" de Mário Soares, bem como "o herói de 25 de Novembro", Ramalho Eanes. "É bom ter memória e não esquecer a história", afirma.
"O 25 de Abril não é substituível"
O presidente da Assembleia da República começa por acalmar os ânimos: "Há quem tema que a cerimónia sirva para comparar datas e acontecimentos, há quem tema que esta cerimónia sirva para desvalorizar o 25 de Abril, para o desconsiderar. Permitam-me a clareza: o 25 de Abril não é desvalorizável, não é equiparável, não é substituível."
Assinalar o 25 de Novembro "não é mais do que celebrar Abril e o que só Abril iniciou: a liberdade e o desejo de democracia".
As discordâncias fazem parte da democracia, "mas, às vezes, caímos no exagero" por “desejo de fácil mediatismo ou de afirmação”.
Podemos discutir a publicidade na RTP, mas já ninguém põe em causa a existência de órgãos de comunicação social privados, ou a liberdade de imprensa, mas nem sempre foi assim. Podemos discutir a descolonização e a herança da nossa presença em África, mas estamos de acordo quanto à importância da lusofonia para o futuro. Podemos debater a falta de investimento no serviço público de saúde, mas já ninguém põe em causa a existência do Serviço Nacional de Saúde, podemos traçar linhas vermelhas na redução de um por cento do IRC, mas já não discutimos a economia de mercado e a liberdade de iniciativa. Podemos discutir, até, a cor dos boletins de vacina, mas ninguém contesta a premissa da Igualdade entre homens e mulheres, a igualdade de direitos perante a lei.
E, em jeito de conclusão, afirma: "Podemos discordar sobre muitos assuntos e até exagerar as discordâncias para consumo mediático, mas nenhum de nós advoga que os seus adversários políticos sejam presos. Em 75, algumas das diferenças eram discutidas à bomba, literalmente."
"A grande conquista é a reconciliação do país." E prossegue: "Viemos desse tempo em que algumas das ideias se tentavam impor pela força das armas, para o momento em que podemos debatê-las em liberdade."
Homenageia ainda Mário Soares, que "foi fixe, soube identificar o que nos separava para construir o que nos unia, chama-se sensatez".
Marcelo defende que "não existe contradição" entre assumir que Abril foi "o mais marcante" e "evocar o 25 de Novembro"
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, considera que "não existe contradição entre o 25 de Abril e o evocar o 25 de Novembro de 1975". Sem este último, argumenta, "o refluxo revolucionário teria sido mais demorado, mais agitado e mais conflitual e, para alguns, poderia provocar mesmo uma guerra civil".
Na primeira sessão solene evocativa do 25 de Novembro na Assembleia da República, Marcelo começa por enumerar os eventos que antecederam a revolução de Abril de 1974 e, posteriormente, a operação militar de 1975 e confessa que faz esta contextualização porque "milhões de portugueses com menos de 60 anos não têm memória quase nenhuma da revolução".
No seu discurso, de cerca de vinte minutos, que encerrou a sessão, questiona se se pode afirmar que "em 25 de Abril de 1974 começa a liberdade e em 25 de Novembro de 1975 a democracia" em Portugal. E responde, argumentando que "é mais rigoroso" afirmar-se que em Abril se abriu "um caminho complexo e demorado para a liberdade e a democracia", ao passo que em 25 de Novembro de 1975 se deu "um passo muito importante nesse sentido".
"A democracia política e eleitoral fica plenamente consagrada em 25 de Novembro? Não, apenas sete anos depois, com a primeira revisão da Constituição", reconhece.
Marcelo Rebelo de Sousa destaca, ainda assim, que Abril "foi não só o primeiro momento, mas também o mais marcante em termos históricos", por representar o fim de uma ditadura de meio século, bem como por ter definido o sistema eleitoral e conclui: "Sem ele, não havia 25 de Novembro, nem o que este significou."
Mas admitir isto, reforça, não implica negar a importância de Novembro de 1975 e o seu contributo "muito significativo".
"O 25 de Novembro foi muito significativo porque sem ele, no tempo em que existiu, o refluxo revolucionário teria sido mais demorado, mais agitado e mais conflitual e, para alguns, poderia provocar mesmo uma guerra civil", sublinha.
O chefe de Estado defende assim que "não existe contradição" entre assumir que o "25 de Abril representa um virar de página historicamente mais profundo" e "evocar o 25 de Novembro".
"Eis por que razão não existe contradição entre o 25 de Abril, como há décadas é assinalado - enquanto data maior, porque representou um virar de página historicamente mais profundo, no império, na ditadura e como primeiro passo de abertura para a liberdade e a democracia - e o evocar o 25 de Novembro de 1975", sustenta.
"A História é feita destas conjugações: entre o vasto e o abrangente e aquele que lhe dá expressão", nota.
