Eduardo Vítor Rodrigues diz que há uma “rutura ideológica interna” a travar o apoio do PS a Seguro
Na véspera da saída da presidência da Câmara de Gaia, o ainda autarca diz que o PS perdeu as legislativas porque ignorou a realidade da imigração, privilegiando um “radicalismo ideológico”. À TSF e ao JN, Eduardo Vítor Rodrigues considera injustos os processos da justiça contra os políticos e os autarcas
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Tem mostrado revolta pela decisão do tribunal que determinou a perda de mandato por usar um carro da câmara em benefício pessoal. Em que situações é que entende que um autarca, um governante ou um gestor público pode usar bens públicos na vida pessoal?
Na verdade, em nenhuma. Ocorre apenas que o que me é imputado, em primeiro lugar, é falso. Nunca utilizei para fins pessoais o que quer que seja. Coisa diferente é sair da Casa da Presidência ou sair da Câmara e pelo caminho fazer um trajeto para ir buscar a minha filha que está na escola e que fica a caminho ou fazer o desvio para ir à padaria. E, portanto, eu não tenho nenhuma presunção de que os autarcas, ou os políticos em geral, devam usar e abusar do bem público. Haverá alguém à face da terra que ache que isso é suficiente para que um autarca legitimamente eleito com 60% corra o risco de perder o mandato? Limito-me, neste momento, a lutar não por mim, porque eu já dei como concluída a minha etapa, mas por todos os outros que neste momento passam pelo mesmo, em silêncio, porque têm vergonha, porque ninguém protege minimamente a função de um autarca, porque a justiça criou uma ideia de que somos todos iguais e todos criminosos. E, portanto, é a mesma coisa roubar 10 milhões de euros ou receber luvas de empreiteiros ou fazer um desvio para ir à padaria. A sanção acessória é a mesma. Se me disserem que é, por mim tudo bem. Pergunto-me se vale a pena continuar na política e continuar neste país. É a mesma coisa ter uma multa de trânsito ou ter roubado 20 milhões de euros? Isto é que eu questiono. Se for para ser assim, eu aceito, a justiça que diga que é assim. O problema é que eu acho que isto é muito arbitrário e pouco claro.
Se vier a confirmar-se uma condenação neste caso, acha que isso o torna num ativo tóxico para o Partido Socialista?
Isso é irrelevante. Para todos os efeitos, um ativo torna-se tóxico a partir do momento em que está neste contexto. Se quiser dizer de outra maneira, e independentemente do que o partido possa achar, eu já sou um ativo tóxico. Não preciso de esperar pela decisão. Mas vou lutar pela minha defesa, porque acho que tenho essa obrigação, porque estou de consciência tranquila. Mas vou lutar também para se perceber que isto não é um caminho justo, não é um caminho decente para a justiça nem para a política, porque na verdade parece que estamos aqui perante uma guerra entre a justiça e a política e às vezes vice-versa. Que fique claro: eu não estou a vitimizar-me, não quero fazer o papel de coitadinho ou de vítima. Num país em que um primeiro-ministro é demitido por umas buscas que um ano e meio depois deram zero, em que não há uma mínima acusação, nem constituído arguido foi, num país em que isto acontece eu não posso ser uma vítima, eu só posso estar feliz por estar cá fora. Eu sou o presidente de uma Câmara Municipal que teve, durante dois anos, 23 meses mais concretamente, um vice-Presidente detido em prisão preventiva por alegadamente ter recebido uma mochila de dinheiro com 100 mil euros. Ao fim de 23 meses de detenção e em pleno julgamento, prova-se que a mochila ficou com um intermediário e que o vice-presidente nunca soube de absolutamente mochila nenhuma com dinheiro algum. Ele é posto cá fora, sem pulseira eletrónica, e está tudo bem. O país não tem nada a dizer. Prende-se uma pessoa 23 meses em prisão preventiva sem haver indícios suficientes para sustentar uma acusação firme, que cai em pleno julgamento. É isto que nós queremos? Eu não.
Sobre a Operação Babel, entende que tanto as suspeitas como a investigação tiveram motivações políticas?
Eu não quero entrar por aí, porque não tendo provas não posso entrar por aí. E quero acreditar que, como em todo o lado, há gente boa e gente má. Na política como na justiça. Agora, não tenho dúvidas nenhumas de que Vila Nova de Gaia se tornou num foco, fruto de um conjunto de circunstâncias que começaram num combate que começou por ser político-partidário. E que se tentou judicializar, isso parece-me evidente. Tudo isto decorre de denúncias que não têm pés nem cabeça. Uma coisa é que uma denúncia leve a que alguém lute nos tribunais pela sua inocência, ponto final, e no fim a justiça decide. Coisa diferente, é que no meio disto tudo ficaram quase dois anos da vida de uma pessoa destruídos, ficou todo o resto da vida, porque eu não sei como é que uma pessoa se levanta depois disto. E, apesar de tudo isto ter visado apenas o vice-presidente (eu nem arguido sou), toda a gente percebe que isto destrói a imagem do presidente, dos vereadores e do concelho. E predispõe a própria Justiça para que, sempre que aparece um dossiê em Gaia, olhem para aquilo com um temor diferente, com uma perceção diferente. Só mesmo nos monumentos é que a justiça tem venda.
Esperava mais solidariedade por parte do seu partido?
Tive a solidariedade que tinha de ter. Não estou à espera que um secretário-geral de um partido venha expressar-se muito fortemente a favor de um autarca, porque toda a gente sabe que os partidos, e são todos, olham muito para os autarcas como uma espécie de figuras de segunda linha. Portanto, não estou à espera disso, até porque se isso pudesse acontecer, se essa solidariedade...
Mas não lhe desagradava caso isso tivesse acontecido…
Estaria neste momento mais feliz se o meu partido e a Associação Nacional de Municípios, que é liderada por uma socialista que eu muito prezo, dissessem que há um lado dúbio na aplicação automática de uma sanção acessória. Quer dizer, que tanto faz uma questão que valha um euro como uma questão que valha um milhão de euros. Perde o mandato na mesma? Se isto faz algum sentido, a justiça diz que é dúbio e interpreta sempre como a justiça interpreta, que é sempre contra os políticos, então o que é importante fazer é esclarecer. A lei pode ser melhorada.
E o momento devia ter sido aproveitado para patrocinar essa mudança legislativa?
A Associação Nacional de Municípios (e não estou a falar desta, estou a falar dos últimos 12 anos) nem sequer conseguiu lutar pela devolução dos 5% do salário dos autarcas, porque eram os únicos a quem não foi restituído o dinheiro. E depois aquilo que me revolta, que é verdadeiramente a questão básica de tudo isto, é que eu não faço parte das elites, nem do partido, nem da sociedade. Eu nasci numa família humilde. Chego ao fim de 12 anos, tendo gerido mais de 3 mil milhões de euros. E vou com o carro da Câmara à padaria, quando trabalho ao sábado e ao domingo, às noites, aos fins de semana, sem ter horas extras, e vêm-me chatear por causa disso. Ou por ter levado dois padres a ver um jogo do Porto.
Considera esses processos anedóticos?
Não, eu considero esses processos completamente injustos. Gostava de os ver discutidos nas faculdades, porque significam uma posição da justiça relativamente aos políticos, e eu não sou o único. Há muitos colegas meus que passam pelo mesmo, só que passam em silêncio, por vergonha. Há colegas que tiveram buscas domiciliárias há 4 e 5 anos e que até hoje nem o telefone lhes devolveram, nem acusação têm.
Como é que olha para a possibilidade de Luís Filipe Menezes voltar a ser candidato à Câmara de Gaia pelo PSD?
É um daqueles assuntos que eu não quero aprofundar muito. Passei quatro ou cinco anos do meu mandato a resolver os problemas de uma Câmara falida. Hoje, Gaia é uma câmara ao nível das mais importantes do país, com uma situação financeira tranquila, e isso deve-se ao trabalho que foi feito, que é mais um sentimento de injustiça que tenho. Ou seja, quem deixou a Câmara numa situação lastimável, com mais de 300 milhões de euros de dívidas, com processos judiciais superiores a 40 milhões de euros, todos pagos no meu mandato, quem deixou a Câmara numa situação completamente desastrosa, anda por aí como se nada fosse e não há imputação nenhuma. Eu vou à padaria e tenho o ónus de poder vir a perder o mandato. É isto que nós queremos na política? Nesse sentido, eu espero que o doutor Menezes seja, por uma vez, coerente. Ele diz há muito tempo que nunca na vida voltará à política e nunca será de novo candidato à Câmara de Gaia. Eu espero que sim, que não seja, porque depois da tentativa que ele fez no Porto, depois da forma como saiu de Gaia, é menorizador para ele e é menorizador para Gaia. E Gaia já não está ao nível de discussões de fogos de artifício de São João.
Falando de Gaia, João Paulo Correia, o candidato do PS ao município, tem condições de manter o poder nas mãos do partido, depois de todas estas polémicas?
Olha, eu percebo a pergunta e também eu, olhando de uma forma mais ou menos neutra, também percebo que a pergunta tem subjacente a ideia de que isto são questões que prejudicam eleitoralmente. É evidente que as pessoas pensem assim. Curiosamente, aquilo que eu tenho sentido no terreno, porque eu vou ao supermercado, é exatamente o contrário, é que estes dois processos têm servido para reforçar o PS em Gaia. Pode parecer estranho o que eu estou a dizer, mas eu permito-me explicar. Se destes processos se tirasse a conclusão de que, de facto, por exemplo, o vice-presidente meteu uns tostões ao bolso, ou que o presidente pegou no carro e foi de férias para Barcelona ver lá as estátuas à custa do dinheiro do município, bom, eu aí diria, cria-se um estigma, cria-se uma dificuldade e até uma desilusão. Ora, o que eu visto é as pessoas a perguntarem-se como é que é possível. Ou seja, ninguém me acusa de ter desviado dinheiro, de ter sido corrompido por um empreiteiro, nada. Ninguém me acusa de coisas e vêm-me acusar de ter levado dois padres a ver um jogo do Porto e de ter ido à padaria com o carro da Câmara e isso dá perda de mandato. As pessoas têm olhado para isto com um certo sentido de ridicularização das decisões. Eu nunca senti tanto carinho das pessoas como agora. Mas não porque olham para mim como vítima, coisa que eu não sou.
Não teme que possa haver uma contaminação negativa junto do eleitorado?
Se, até o fim deste julgamento do vice-presidente, se mantiver o que está a acontecer, eu não vejo como é que pode ser contaminado negativamente um processo eleitoral que tem subjacente um autarca que esteve 23 meses na cadeia injustamente.
Vai fazer a campanha ao lado do candidato PS?
Claro, claro.
Falava há pouco da herança que deixa ao nível do ajustamento das contas na Câmara de Gaia. Que grande marca é que Eduardo Vítor Rodrigues deixa no município 12 anos após lá ter entrado?
Olha, eu nunca andei à procura de marcas. Eu fui presidente de câmara, não vou dizer por coincidência ou por casualidade, mas sem ter feito uma predestinação para o efeito, nunca fui um político de carreira, voltarei a ser um académico e não um político, portanto nunca tive essa ideia de deixar uma marca, deixar a placa.
Sem falsas modéstias, do que é que se orgulha mais?
Orgulho-me de coisas que em primeiro lugar são imateriais. De ter acabado com aquela pouca vergonha que era, à meia-noite, começar o fogo de artifício de São João do Porto e, à meia-noite e vinte, começar o fogo de artifício de São João de Gaia e, no dia a seguir, os autarcas insultarem-se um ao outro a ver quem é que tinha tido o fogo de artifício mais bonito. Orgulho-me de ter criado em Vila Nova de Gaia uma relação com o Porto e com toda a Área Metropolitana do Porto. Orgulho-me do programa Gaia Aprende Mais, que ainda hoje é o único no nosso país e que já envolve mais de sete mil alunos. Mas em termos quantitativos, neste momento, o volume de investimento municipal em Gaia supera em dobro aquilo que eu recebi em 2013, mas com uma diferença. É que supera em dobro e passados 90 dias os empreiteiros têm a certeza que recebem. E no passado não.
Uma das questões fundamentais para os autarcas, e o Eduardo Vítor apanhou muito essa fase que esteve também associada muito ao Governo do PS, teve a ver com a descentralização de competências da Administração Central para os municípios. Que balanço é que faz agora, olhando em perspetiva? A vida dos cidadãos melhorou efetivamente? As autarquias deram conta do recado ou foi uma reforma demasiadamente polida e pouco objetiva?
Eu diria que foi quase tudo ao mesmo tempo e quero começar por aí. Eu não sou daqueles que gosta de dizer que tive razão antes do tempo. Isso é mau sinal também, portanto, não é isso. Mas deve lembrar-se que havia dois autarcas que, sobretudo na região norte do país, pugnavam muito por ajustamentos na descentralização que nunca foram feitos. Um era o Rui Moreira, que se dizia que podia fazer isso porque é independente, e o outro era eu, que apesar de ser do Partido Socialista, militante e autarca eleito, não engolia o processo de descentralização só porque o Governo era do PS. E o tempo veio a dar razão àqueles que levantavam questões. Em primeiro lugar, no reforço de competências, zero. Só tarefas. Só nos foram transferidas tarefas. Não temos uma competência efetiva que tenha decorrido da descentralização. O balanço financeiro é dramático. Sete milhões de euros é quanto o município de Gaia tem neste momento de buraco entre aquilo que transfere o Estado e aquilo que nós fazemos. O Estado transferiu calculando as verbas em função daquilo que gastava e, portanto, o Estado até pode dizer ´nós estamos a transferir exatamente o mesmo que gastávamos´. O problema é que gastavam muito pouco. Portanto, aquilo que nos está a acontecer é, de facto, uma transferência de tarefas contra a qual eu lutei, num processo de descentralização que de descentralização não tem basicamente nada e que é basicamente um processo de desconcentração. Agora, e não querendo contradizer-me, se me perguntar: as pessoas estão mais satisfeitas? Claro que estão. Eu vejo por mim. Em Gaia nunca tive as associações de pais tão satisfeitas, eu nunca tive os professores tão satisfeitos. Porquê? Porque agora sabem onde bater à porta e sabem que as coisas se resolvem. Quando um computador avaria, não vai um e-mail para Lisboa para passar dois meses vir uma empresa resolver. A Câmara tem muito maior agilidade, mas a ideia é qual? É de transferir para a Câmara tarefas até o limite da nossa sobrevivência e o Estado ficar com os recursos. Eu sei que as pessoas estão mais contentes, mas o poder local está mais fragilizado.
Não lhe parece que o malogrado cheque do PRR que de alguma forma parece que resolve tudo, podia ter sido mais bem aproveitado na canalização de fundos para essa política de descentralização?
Claro, e eu acho que dei alguns contributos enquanto presidente da Área Metropolitana para que algumas coisas acontecessem. Não tenho uma bola de cristal, mas no próximo ano vamos estar todos aos gritos a perceber de quem é a culpa de não termos executado o PRR. E na verdade tudo isto tem uma origem, que é um equívoco no modelo de organização e de gestão do PRR, que faz com que daqui a dias a questão seja de quem é a culpa. A culpa é de um modelo errado que desde o início todos sabiam que estava errado e que iria culminar nisto. Faz algum sentido que cheguemos a esta altura e tenhamos um balanço tão minimalista do investimento na habitação, um investimento que era o maior investimento de sempre? Isto orgulha alguém? E porquê? Porque o Tribunal de Contas fica chateado se lhe tirarem a competência do visto prévio, a IGF fica chateada se não passar por lá para ter também uma coisa qualquer, o outro fica chateado se não puder judicializar o procedimento.
A culpa é da burocracia, então, é isso que está a dizer.
Eu já nem lhe chamo burocracia. O problema é tornar isto tudo administrativista. É a burocracia tornar-se um centro de negócios em si mesma, da qual dependem os parceiros jurídicos. A ideia de quanto mais regras e quanto mais burocracia, mais transparência. É exatamente o contrário. Quando as pessoas têm múltiplos caminhos e querem fazer manigância, fazem mais depressa com a burocracia do que com um modelo transparente e simples de funcionamento.
Voltando a Gaia e ao Porto, acredita que as duas cidades seriam melhor geridas se fossem uma só?
Francamente, não acredito nisso. Uma coisa é termos e lutarmos por uma escala metropolitana no contexto europeu, onde há, de facto, cidades que são enormes do ponto de vista da densidade. Bom, essas cidades, a começar em Barcelona, a continuar por Paris e acabar em Londres, se quisermos, ou tantas outras,
essas cidades foram fazendo uma espécie de uma descentralização, mantendo-se como grandes metrópoles, mas tendo já mecanismos de organização que fazem delas subcidades dentro da grande cidade. Nós não temos essa cultura, a nossa cultura de subcidade é a junta de freguesia. E, portanto, aquilo que nós temos a fazer, e aquilo que me parece que é justo fazer,é não tentar agrupar, agregar, juntar artificialmente. Eu percebo que essa pergunta entre Porto e Gaia seja feita porque durante 16 anos a relação das duas câmaras era a relação de dois presidentes que se odiavam e não conseguiram vestir a farda institucional e andaram a guerrear-se o tempo todo. Olhe, prejudicaram muita gente, prejudicaram a universidade, prejudicaram as empresas, prejudicaram muitos dos ativos que nós tínhamos a norte. Neste momento, ao fim de 12 anos, fomos capazes, eu e o Rui Moreira, de mostrar que é possível cada um defender a sua cidade, cada um lutar pelos seus objetivos, mas, ao mesmo tempo, termos uma coordenação que nos leva a pensar a região como um todo. Não é preciso fundir para coordenar ou para cooperar.
Já foi dizendo que não quer desempenhar outras funções políticas. Vai manter-se na vida política através do Partido Socialista?
Vejamos, se concretizarmos no sentido de manter-me na vida política como militante e com algum envolvimento, a ler, a pensar, a escrever, a fazer o meu trabalho a partir da academia, participar em projetos de investigação no domínio das políticas públicas, se isso é fazer política, isso com certeza absoluta.
Mas não é ocupar posições, cargos e lideranças políticas de alguma forma local, nacional ou regional?
Toda a gente sabe que a única coisa que me poderia motivar, por razões que são um misto de razões políticas e académicas, é de facto o contexto internacional. E nomeadamente o Parlamento Europeu. Não fujo a isso, quer dizer, era o único desígnio que me podia motivar. Neste momento, dizer que faço carreira para ser deputado ou para ser futuro secretário de Estado, isso não me interessa em absoluto, é um contexto que eu acho que se está a degradar, a política está a degradar-se, está a perder tração, raciocínio para melhorar a realidade ou então participar para dizer amém, como se diz no Parlamento ou em algumas outras instâncias? Isso não. Por isso não voltarei à política, isso para mim é claro.
Considera que José Luís Carneiro é um líder de transição para fazer uma travessia no deserto ou que reúne condições para fazer regressar o PS ao poder?
Permita-me responder a essa pergunta decompondo-a. Primeiro: o que é que eu acho que a generalidade das elites do PS acha? Que tentaram preparar um candidato que não avançou porque percebeu que provavelmente não era o timing. E isso faz de mim um admirador do José Luís Carneiro, porque uma pessoa que se predispõe a dar a cara, a dar o corpo ao manifesto, numa altura em que toda a gente percebe que o partido olha para ele com algum... Ele disse isto, ele disse que queria o PS unido porque percebia que havia ruídos, e nisso faz-me lembrar muito o António José Seguro.
Pegando nessa deixa, acredita que a candidatura de António José Seguro devia ter tido o apoio já declarado do Partido Socialista?
É evidente. Aliás, o que eu disse sobre José Luís Carneiro aplica-se a António José Seguro.
E porquê não teve ainda? O PS está com medo de quê?
Nenhum medo.
É calculismo?
Nenhum calculismo. Nenhum medo, nenhum calculismo. É apenas uma rotura interna que existe há muito tempo, do ponto de vista ideológico, que levou a que António Costa tivesse o comportamento que teve com António José Seguro e que leva agora a que tivessem chegado a um momento em que tudo foi feito para uma candidatura da ala mais à esquerda, com nomes, aliás, que estiveram em cima da mesa, como há neste momento, à data em que estamos a falar, há neste momento uma grande motivação para o surgimento de uma candidatura vinda de dentro do PS que signifique a alternativa ideológica ao António José Seguro.
A solução para a crise política está, no seu entendimento, nos partidos ou fora dos partidos?
O problema dessa pergunta é que ela tem subjacente aquilo que eu diagnostico. É que cada vez mais os partidos e o fora dos partidos está segmentado, separado e cada vez mais distante. E a solução para o país é que os partidos cada vez sejam mais uma tradução, para não dizer uma emanação da sociedade, e cada vez a sociedade acredite mais nos partidos. Para isso é preciso termos partidos em condições, olharmos para o Parlamento e para os nossos líderes e termos políticos que nos orgulhem, pensando, como já tivemos Freitas do Amaral, Mário Soares, Jorge Sampaio, Álvaro Cunhal, tudo gente que nós respeitávamos independentemente das lideranças. Hoje, se calhar, as pessoas têm muita dificuldade em dizer quem é o líder da bancada parlamentar de um partido ou de outro. Acho, por isso, que a questão está em aproximar as pessoas dos partidos e os partidos das pessoas. Para isso precisamos de uma comunicação social que também seja um bocadinho mais exigente, precisamos de uma justiça que não ostracize a política e precisamos todos de bom senso.
O descalabro eleitoral do PS nas mais recentes eleições encontra explicação também nesse distanciamento de que fala ou PS não soube posicionar-se no novo tempo político?
Eu vou dizer que sim, que não soube, mas tenho que fazer esta nota prévia, não para me armar, para dizer eu já sabia, mas para, de alguma forma, tentar explicar que este era um processo que gradualmente se vinha a sentir. Vamos ver, a forma como o Partido Socialista encarou alguns dossiês, que é uma forma altamente humanista, num certo sentido, acabou por ser uma forma disforme daquilo que os cidadãos estavam a encarar cá fora. E estou a referir em concreto à imigração. E, portanto, isso levou a algum afastamento que nem sequer é nacional. Este processo está a acontecer há 10 anos em França. Está a acontecer há 6 anos em Itália. Nós só não quisemos foi perceber que tínhamos exatamente o mesmo tipo de contaminação, só que provavelmente mais tardia, de alguns medos, de algumas questões ideológicas que estavam a grassar por essa Europa fora. E, nesse sentido, o Partido Socialista não foi o lugar de resposta.
Foi ingénuo?
Foi, eu não sei se há um lado de ingenuidade, mas há também um lado de radicalismo ideológico. Quando nós assumimos modelos ideológicos, ignorando a realidade e fazendo com que a realidade se deva conformar aos modelos ideológicos e não uma adaptação mútua, estamos a cometer erros.
Como é que olha para o apoio de vários autarcas à candidatura de Henrique Gouveia e Melo nas presidenciais?
Acho que é um apoio absolutamente normal, justificável e que eu entendo. O almirante Gouveia e Melo teve um trabalho de proximidade muito grande com os autarcas. E, portanto, parece-me absolutamente evidente que as pessoas podem e devem ter um lado de, vamos dizer, sentimental, afetivo, na forma como depois projetam a sua votação. Até porque estamos a falar de uma votação que é pessoalizada, por isso eu não sou capaz de dizer que condeno quem quer que seja, porque acho mesmo explicável e normal que muitos autarcas apoiem Gouveia Melo.
