Esquerda recorda "resistente antifascista", PCP realça "respeito mútuo" apesar de divergências
Discordando das "convicções europeístas" de Soares, e a "frontal oposição" dos comunistas aos governos liderados pelo socialista, António Filipe recorda, contudo, as eleições presidenciais de 1986, nas quais o PCP apelou ao voto em Soares contra Freitas do Amaral
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BE e Livre recordaram esta sexta-feira o histórico líder do PS Mário Soares como um resistente antifascista que "nunca se calou" apesar algumas contradições, e o PCP lembrou divergências históricas numa relação pautada por "respeito mútuo".
Estas posições foram assumidas pelos partidos da esquerda parlamentar na sessão solene evocativa do centenário do nascimento de Mário Soares, antigo chefe de Estado e de Governo, nascido a 7 de dezembro de 1924.
Pelo BE, o deputado José Soeiro lembrou um Presidente que "defendeu «o direito à indignação» quando o povo bloqueou a ponte 25 de Abril, no fim do cavaquismo" e que "saudou a solução política encontrada em 2015" - a denominada geringonça, que juntou a esquerda parlamentar e o PAN.
José Soeiro recordou Soares como "um dos maiores protagonistas da política portuguesa", "combatente anticolonial e antifascista, advogado de presos políticos, preso político doze vezes", deportado e exilado.
"Ao longo da sua longa vida, aliou-se com a esquerda e opôs-se à esquerda, privatizou e criticou as privatizações, liberalizou e criticou o liberalismo, precarizou o trabalho e criticou a precariedade. Foi o mais comprometido obreiro da integração de Portugal na União Europeia. Censurou ferozmente, nos últimos anos da sua vida, a "desorientação neoliberal da União Europeia". Foi contraditório e frontal nas lutas que escolheu. «Morre quem desiste», terá dito", assinalou.
"Nem pai do povo, nem mito profano. Republicano, socialista e laico, sim, como o próprio se definiu. Merece tudo menos a condescendência da despolitização e do consenso", disse.
O deputado do PCP António Filipe, que começou por saudar os familiares de Soares e o PS, recordou que a centenária história dos comunistas cruzou-se muitas vezes com a ação política do líder socialista, "em lutas comuns contra o fascismo, em momentos de confronto sobre os caminhos a seguir pela Revolução Portuguesa, em convergências e divergências que marcaram o relacionamento entre comunistas e socialistas".
"Confronto que da nossa parte foi assumido com frontalidade, marcado pela coerência das nossas posições, mas também pautado por relações de respeito mútuo", sublinhou.
Discordando das "convicções europeístas" de Soares, e a "frontal oposição" dos comunistas aos governos liderados pelo socialista, António Filipe recordou também, contudo, as eleições presidenciais de 1986, nas quais o PCP apelou ao voto em Soares contra Freitas do Amaral - tapando a sua cara no boletim de voto se fosse preciso, apelo célebre de Álvaro Cunhal.
Pelo Livre, o deputado Paulo Muacho, lembrou Soares como "o resistente antifascista, o exilado político, o lutador pela democracia e pela integração europeia" mas também "o homem, com todos os seus defeitos e contradições".
Paulo Muacho realçou que o socialista "foi um defensor dos Estados Unidos da Europa e do federalismo europeu", tendo assinado o tratado de adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE) em 1985, e que "acreditou sempre no sonho de uma Europa unida, democrática e plural".
Recordando as famosas sestas de Soares, Muacho sublinhou a importância do tempo para o descanso e da semana laboral de quatro dias defendida pelo Livre.
"Soares nunca aceitaria a passividade perante o perigo, nunca aceitaria o enxovalhar das instituições, não encolheria os ombros ao ataque a portugueses de minorias étnicas e não aceitaria que se usasse os estrangeiros como botes expiatórios", defendeu, momento aplaudido pelas bancadas à esquerda.
A deputada única do PAN, Inês Sousa Real, destacou "o importante contributo que Mário Soares deu para a defesa do ambiente e de um combate sério ao aquecimento global", tendo representado Portugal na Cimeira da Terra de 1982.
Recordando que na altura tinha "apenas 12 anos", e era uma estudante "com bochechas tal e qual como tinha o presidente na altura", Sousa Real assinalou que há um "legado progressista, humanista mas também ambientalista para cumprir".