Quando o Governo promete avançar com uma reforma do Estado, um estudo promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos analisou 45 anos de orçamentos, reorganizações dos organismos públicos e nomeações de dirigentes para concluir que, afinal, a estabilidade das políticas "é considerável"
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Mudam-se os tempos e os Governos, mas a estabilidade tem sido uma constante nas políticas públicas portuguesas, de acordo com o estudo “Continuidade e Mudança nas Políticas Públicas em Portugal” promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS).
Os resultados assentam na análise de mais de 315 entidades da administração central, 2600 nomeações e de cinco mil orçamentos, um volume de dados que impressiona e que não foi fácil de obter.
Carlos Jalali, coordenador de estudos da FFMS, refere “a grande incerteza sobre qual é o verdadeiro perímetro da administração pública, direta e indireta”, sublinhando a importância deste mapeamento.
Pedro Camões, um dos autores do estudo, nota que o Estado "não se conhece a si próprio e também não disponibiliza a informação que seria desejável".
A investigadora Patrícia Silva, outra das autoras deste estudo, lamenta a dificuldade que enfrentaram para obter dados.
Não conseguimos fazer esse levantamento porque ele não existe e este é um investimento que tem de ser feito, porque é apenas com base nesta informação que conseguimos fazer de facto a avaliação e comunicá-la, quer os objetivos das reformas, quer a avaliação dessas reformas.
Para ilustrar, os autores explicam que, “assim como um condutor ajusta o volante para orientar o veículo, também os Governos utilizam estas ferramentas”, (orçamentos, nomeações e reorganizações) para controlar e dirigir a máquina do Estado, que devem merecer “análise cuidada em futuras reformas”.
No momento em que o Governo pretende avançar com uma reforma do Estado, ficam algumas das recomendações deste estudo: que seja preservada a “memória institucional durante processos de reorganização, especialmente em áreas técnicas ou mais sensíveis”. Que existam mecanismos de coordenação mais eficazes entre diferentes ministérios e seja feita uma monitorização das mudanças nas políticas públicas.
Por exemplo, avaliando o impacto das mexidas antes de avançar com reorganizações administrativas, para que sejam tidos em conta “não apenas os potenciais ganhos de eficiência, mas também os custos associados à perda de memória institucional e à disrupção dos serviços.”
O estudo mostra que anteriores tentativas de reformar o Estado, como o PRACE e o PREMAC acabaram por não ser totalmente bem sucedidos, por exemplo, nos setores da saúde e da educação e sugere que “pode ser mais eficaz realizar nomeações com um perfil ajustado aos objetivos antes de enveredar por uma reorganização significativa”.
Propõe-se o desenvolvimento de uma estratégia de comunicação pública mais eficaz sobre as mudanças nas políticas públicas, que permita aos cidadãos compreender melhor a distinção entre alterações cosméticas e mudanças substantivas.
O estudo sugere que a perceção pública de instabilidade pode estar mais relacionada com a comunicação das políticas do que com mudanças efetivas nas mesmas, como explica Patrícia Silva, investigadora, doutorada em Ciência Política e uma das autoras deste estudo, defendendo a necessidade de uma comunicação clara.
Há um exercício importante de comunicar estes processos de transformação da Administração Pública e das nomeações aos cidadãos, porque na ausência dessa comunicação muito clara, os cidadãos interpretam estes pequenos movimentos como grandes alterações de políticas públicas e entendem que as políticas públicas em Portugal são muito descontínuas. Essa descontinuidade é percebida como ineficiente, é como se estivéssemos a gastar muito mais recursos e isso é algo que alimenta a desconfiança dos cidadãos em relação às estruturas da administração pública, às estruturas políticas e ao processo todo.
Os autores deste estudo defendem também que a informação deve estar acessível a “qualquer cidadão para que possa consumi-la de uma forma rápida”.
Continuidade ou mudança nas políticas públicas?
O estudo destaca que a regra são "longos períodos de estabilidade interrompidos por momentos de mudança rápida e significativa", como aqueles que ocorreram entre 2005 e 2015, coincidindo com a governação de José Sócrates e a intervenção da troika durante o mandato de Passos Coelho
É certo que novos governos implicam novos dirigentes e que a ideologia conta na altura de mexer na estrutura do Estado: "Os Governos de direita estiveram mais inclinados a realizar fusões e extinções de entidades, alinhando-se com a retórica de contenção do Estado." Por sua vez, os Governos de esquerda "mostraram-se mais predispostos à criação de novas entidades, especialmente nas áreas sociais".
Enquanto soluções de maioria parlamentar estão associadas a “um aumento nas fusões e na criação de novas entidades”, Governos de coligação tendem a optar pela “desagregação de entidades, o que gera mais cargos de nomeação a serem distribuídos entre os partidos coligados”.
No que diz respeito a nomeações, o estudo mostra que “os Governos de esquerda demonstraram uma tendência para privilegiar uma maior diversidade, incorporando uma proporção mais significativa de indivíduos oriundos do sector público e da academia”, enquanto que “os Governos de direita manifestaram uma preferência por perfis com experiência consolidada no setor privado”.
Já quanto aos orçamentos, “os Governos de esquerda tendem a aumentar os investimentos nas áreas sociais, enquanto os Governos de direita dão prioridade à redução de despesas e o fortalecimento de investimentos em sectores económicos.