Évora, no limiar de novo rosto de liderança, tem três partidos com sede de vitória: das dívidas aos problemas de higiene e trânsito
A menos de um mês das eleições autárquicas, a TSF tira o retrato a alguns dos concelhos do país: esta quarta-feira, a viagem foi até Évora
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Nos últimos 50 anos, a autarquia de Évora foi sempre governada à esquerda — e quase sempre pela CDU. Agora, é certo que haverá um novo presidente depois do comunista Carlos Pinto de Sá ter atingido o limite de mandatos. Mas o empate no número de vereadores registado há quatro anos entre CDU, PS e PSD leva a que os candidatos destes três partidos alimentem a esperança de vencer em outubro.
"À noite está tudo escuro, eles aproveitam-se. Mas temos tudo aqui, praticamente. Se houvesse aqui uma pastelariazinha (...), ali em cima podia haver um salãozinho de chá." Num fim de tarde de verão, à soleira da porta, Maria Mira, Doroteia Ferreira e Maria Helena - três das mais antigas moradoras do Bairro da Malagueira, em Évora, vão contando à TSF o que veem.
"A cidade está um bocadinho suja, mas eu limpo a minha porta; A pessoa também tem de compreender que está sujo porque a pessoa deixa sujo. E depois se a gente diz alguma coisa (...)", enumeram as moradoras.
As queixas sobre a limpeza da cidade não se ficam, contudo, pela Malagueira. Carlos Zorrinho, candidato que tenta recuperar a Câmara para o PS, conta que tem ouvido queixas por todo o lado.
"Évora é uma cidade que está descuidada, que está com enormes problemas em termos de limpeza. As pessoas todas assinalam isso. Em termos de trânsito é caótico, eu próprio sinto-o todos os dias. Tem problemas de estacionamento", detalha.
E Henrique Sim-Sim, candidato do PSD, não pinta um quadro mais luminoso.
“Sentimos que a cidade está totalmente desqualificada, negligenciada. Os eborenses precisam de se sentir bem a viver na nossa cidade e precisam de ver a cidade arranjada, estradas arranjadas, o espaço público qualificado, iluminado, agradável, os bairros limpos. Tudo o que tem que ver com resíduos urbanos está totalmente abandonado também", critica.
O candidato da CDU, João Oliveira, reconhece que após 12 anos de gestão comunista, ainda há muito para melhorar.
"É possível reorganizar e modernizar os serviços, mas é sobretudo necessário aumentar a capacidade de resposta dos serviços municipais, reforçando o número de trabalhadores. Aliás, há um aspeto muito caricato: a oposição autárquica do PS e PSD dizem-nos que querem mais limpeza, mas não querem mais trabalhadores para limpar. Querem mais higiene, mas que não querem mais trabalhadores e mais equipamentos e mais veículos na higiene", denuncia.
O comunista aponta ainda que, quando a autarquia contrata empresas privadas, não sabe "quando é que estão disponíveis e qual a qualidade do trabalho que fazem", ao passo que, se houver um maior número de trabalhadores, então o município a ter nas mãos "os instrumentos para resolver os problemas"
"Também não podemos pedir muito. A câmara está muito pobrezinha, segundo diz o presidente", atira ainda Doroteia.
O mesmo reafirma João Oliveira, que promete, ainda assim, um novo salto para a cidade.
"Recebendo uma câmara com 95 milhões de euros de dívida que o PS deixou, foi possível não só recuperar financeiramente a câmara, mas fazer investimentos muito significativos na melhoria de espaços coletivos e de um conjunto de condições de bem-estar das populações", argumenta.
O socialista Carlos Zorrinho não rejeita a herança da anterior gestão do PS e aponta que a autarquia "continua endividada", mas ressalva que "as câmaras não se medem às dívidas".
"As câmaras medem-se às obras, com dívida sustentável. A câmara herdou uma dívida e passa outra dívida. Eu, quando terminar o ciclo, quero que os eborenses me avaliem pela obra feita e, claro, também pelo equilíbrio financeiro, mas isso faz parte, é uma consequência e não uma causa", garante.
Há muito por fazer, custe o que custar, avisa igualmente o candidato do PS, que traça as duas "grandes prioridades" para o partido.
"A questão da limpeza, do trânsito e da habitação são essenciais, mas não se resolvem só por eu querer resolver. Por isso, as grandes prioridades são, em primeiro lugar, além de aplicar o plano de emergência — a nossa mensagem é 'temos um programa para transformar Évora em 10 anos, mas temos um plano de emergência para ter resultados visíveis em 10 meses'—, criar um gabinete de projetos na câmara para que possa dar resposta rápida, não só a quem tem projetos, não só rever os projetos que já foram feitos e que ficaram nas gavetas", diz.
Vereador eleito pelo PSD há quatro anos, Henrique Sim-Sim quer apostar no desenvolvimento económico, mas para isso, alerta, é preciso melhorar o funcionamento da câmara.
"Existem muitos projetos que estão parados há vários anos nos nossos serviços e esses processos têm de ser resolvidos rapidamente. Agora falava com um promotor que tem um projeto de há quatro anos e meio que está há seis meses para receber um alvará de construção. Há vários destes casos e o nosso compromisso com os eborenses é nestes primeiros seis meses desenvolver um processo de escrutínio muito grande dos processos que estão nos nossos serviços, que seguramente irão resolver algumas necessidades de habitação", sublinha.
Também do lado socialista se crítica o funcionamento da autarquia: "Novos licenciamentos, novos pedidos, novos projetos. Não quer dizer que não seja uma resposta positiva, porque há projetos que têm viabilidades que outros não têm, mas resposta rápida em tempo. Em Évora diz-se 'como é que podemos fazer alguma coisa sem passar pela câmara?' Ora, isso é um sinal tremendo porque a câmara tem de ser parte da solução e não parte do problema."
Por isso mesmo, o Carlos Zorrinho quer reorganizar a câmara, criando uma plataforma de informação que otimize procedimentos.
"Plataforma que liga os vários serviços da câmara associada à outra, que é a descentralização das páginas de freguesia. Muitas das respostas à limpeza, ao estacionamento, às associações ou às pessoas que têm problemas de apoio e a uma população também envelhecida, as juntas são muito importantes. É fundamental descentralizar competências e, ao mesmo tempo, descentralizar meios e recursos, portanto, confiar", explica.
O socialista afirma que, quando fala em "reorganizar", não se refere à forma "tradicional", que é "chegar lá e partir tudo e pôr toda a gente na rua". Antes, afirma que o objetivo é "mobilizar as pessoas para trabalharem num sistema em que todos sabem o que estão a fazer, qual é a sua missão e o que é que vão atingir e como é que podem medir aquilo que vão atingir".
A crise na habitação é também motivo de preocupação para o candidato social democrata. Henrique Sim-Sim fala mesmo numa "urgência".
"Temos de criar um canal aberto junto do IHRU para resolver um conjunto de processos que também estão pendentes. Está previsto um grande investimento por parte do município, alavancado nestes fundos que muito dele poderá já não ser capaz de ser concluído. Mas temos de conseguir executar aquilo que ainda é possível de executar. Por outro lado, a reabilitação de espaços semi-devolutos ou menos ocupados do Estado: existem aqui vários edifícios que nós já identificamos e que podem perfeitamente ser adaptados a residências, por exemplo, para estudantes para resolver um problema muito importante", diz.
Por sua vez, João Oliveira assegura que é obra em andamento.
"A câmara de Évora apresentou candidaturas, só de responsabilidade do município, ao PRR no valor de 67 milhões de euros. Também a empresa municipal, a Habévora, e proprietários particulares, instituições como a Santa Casa, a Cáritas e cooperativas apresentaram candidaturas às verbas do PRR. O Governo, até agora, só desbloqueou 10 milhões. No dia em que o Governo desbloquear as verbas do PRR, a resposta às necessidades de habitação imediatas em Évora vai saltar completamente. Além disso, a gestão CDU deixou um plano diretor municipal que permite a construção de cinco mil fogos na zona urbana, mais dois mil nas freguesias rurais. Évora tem uma capacidade de acolher cerca de 15 mil novos habitantes", detalha.
O candidato comunista conta que a Capital Europeia da Cultura será a pedra de toque para o próximo mandato.
"Estamos a fazer este percurso escolar das muralhas, começámos nas Portas de Aviz, que têm uma perspetiva de transformação urbanística absolutamente extraordinária, a partir da Capital Europeia da Cultura, a partir da construção de um pavilhão multiusos. Vai ser requalificado o estacionamento das Portas de Aviz, junto à muralha. Vão ser requalificadas as ligações viárias que fazem a ligação das portas da Lagoa até o espaço do seminário da Universidade. Ou seja, toda esta zona norte da cidade, à boleia da Capital Europeia da Cultura, vai sofrer uma transformação urbanística em benefício das condições de vida e do desenvolvimento do concelho. Um dos nossos compromissos é pegar no projeto que existe do ramo nascente da variante e ver como é que se lhe dá concretização. O trânsito que hoje circula colado às muralhas nesta zona do interior da cidade pode sair do centro da cidade e, além disso, permite a ligação com a infraestrutura do IP2, que vai ser feita com tudo o que isso pode significar de melhoria da rede viária", expõe.
Já Henrique Sim-Sim reconhece que a cidade precisa de um espaço multiusos, mas aponta que "muito dificilmente" o projeto apresentado será concluído ou concretizado nesses mesmos termos.
"Olhando agora para a Capital Europeia da Cultura, perdemos o pavilhão multiusos porque não temos um projeto com maturidade. Perdemos a escola de dança porque não temos um projeto com maturidade. Uma câmara que não está saudável financeiramente não pode perder financiamentos porque não tem projetos. E, portanto, essa é uma grande prioridade", ressalva ainda o socialista Carlos Zorrinho.
Mas João Oliveira responde: "Eu espero que isso não sejam desculpas da oposição para não fazer pressão sobre o Governo. Primeiro ouvíamos do PS porque era o PS que estava no Governo, agora vimos isso do PSD porque é o PSD que está no Governo."
O governo de Évora é da CDU há 12 anos, no entanto, nas últimas eleições, PS e PSD empataram com os comunistas em número de mandatos - dois para cada - e inspiram, por isso, vencer a Câmara.
"Isto é como tudo: Deus que é Deus, não agradou a todos, por isso...", ouve-se ainda uma das três moradoras concretizar.