Falhas no SNS, “fruta podre” na polícia, alunos sem aulas, nova lei dos solos: as principais polémicas do Governo da AD
Foi eleito a 10 de março de 2024 e iniciou funções a 2 de abril do mesmo ano. A demissão de Hernâni Dias marca a primeira baixa do Governo, que durante quase dez meses permaneceu intacto. A legislatura da AD fica ainda marcada pelo silêncio e polémicas nas diversas áreas, como Saúde, Educação ou Administração Interna
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Mudanças na Saúde, urgências fechadas e uma ministra debaixo de fogo
Ana Paula Martins assume funções no início de abril e, pouco mais de duas semanas depois, dá 60 dias à direção executiva do Serviço Nacional de Saúde (SNS) para informar o ministério sobre as mudanças que estavam a ser desenvolvidas no setor.
Em resposta, e para permitir que "a nova tutela execute as políticas e as medidas que considera necessárias", a então direção executiva do SNS, liderada por Fernando Araújo, decide apresentar a demissão.
O pedido é aceite e no dia seguinte o Governo já tinha outro nome: António Granda D’Almeida. Apresentado pelo Executivo com um percurso notável, fica por mencionar que o tenente-coronel de 44 anos acumulou funções, durante mais de dois anos, de diretor do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) do Norte com as de médico tarefeiro nas urgências de Faro e de Portimão.
No meio destas mudanças, os constrangimentos no SNS continuam, o verão aproxima-se e o plano do Ministério da Saúde não vê a luz do dia. A responsável pela pasta ainda pede ajuda a Fernando Araújo no plano de verão, mas este recusa, “surpreende” Ana Paula Martins e só em maio a estratágia é apresentada pelo Governo.
O Plano de Emergência e Transformação na Saúde era umas das promessas eleitorais de Luís Montenegro, mas não é suficiente para resolver os problemas no setor, nomeadamente nas urgências de obstetrícia e ginecologia. Os partidos políticos da oposição classificam-no como “um desastre” e não poupam críticas ao silêncio do primeiro-ministro, acusando-o de “ignorar os problemas” do SNS.
Além das maternidades fechadas, Ana Paula Martins soma mais uma demissão, em julho de 2024. Após nove anos à frente do INEM, Luís Meira abandona o cargo de presidente daquele instituto por falta de resposta no processo de contratação dos helicópteros de emergência: “Nunca nenhuma tutela me tinha falhado como esta.”
Vítor Almeida é a escolha do Governo para o substituir, mas, sem nunca sequer ter chegado ao cargo, desiste uma semana depois de ter sido indicado, por considerar que a tutela não reunia as condições necessárias.
Depois do plano B falhar, segue-se o C: Sérgio Dias Janeiro é nomeado em julho por um período de 60 dias. Agora, o Governo cai e a vaga continua por preencher.
Para a oposição, trata-se de uma "monumental trapalhada", uma "roda de cadeiras" e mais uma situação que revela que Ana Paula Martins "não tem lidado bem com o setor da Saúde".
A atuação da tutela fica ainda marcada pela greve dos técnicos de emergência pré-hospitalar às horas extraordinárias, tornando evidente a falta de meios humanos do INEM. Verificam-se atrasos significativos no atendimento das chamadas para os Centros de Orientação de Doentes Urgentes (CODU), a paragem de dezenas de meios de socorro e surgem dezenas de investigações a mortes por alegadas falhas no serviço. Perante a situação, Ana Paula Martins assume “total responsabilidade pelo que correu menos bem”, é ouvida na comissão parlamentar de Saúde, mas a demissão começa a ser exigida pelo BE e pela IL. O PS passa a bola para o primeiro-ministro, apela à intervenção do Presidente da República, que, por sua vez, exige que se apurem responsabilidades “doa a quem doer”.
O tempo de governação de Ana Paula Martins termina como começou: o diretor-executivo do SNS, Granda d’Almeida, está de saída, após a polémica sobre alegadas funções acumuladas de forma irregular, e Álvaro Almeida é o nomeado para o substituir. É o terceiro diretor-executivo do SNS em dois anos.
História de duas fórmulas, nenhuma resolve falta de professores
Na Educação, Fernando Alexandre é quem tutela. No arranque do ano letivo tinha nas mãos um problema que já havia sido deixado pelo anterior Governo: a falta de professores.
Em setembro do ano passado, o Ministério da Educação, Ciência e Inovação dá conta que há 324 mil alunos sem aulas e lança o plano “+Aulas, + Sucesso”, mas o antigo ministro João Costa desmente e acusa o Governo de inflacionar o número. O país fica perante uma história de duas fórmulas, sem nunca se ter chegado a perceber de maneira clara a origem do número avançado por Fernando Alexandre.
Durante a legislatura são poucos os momentos que o governante presta declarações, mas sobem a debate a proibição dos telemóveis nos 1.º e 2.º ciclos, alterações no programa da disciplina de cidadania e o fim da devolução das propinas.
Sobre a primeira, o ministério diz que “recomenda” e admite obrigatoriedade para o futuro; sobre a segunda, Fernando Alexandre refere que há matérias que “não são consensuais”, gerando desconforto em algumas famílias, e, por último, o ministro “preferia que uma parte desses 500 mil de euros [do prémio de valorização salarial] fossem reinvestidos no sistema educativo e uma parte dele, obviamente, na ação social”.
Para os partidos da oposição, a estratégia do Governo para a Educação são remendos, ficando-se por anúncios e planos vagos.
"Fruta podre" nas forças de seguranças e bombeiros "cujo patrão não é o Estado"
O percurso de Margarida Blasco tem sido fértil em declarações polémicas.
Tudo começa nos incêndios do ano passado, com a presidente da Câmara de Arouca a denunciar o silêncio da ministra da Administração Interna. A autarca terá tentado contactar a responsável, mas o telemóvel estava desligado. O Governo reage com “surpresa” e no telemóvel de Margarida Blasco não haveria qualquer “sinal de tentativa de contacto”, isto porque o número ao dispor não estava correto. Ainda assim, o caos já estava instalado: a ministra demorou cinco dias a falar ao país sobre os incêndios, argumentando que queria evitar “intervenções desadequadas e desnecessárias”.
O silêncio volta a ser censurado quando um sismo de 5.3 na escala de Richter abala grande parte de Portugal continental. A ministra não aparece, o primeiro-ministro está de férias e é o ministro do Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, quem dá a cara, garantindo: “[O abalo foi] um teste real às nossas capacidades de resposta no caso de uma catástrofe grave.”
Segue-se “a fruta podre” nas forças de segurança e “nem mais um cêntimo” à polícia. Em entrevista à TSF, Margarida Blasco critica os agentes e militares com ideologias preconceituosas, algo que, para os sindicatos, traduziu-se numa generalização provocatória. O braço de ferro entre o Governo e as forças de segurança acentua-se quando a ministra não avança além do aumento de 300 euros no suplemento de risco da PSP e GNR.
Em relação às manifestações dos sapadores-bombeiros, Margarida Blasco desvaloriza e retira responsabilidade ao Governo :“são bombeiros cujo patrão não é o Estado, dependem das autarquias” e, por outro lado, “é na mesa de negociações que se fazem acordos”.
Após estas declarações, a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) destaca que foi com "estranheza e estupefação" que ouviu as palavras da MAI, "pretendendo responsabilizar os municípios pelo protesto" dos sapadores-bombeiros, que se manifestam "pela revisão da carreira profissional e respetiva remuneração" e "tanto a carreira como a remuneração são fixadas por decreto-lei do Governo".
A mais recente polémica no Ministério da Administração Interna está no recuo no direito à greve dos polícias. Primeiro, Margarida Blasco afirma que é "um ponto que pode estar e estará, de certeza, em cima da mesa", mas, poucas horas depois, o próprio ministério garante: "A posição do Governo é clara. Nesse diálogo pode ser discutida a representação laboral e os direitos sindicais. Mas não o direito à greve."
A lei dos solos e os conflitos de interesse: da primeira baixa à queda do Governo
O Governo de Luís Montenegro resiste às polémicas na Saúde, na Educação e na Administração Interna e está intacto durante quase dez meses. A primeira baixa é Hernâni Dias, então secretário de Estado da Administração local e Ordenamento do Território.
Uma investigação da RTP revela que Hernâni Dias criou duas empresas que podem vir a beneficiar com a nova lei dos solos, uma lei feita por um ministério do qual o secretário de Estado fazia parte. O mesmo canal revela ainda que Hernâni Dias está a ser investigado por suspeita de fraude com fundos europeus quando era autarca de Bragança.
Para “proteger” o Executivo, Hernâni Dias acaba por apresentar a demissão a Luís Montenegro que, por sua vez, aceita e sublinha “o desprendimento subjacente à decisão pessoal” do governante.
Dois meses depois, o PS considera que há um caso “muito semelhante”, desta vez com a empresa familiar de Luís Montenegro.
A polémica começa a 15 de fevereiro, quando o jornal Correio da Manhã avança que a família de Luís Montenegro é detentora de uma empresa imobiliária. A controvérsia está, precisamente, no objeto social muito abrangente da empresa, que prevê a prestação de serviços de “consultoria de gestão, orientação e assistência operacional às empresas ou a organismos (inclui públicos) em matérias muito diversas”, como “o comércio e a gestão de bens imóveis, próprios e de terceiros, incluindo a aquisição para revenda, arrendamento e outras formas de exploração económica”. Prevê igualmente a “exploração agrícola, turística e empresarial, a exploração de recursos naturais e produção agrícola, predominantemente vitivinícola”. Aponta-se, assim, um potencial conflito de interesses, tendo em conta as alterações à lei dos solos, promovidas pelo Governo. Essas alterações permitem, entre outros aspetos, a reclassificação de solos rústicos para solo urbano, desde que para fins de habitação ou conexos.
A “clara e evidente falta de ética na conduta do governante”, como afirma André Ventura, leva os vários partidos políticos da oposição a exigirem “explicações cabais e esclarecedoras”. O Chega decide avançar com uma moção de censura ao Governo, Luís Montenegro faz uma comunicação ao país, onde anuncia que a empresa passaria a ser gerida pelos filhos e que mudaria de sede, e o PCP apresenta a segunda moção de censura.
Assim chegamos ao dia 5 de março, o início do fim do Governo de Luís Montenegro.
Logo na abertura do debate, o primeiro-ministro anuncia que iria avançar com a proposta de uma moção de confiança e, em plena crise política, admite que está “pronto para ir terra a terra, português a português, responder por tudo aquilo que tem de responder”.
Crise política desenhada
O país caminha para novas eleições, mas qual a estratégia do Executivo para a gestão da crise política? O ministro da Presidência explica. Durante o debate da segunda moção de censura, António Leitão Amaro esconde-se atrás de uma folha, na qual consta um rascunho daquela que é a aparente estratégia do Governo.
A imagem, captada por um fotojornalista da Lusa, gera polémica e leva o ministro a reagir numa publicação na rede social X (antigo Twitter).
Mini remodelação no Governo: substituição de seis secretários de Estado
A saída de Hernâni Dias funciona como pretexto para uma primeira pequena remodelação no Governo de Luís Montenegro.
Além do ex-secretário de Estado da Administração Local e do Território, o primeiro-ministro propôs também a substituição dos secretários de Estado da Administração e Inovação Educativa, da Segurança Social, da Energia, da Adjunta e da Igualdade e da Cultura.
Marcelo Rebelo de Sousa aceita a exoneração de cinco secretários de Estado e a nomeação de outros seis.