Falta de autocrítica, criatividade e prisão ao passado. Os erros potencialmente fatais para o PCP
A coligação, do qual os comunistas fazem parte, perde deputados na Assembleia da República há quatro eleições consecutivas. Será esta uma sangria que vai continuar? Que futuro para o PCP, quando os partidos irmãos desapareceram na Europa?
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A Coligação Democrática Unitária (CDU) perde deputados na Assembleia da República há quatro eleições consecutivas. Em 2015, eram 17 os deputados eleitos pela coligação, daqui em diante passam a quatro. Nestas eleições, a CDU perdeu dois deputados, em comparação com as legislativas de 2022, tendo desaparecido a representação de comunistas, anteriormente eleitos pelo Alentejo.
Se o PCP, que integra a coligação, continuar neste senda, o partido corre o risco de desaparecer do parlamento. É no que acredita, Adelino Cunha, autor de diversos livros relacionados com o Partido Comunista Português (PCP), o último dos quais intitulado "Para que serve o PCP?".
O historiador e professor nas Universidades Europeia e Nova de Lisboa considera que tem faltado auto-crítica e criatividade no partido, além de um aprisionamento ao passado: "Um partido centenário, que está muito fiel à sua história, tem a dificuldade de que uma eventual reinterpretação do mundo possa corresponder ao desrespeito por aquilo que é a sua origem."
Nesse olhar para o passado, há o fim da União Soviética em 1991, do qual o PCP nunca superou. Este espaço ideológico, onde vários partidos comunistas intepretavam o mundo da mesma forma, permitia aos comunistas portugueses terem um guia, que acabou por desaparecer.
"Com o fim deste quadro interpretativo comum, o PCP ficou muito mais acantonado naquilo que era a sua própria circunstância, que era a periferia geográfica, de um partido comunista pequeno, dentro de um país que, geograficamente, também é pequeno", nota Adelino Cunha.
Desde então, o historiador aponta para uma dificuldade do partido em acompanhar os tempos, desde os novos movimentos sociais: "Este novo ativismo, que é um pouco intermitente, recusa a mobilização ideológica. Se o PCP parte deste princípio, que é preciso mobilizar ideologicamente os movimentos sociais, como é que o PCP pode lá chegar?"
Uma pergunta a que o partido não tem sabido responder, também porque, acrescenta o especialista em História Contemporânea, têm faltado "quadros intelecutais" que podiam dar ao PCP "uma nova forma de olhar para o mundo". Por um lado, porque "têm saído do partido, em sucessivas ruturas internas", por outro, porque "muito dessas pessoas sairam para o Partido Socialista.
Adelino Cunha sublinha ainda que esses quadros poderiam ajudar o PCP a afastar-se de soluções do passado, como a geringonça, que, acrescenta, têm prejudicado um eventual novo rumo do partido: "O PCP está a enfraquecer-se a si próprio, ao fazer parte de soluções políticas muito mais largadas, que não passam pela capacidade de impor as suas ideias. Eu admito que o partido tenha perdido parte do seu eleitorado, pelo cansaço da retórica política, mas também há uma nova proposta política que tenta acolher o voto irritado. O que me parece preocupante é se este voto que pode ser conjuntural tornar-se estrututal."
Caso este cenário vá para a frente, o historiador antecipa que a sobrevivência do partido fique em causa, o que pode trazer custos para a democracia, desde logo com a perda de pluralidade. Adelino Cunha acredita, ainda assim, que o PCP não vai desaparecer, mas tem de reinventar-se no olhar que tem sobre o mundo. O caminho até pode passar por aprender com um antigo secretário-geral do partido.
"Em 1988, Álvaro Cunhal propõe uma nova forma de interpretar o mundo e a mudança. Diz que o PCP tem de encontrar uma nova forma de aprofundar a revolução. Ele chamava a atenção para novos tipos de movimentos sociais, nomeadamente sobre a juventude, as mulheres e a ecologia", lembra o historiador.