"Fazer parte" para não "deixar tudo nas mãos dos outros": Odemira, onde ser imigrante pode ser uma "vantagem", vai a votos
A menos de um mês das eleições autárquicas, a TSF tira o retrato a alguns dos concelhos do país: desta vez, a viagem foi até Odemira
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Como o ébano da índia, aos 85 anos, Daniel da Luz ainda se levanta todos os dias para dar forma à viola típica do Alentejo — a campaniça. E a 12 de outubro há de levantar-se de novo, mas desta vez para deitar o voto na urna.
"Não quero deixar tudo nas mãos dos outros. Quero fazer parte também. Sei que isto está muito renhido. Este ano acho que há para aí pretendentes aos lugares que vão prometer muita coisa que não vão fazer, de certeza. Mas isso nós já estamos habituados", atira.
O socialista e recandidato à presidência da câmara, Hélder Guerreiro, não esconde o amargo de boca ao fim do primeiro mandato, mas mostra-se otimista.
"Fizemos só cinco milhões de euros em habitação e tínhamos prontos pelo menos 23 milhões de euros para fazer habitação. Mas não tendo sido possível concretizar por falta de financiamento, esperamos mesmo que o próximo mandato seja de concretização dessa habitação", assume.
Também o candidato da CDU, Luis Cardoso, promete investir em habitação púbica, apontando que, quem quer casa em Odemira, não encontra.
"E, quando encontra, é a preços impraticáveis. Ou seja, os rendimentos que a pessoa tem, provavelmente, terá de despender à volta de 60 a 80% só para habitação. Mesmo em São Luís não há habitação e não há nenhuma comunidade imigrante, mas ali também já se nota essa questão do preço: um T2 custa entre a 800 a 900 euros", sublinha.
Já havemos de voltar à imigração — ou não estivéssemos em Odemira —, mas, para já, voltemos às casas, e ao candidato da CDU.
"Os últimos loteamentos municipais que foram construídos foram na altura que a CDU estava no executivo. A câmara municipal simplesmente colocou lotes a preços acessíveis para os jovens, só que hoje em dia são poucos os jovens que conseguem construir uma casa", denuncia.
Mais habitação camarária é o que pede o candidato do Chega, Rui Campos Silva, que alerta que a crise na habitação tem afastado médicos e professores do concelho.
"Há 20 anos que a câmara não constrói uma casa em Odemira. E, para nós, é fundamental e quase uma medida imediata fazermos casas em Odemira com renda acessível. Os valores da renda estão equiparados a Almada, Vila Nova de Gaia e Loures. E, na verdade, os professores não têm capacidade para ter uma casa e, por isso, não se fixam em Odemira", explica.
Mas esta realidade impede igualmente a presença de enfermeiros e polícias, acrescentou o candidato que quer conseguir para o Chega uma câmara que foi sempre governada à esquerda. O problema da habitação em Odemira não é novo, mas a pandemia expôs as casas sobrelotadas dos imigrantes que trabalham estes campos.
Hélder Guerreiro considera, ainda assim, que o quadro tem melhorado, até pelo tipo de imigração que agora tem sido praticado.
"Sobre isso, não tenho dúvidas nenhumas. Não vale a pena dizermos que acabou, porque não acabou. Nos últimos quatro/cinco anos passamos de um fluxo migratório muito só de homens para um fluxo migratório com mulheres e crianças. Essa é uma realidade que tem ajudado também a que a sobrelotação fosse esvanecendo, porque mulheres, crianças e casais já não procuram tanto ou não podem viver tanto assim, em casas onde existem 15 homens", sustenta.
Ram Hari é exemplo disso mesmo: é nepalês, mora em Odemira há dez anos e trabalha no setor da agricultura. Há cinco anos, a mulher e o filho mais velho juntaram-se, e a família alugou a casa onde agora conversa com a TSF. Foi já em território português que nasceu o segundo filho do casal.
"Antes eu ficava numa casa da empresa, mas agora, quando a minha família veio para aqui, eu pago sozinho a renda. Mas agora [a casa] está pequena, porque antes estava aqui sozinho. Agora somos mais e quarto só há um. O meu filho mais velho dorme na sala. Isso é difícil", expõe.
Hoje, o jantar é caril de frango, mas podia nem ser: "Quando vou restaurante, eu como bacalhau."
E, no entanto, a integração podia estar a correr melhor, reconhece
"Eu falo português mais ou menos. Às 19h00, quando eu saio [do trabalho], eu vou para a escola ler e escrever. Agora eu falo um bocadinho, mas no campo não há portugueses. Os trabalhadores são nepaleses, indianos, bengalis", explica.
Por isso mesmo, Ram Hari, que vai votar nestas autárquicas, pede mais aulas de português para estrangeiros. Este é também o conselho que deixa a todos que cá chegam. "Eu digo sempre que precisam de ir para a escola. Primeiro, [precisas de saber] falar português", conta.
Um conselho que parece ser seguido por muitos, revela Hélder Guerreiro.
"Neste último mandato, em vez de, como nos outros territórios todos do Alentejo, fechar escolas, fomos obrigados a abrir cerca de 15 escolas é porque, de facto, o fluxo migratório mudou e trouxe novos desafios ao território", evidencia.
Prova disso mesmo são as longas filas nas finanças e na segurança social, um problema que se vê em Odemira, mas que é agravado por um fator não tão visível: o fecho da conservatória.
"É caricato. Uma pessoa que queira fazer um bilhete de identidade ou um cartão de cidadão, ou um passaporte tem de ir ao concelho vizinho de Sines, ou então Ourique. E neste momento até os autarcas já se queixam que 60% do atendimento é do concelho de Odemira", alerta o comunista Luís Cardoso.
Mas o socialista Hélder Guerreiro garante que a Câmara faz o que pode.
"Temos feito imensa pressão e, além disso, temo-nos disponibilizado com recursos humanos, ou seja, que pudesse haver uma mobilidade da câmara municipal para esses serviços públicos. Efetivamente, isso não tem sido possível por uma razão bastante simples: no mandato de quatro anos, nós tivemos quatro Governos diferentes. A nossa expectativa agora é que possa haver mais tempo", sustenta.
É uma questão de fé, mas, para o Chega, o problema está na imigração.
"Não temos serviços de saúde que comportem a vinda de tanta gente para aqui. Temos problemas de segurança porque a capacidade da polícia é muito pouca para aquilo que nós realmente precisamos. Temos muitas crianças de nacionalidade indostânica e que chocam culturalmente com os alunos cujos pais são aqui de Odemira. São culturas completamente distintas", advoga.
Já o candidato da CDU, que nasceu em Cabo Verde, já lá vão 54 anos, vive há 30 em Odemira e acredita, por outro lado, que ser imigrante pode ser uma vantagem.
"Será uma vantagem porque não há ninguém melhor do que eu para tentar explicar e demonstrar que esses processos não são justos. Coragem tenho e nunca me faltou. Dou a cara e vou à luta", garante.
Mas a voz também serve para reconhecer que há problemas com alguns imigrantes. "Mas não são esses imigrantes que todos os dias se levantam às 05h00 e depois regressam às 19h00. Não são esses que andam aos tiros. Está uma máfia muito bem instalada. Estes trabalhadores estão cá a ser explorados por essa máfia, já sofrem por essa situação e era muito mau continuarem a sofrer também do outro lado. Como se diz, eles estão a pagar as favas" do preconceito, ressalva.
E com o hospital mais próximo a 70 km, Rui Campos Silva quer dar urgência à saúde.
"Temos esta situação geográfica que é completamente anormal a nível nacional e temos de, junto do Ministério da Saúde, perceber se podemos transformar um centro de saúde numa pequena instalação que seja equiparada a um hospital", entende.
Já o candidato do PS aposta no turismo — científico e de saúde. "É algo que já começamos a trabalhar com a Universidade Nova de Lisboa: tentar encontrar a certificação para um território que é bom frequentar turisticamente para melhorar as condições de saúde de cada um", considera.
Mas Odemira tem um dos salários médios mais baixos do país. Hélder Guerreiro faz, por isso, da modernização económica a bandeira do próximo mandato, se for reeleito. "Jovens com especialidades nas áreas tecnológicas e inovação, a partir daquilo que é a base de produção do território, é aí onde queremos realmente fomentar a elevação do salário médio no território", adianta.
Talvez algum se possa qualificar com o mestre Daniel da Luz. "Para deixar isto entregue a alguém, agora tenho ali um americano que tem um curso de maestro, que apareceu aqui em São Teotónio para fazer uma viola campaniça", remata.