Filhos de desempregados no fim da lista de acesso gratuito às creches. Oposição acusa Governo dos Açores de "discriminação"
A proposta, apresentada pelo Chega e aprovada na assembleia regional, altera os critérios de acesso às creches
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Está criada uma polémica nos Açores, na sequência da aprovação pela assembleia regional, na semana passada, de um projeto de resolução apresentado pelo Chega, que defende a alteração dos critérios para acesso gratuito às creches. O objetivo, destaca o Chega, é dar prioridade às crianças de agregados familiares em que os pais ou encarregados de educação estão empregados.
O texto foi aprovado com os votos do Chega e dos partidos da coligação do Governo regional - PSD, CDS e PPM. O PS, o Bloco de Esquerda e o PAN votaram contra e a Iniciativa Liberal absteve-se.
De acordo com o jornal Expresso, na prática, esta resolução deixa para o fim das listas de espera do acesso às creches os filhos de desempregados ou que recebem prestações sociais. Em declarações à TSF, José Pacheco, deputado e presidente do Chega nos Açores, explica o objetivo da medida.
"Os meninos do RSI, eu nada tenho contra as crianças, mas tenho contra os pais que depositam as crianças nas creches, ficam em casa e não estão à procura de emprego. Isto é mentira, porque nós temos uma falta de mão de obra fenomenal nos Açores, simplesmente estão em casa, a usufruir do dinheiro dos contribuintes. Estão a nada a fazer ou vão para os cafés, e, enquanto isso, os pais que trabalham acabam - alguns deles - a ter de deixar de trabalhar. Aliás, é ver os comentários na nossa publicação com testemunhos reais de pessoas que deixaram de trabalhar, porque não tinham onde deixar as crianças e nós temos de inverter isso", explica à TSF José Pacheco.
O deputado do Chega rejeita que esta seja uma medida discriminatória. "Nós não retiramos o direito a ninguém, agora criámos uma prioridade, que é quem trabalha tem de ter prioridade e logo a seguir, obviamente, quem não trabalha. Quem anda à procura de emprego, quando arranjar emprego, passa para a primeira prioridade, tão simples quanto isso."
Questionado sobre o que acontece a quem esteja desempregado e numa procura ativa de emprego, José Pacheco responde: "Não sei se todos eles querem ser empregados de café, mas a maioria está nos cafés à procura do suposto emprego. Não me venham com esse tipo de balelas, esse tipo de tretas, eu não aceito isso. Quem quer trabalhar e vai à procura de emprego resolve sempre a sua vida, porque a maior parte das pessoas que trabalha é assim que fazem. Agora vir com este tipo de argumento, que é o argumento do “se” e do “mas”, é isso que tem desgraçado os Açores, que continua a ser a região mais pobre de Portugal, porque nós temos esse tipo de mentalidade."
José Pacheco garante, ainda assim, que ninguém será "discriminado". "Quem quer procurar emprego, procura. A maior parte destas pessoas não trabalha porque não quer, tão simples quanto isto. As ofertas de emprego são imensas. Há uma procura enorme de mão de obra", assegura.
Do lado da oposição, também ouvido pela TSF, António Lima, do Bloco de Esquerda dos Açores, que votou contra a proposta do Chega, fala numa medida que discrimina os filhos de pais desempregados, algo que é "inaceitável".
"Ficamos chocados com a apresentação deste tipo de medida, o que, na verdade, não nos surpreende vindo do Chega, porque não é a primeira vez que no discurso referia-se aos pais de crianças desempregadas como 'gente que não quer trabalhar' e aqueles que beneficiam de apoios de RSI 'como parasitas da sociedade', o que é algo mesmo que choca e que não devia ser admissível na nossa sociedade", afirma, criticando o presidente do Governo regional do arquipélago.
"A coligação do Governo, que cujo presidente se diz um humanista, tenha aceite e dado um aval político a uma proposta que é profundamente discriminatória e segregadora e que, em função da condição social das pessoas e das crianças, discrimina negativamente, é inadmissível", atira.
"Eu não sei de que forma é que o Chega pode avaliar se as pessoas querem ou não procurar emprego, não é disso que se trata. Trata-se da proteção que deve existir por parte do Estado, neste caso por parte da região, de todas as crianças que têm o mesmo direito. Independentemente de os pais estarem ou não a trabalhar, não podem ser de modo algum discriminadas em função da sua condição social. Isto é profundamente inconstitucional e violador dos direitos das crianças", considera António Lima.
Numa resposta escrita enviada à TSF, o gabinete de José Manuel Bolieiro lembra que, em causa, está um projeto de resolução e garante que não quer deixar crianças vulneráveis para trás. O Governo regional açoriano sublinha que está a trabalhar com o Instituto da Segurança Social dos Açores na centralização de uma lista única de acesso às creches, com vários critérios: a promoção e proteção da criança, nomeadamente crianças sinalizadas pelos serviços de ação social ou outras entidades de apoio à infância, a promoção e proteção da família - que passa por garantir atenção a agregados com menores recursos económicos.
