Francisco Araújo: "Mais do que os números da abstenção, temos de perceber se as pessoas sabem em quem estão a votar"
O Voto é a Arma do Povo: as primeiras eleições livres em Portugal fazem 50 anos e a TSF convida 25 personalidades a falar sobre o voto. O presidente do projeto "Os 230" sublinha que, em democracia, "não basta termos uma postura de treinador de bancada, se a crítica não se traduzir num sentido crítico"
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Francisco Cordeiro de Araújo é fundador e presidente do projeto "Os 230", que tem ilustrado a forma como a "democracia participativa pode ser complementar à democracia representativa". Este propósito é concretizado através de uma Comissão de Cidadãos apartidários, que trabalham e exploram iniciativas — mimetizando aquilo que acontece no Parlamento —, que depois são apresentadas ao Governo e partidos políticos. Com eleições antecipadas à porta, o também professor universitário sublinha que, "mais do que os números da abstenção", é importante "perceber se as pessoas sabem em quem estão a votar".
O projeto nasce em agosto de 2020 e desde então que o caminho para um maior conhecimento e divulgação do sistema democrático português tem sido trilhado: além de terem realizado entrevistas aos 230 deputados da Assembleia da República e aos 21 eurodeputados, estão agora a deslocar-se às escolas para criar uma "política de proximidade" e aumentar os níveis de "literacia política".
De olhos postos nas próximas eleições legislativas, Francisco Cordeiro de Araújo urge a sociedade civil a "movimentar-se para criar as suas próprias ferramentas de participação" e lembra que a democracia vai muito além da ida às urnas, ainda que isso também faça parte.
"[É preciso] perceber que a democracia não são só eleições de quatro em quatro anos ou, agora, infelizmente, todos os anos, mas não é só o ato eleitoral. E, depois, perceber uma coisa essencial: a política não é fácil. Não basta termos uma postura de treinador de bancada, se a crítica não se traduzir num sentido crítico. E isto demonstra que a política dá trabalho", nota.
Sobre a importância do voto, o líder d'Os 230 também tem uma palavra a dar: "Há o típico argumento de que, se não fores, outros decidem por ti. Mas eu acho que temos de ir além disto. O que está aqui em causa não é se deixamos de ter uma democracia ou não: é que tipo de democracia é que queremos ter e como é que a podemos desenvolver."
A tónica, diz, tem de estar na questão da "responsabilidade cívica do ato" de votar. Ao participar neste momento "tão importante para decidir o futuro do país", os portugueses têm de se "preparar", e isso implica que o voto seja informado.
"Ou seja, como é que a pessoa, quando chega ao dia das eleições, representa verdadeiramente a sua vontade e aquele que considera ser o interesse comum. Isso é o voto informado. Mais do que os números da abstenção, que nas últimas eleições legislativas até melhoraram, temos verdadeiramente de perceber se as pessoas sabem em quem estão a votar. Se conhecem as ideias do partido ou se viram, para os mais jovens, apenas um vídeo que acharam interessante ou, para os mais velhos, se apanharam uma peça na comunicação social e criaram a sua ideia só a partir daí, ou até por um post que viram e que poderá ou não ser verdade", alerta, pedindo um reforço da capacidade de "escrutínio" e defendendo que a responsabilidade não pode estar só do lado dos políticos.
"É um processo que tem de ser mais falado, até mais do que o próprio número da abstenção. Como é que as pessoas promovem o seu próprio voto informado e em consciência", enfatiza.
Francisco Cordeiro de Araújo teme agora que esta sucessão de eleições "possa incentivar à abstenção e o desinteresse pelo ato eleitoral em si", que acaba por ter repercussões, desde logo, no voto informado.
"Acima de tudo, é uma desilusão para a própria população, que elegeu há um ano os seus representantes, mandatou-os e disse que percentagem é que cabia a cada um. Esperou que eles tivessem a capacidade e habilidade para desempenharem a sua função de político ou deputado ou até mesmo do Governo, que é exatamente essa capacidade de negociar. Perceber que nenhum partido por si próprio poderia implementar as suas visões. A população sai daqui desiludida, espero é que esta desilusão não se torne em apatia", apela.
Para isso, é preciso que o país exija mais dos seus políticos, mas também que comece, "de uma vez por todas", a pensar a médio e longo prazo, deixando de lado o "tribalismo partidário".
"Este tipo de iniciativas permite perceber que o foco nas políticas públicas vai muito mais além das novelas e novelos partidários. O país não cresce somente com exercícios de retórica na televisão, ou no plenário, mas cresce com o trabalho de construção de políticas públicas que o desenvolvam. Daí focarmos o nosso trabalho nas comissões parlamentares e não naquele exercício que vemos tanto nos jornais de intervenções de plenário. Perceber que uma política pública dá trabalho a construir", defende.
Só com uma sociedade civil mais "informada" e com uma "participação mais consciente" é que é possível fazer com que a casa da democracia aumente a sua "qualidade", reforçando por consequência o seu "prestígio e credibilidade".
Mas o líder d'Os 230 está também preocupado com o combate àquilo que chama "intransigência das posições, a falta de capacidade de negociação e sentido de compromisso" na política portuguesa, que tem vindo a "degradar o próprio peso das instituições".
"Uma das coisas que tentamos trabalhar desde início é todos estes 230 deputados-cidadãos nesta Assembleia de Cidadãos perceberem a necessidade de não só terem boas ideias, mas saberem convencer os outros das suas ideias e também chegar a compromissos, a meios termos. Porque, dentro deste grupo, temos pessoas com mentalidades e visões do mundo muito diferente e isso é natural numa democracia e até é de salutar", sublinha.
O objetivo é, então, fazer com que os cidadãos desenvolvam a "capacidade política" de ter "empatia por outras posições" e que consigam perceber "que não pode ser só à sua maneira". "Isso é uma capacidade política que tentamos desenvolver e que, infelizmente, os últimos tempos têm demonstrado que está a falhar nos partidos políticos", lamenta.
Francisco Cordeiro de Araújo nota assim que quando as pessoas conseguem compreender verdadeiramente o funcionamento do regime democrático é quando melhor "espelham as suas diferentes visões" e isso faz com que se comecem "a rever mais".
"E julgo que os jovens, nunca estando desinteressados propriamente da política, mas talvez desinteressados de partidos políticos ou de outras estruturas mais formais, sempre procuraram ver qual é que era o seu posicionamento na comunidade: como é que poderiam contribuir", explica.
"Os 230" são a prova viva de que "há várias pessoas fora da bolha política" que estão interessadas em participar na construção de uma democracia forte.
Depois de uma revolução quase sem sangue, Portugal está há 50 anos a utilizar a arma mais forte que o povo tem: o voto. A TSF desafia 25 personalidades a falarem sobre a importância da participação dos eleitores. Para ouvir todos os dias na antena da TSF de manhã, à tarde e à noite, e a qualquer hora em tsf.pt