Germano Silva: "O voto deve ser sagrado. As pessoas têm a liberdade de votar em partidos ou votar em branco"
O Voto é a Arma do Povo: as primeiras eleições livres em Portugal fazem 50 anos e a TSF convida 25 personalidades a falar sobre o voto. Germano Silva acredita que o povo deve ir às urnas, mesmo que para votar em branco que é "o maior protesto", e diz que os políticos estão a afastar as pessoas da participação eleitoral
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Para quem tentava contornar a censura durante a ditadura, viveu a revolução e ainda trabalha em liberdade, "o voto deve ser sagrado". Pelo menos é assim que pensa Germano Silva que, aos 93 anos, é o mais antigo jornalista em atividade, no Jornal de Notícias.
"Eu acho que nós, portugueses, devemos ir votar. As pessoas devem votar. Houve quem lutasse, quem sofresse muito no corpo, inclusivamente, os presos políticos, lutaram para que houvesse liberdade e fosse possível votar em liberdade. Eu acho que o voto deve ser sagrado. Agora, as pessoas têm a liberdade de votar em partidos ou votar em branco. É o maior protesto. Mas votar é essencial, dá prova de maturidade da nossa democracia", disse o jornalista à TSF.
Germano Silva acredita que os políticos afastam as pessoas da participação eleitoral: "As pessoas estão desiludidas porque há promessas que depois nunca se cumprem. Os políticos prometem, prometem e depois não fazem nada. Isso leva as pessoas a dizer isso: ‘Olhe, não vale a pena.’ Os políticos não gostam que se diga, mas é verdade, são todos iguais, são todos iguais. Quer que esteja A ou B, eles depois fazem a mesma coisa. Portanto, é esta desilusão das pessoas que as motiva a não votar."
Recuando mais de 50 anos na história, o jornalista recorda a instabilidade política e social que se viveu em Portugal nos meses seguintes à revolução dos cravos.
"Chegou-se a estar à beira de uma guerra civil. Diziam-me alguns oficiais que eu conheci e com quem contactei que se esteve mesmo, mesmo à beira de uma guerra civil. E acho que uma das intervenções foi a do General Eanes, que foi uma intervenção fundamental para a consolidação da democracia e para que, depois, em 1975, se pudesse votar em liberdade", explica.
Germano Silva chegou ao Jornal de Notícias em 1956 como colaborador desportivo e passados três anos foi admitido nos quadros. Antes, trabalhava na secretária do Hospital de Santo António, no Porto, que na altura pertencia à Santa Casa da Misericórdia.
"Quando havia eleições no tempo do Estado Novo, nós recebíamos envelopes já com o voto para ir votar. A maior parte das pessoas não ia. Mas, por exemplo, para ser admitido como funcionário da secretaria, eu tive de assinar um documento, um célebre papel azul, em que fazia afirmação de que eu não era comunista, não estava filiado no Partido Comunista e repudiava o comunismo. Isto era obrigatório. As pessoas tinham de assinar, senão não tinham emprego", conta.
Mas admite que foi votar uma vez durante a ditadura: "A primeira vez que eu fui votar foi em 1958, nas eleições do general Humberto Delgado. Eu recebi da misericórdia a indicação, mas eu fui votar no general Humberto Delgado. Eu sabia que aquilo que não ia adiantar nada, mas foi a primeira vez que eu fui votar, nunca tinha votado e depois daí só fui votar de facto em 1975 para as constituintes, que foi uma festa. Toda a gente da cidade e eram filas enormes de gente."
Em 1975, nas eleições para a Assembleia Constituinte, a taxa de participação foi a mais alta de sempre: 91,66%. Segundo Germano Silva, o interesse das pessoas nas eleições era superior ao que é hoje e as campanhas políticas também eram diferentes.
"As campanhas dessa época foram diferentes das campanhas que acontecem agora. Por exemplo, havia pessoas que corriam para as televisões, para casa, para ver os debates. Hoje isso não acontece. Eu ainda há bocado estava num café e via passar um debate e ninguém via aquilo, ninguém olha para o televisor, ninguém quer saber da coisa. Nessa época, as pessoas iam, porque havia também uma necessidade de se informarem sobre os projetos dos próprios partidos, as pessoas. As pessoas eram outras, também, os movimentos eram outros e aqueles debates, sobretudo entre o doutor Mário Soares e o doutor Cunhal foram famosos, quer dizer, ficaram na história como debates televisivos. Eram debates mais esclarecedores e tinham uma audiência que hoje, acho eu, não têm essa audiência", argumenta.
Mas as primeiras eleições livres em Portugal também deixaram as pessoas confusas e a avó de Germano Silva foi exemplo disso: "A minha avó sempre votou por indicação do presidente da Junta. O presidente da Junta dizia ‘Dona Júlia, vá votar e assim’. E depois, quando veio o 25 de Abril, ela foi lá ter com ele e disse: ‘Então onde é que eu voto?’ [Ele respondeu] ‘Ai, agora é liberdade você agora’ [Disse a avó] ‘Então você sempre me disse, e agora não diz por quê?]’ Portanto, quer dizer, as pessoas estavam pouco informadas, não sabiam."
Depois de uma revolução quase sem sangue, Portugal está há 50 anos a utilizar a arma mais forte que o povo tem: o voto. A TSF desafia 25 personalidades a falarem sobre a importância da participação dos eleitores. Para ouvir todos os dias na antena da TSF de manhã, à tarde e à noite, e a qualquer hora em tsf.pt