Histórico do PS aconselha Pedro Nuno a viabilizar moção de confiança para fragilizar Montenegro na comissão de inquérito
António Campos vê problemas “éticos e morais gravíssimos” ao primeiro-ministro. Critica, no entanto, Pedro Nuno Santos por preferir “chicana política”
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A história pode alterar-se na próxima terça-feira, mas, por enquanto, apenas um Governo caiu pelo chumbo de uma moção de confiança. Foi em 1977, era primeiro-ministro Mário Soares, e contava no Governo com o secretário de Estado António Campos. O fundador do PS e um dos mais influentes no partido, nos primeiros anos da democracia, aconselha Pedro Nuno Santos a deixar passar a moção de confiança do Governo para obrigar Luís Montenegro a prestar esclarecimentos numa comissão parlamentar de inquérito.
Em entrevista à TSF, António Campos admite que o primeiro-ministro não tem condições para ocupar o cargo, mas a causa da crise política ainda não é percetível para a maioria dos eleitores. Pedro Nuno Santos anunciou uma comissão parlamentar de inquérito ao mesmo tempo que garantiu que não iria viabilizar uma moção de confiança, mas António Campos defende que o secretário-geral do seu partido devia “ter feito ao contrário”.
Na opinião de António Campos, só com uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ficarão percetíveis os problemas “éticos e morais gravíssimos” do primeiro-ministro, que apenas passou a empresa familiar para a esfera da mulher e dos filhos, quando voltou à política, para a presidência do PSD, ao contrário do histórico socialista que “vendeu tudo” quando foi para a política e “só ficou com a herança familiar”, apesar de “ser um bom empresário” na região de Coimbra.
“Não é possível haver um primeiro-ministro que está a receber avenças de empresas de amigos. É o descrédito total da democracia. Mas uma CPI é que tem de provar isso. E, a partir daí, é que o partido devia até apresentar uma moção de censura”, aconselha.
Com eleições à vista, António Campos alerta que, “no fim de contas”, os partidos políticos “estão a fazer um grande jeito à extrema-direita”, esquecendo os alertas de Mário Soares que “sempre teve a extrema-direita na cabeça e dizia que era o grande perigo nacional”. Desde que André Ventura foi eleito deputado, em 2019, até às legislativas do ano passado, o partido Chega aumentou o número de representantes para 50, sempre em eleições antecipadas.
Agora com 87 anos, e depois de ter entrado em rota de colisão com a liderança de António Costa, recusando até participar no jantar do cinquentenário do PS, em 2023, o fundador do partido mantém as críticas a Pedro Nuno Santos, que prefere a “chicana política” a concentrar-se nos “reais problemas do país”. Uma crítica que é extensível, nas palavras de António Campos, a toda a classe política.
“Ninguém quer discutir os problemas do país e andam nesta crise. No fim de contas, vão para as eleições, e o que vão discutir? São coisas que não têm interesse, não discutem o problema da habitação, não discutem a dependência de 70% dos bens alimentares, não têm um plano nacional de modernização do setor produtivo para resolver o problema dos baixos salários. Nada se discute hoje em Portugal sobre esses sistemas”, lamenta, nesta entrevista à TSF.
O histórico socialista confessa uma “grande desilusão” pelo rumo do PS, nos últimos anos, um sentimento que, garante, seria partilhado por Mário Soares se ainda fosse vivo. As instituições democráticas “não têm qualquer crédito”, por culpa dos atuais protagonistas, o que coloca em causa “a democracia” que “não aguenta isto”.
Volvidos 50 anos do 25 de Abril, os políticos “não passaram pelo que Mário Soares passou” e, portanto, “fazem da democracia um luxo”. Defender as instituições “não é um luxo”, alerta António Campos, “mas sim um dever”. “Estes meninos” que se preparam para ir a eleições, pela terceira vez em três anos, merecem, por isso, nota negativa do histórico socialista.