ILGA alerta para adiamento de direitos e "retrocesso" criado por veto à lei da autodeterminação de género
Daniela Bento alerta que o decreto devolvido por Marcelo deixa numa situação contraditória crianças que são "protegidas pela lei" e confessa que há pessoas trans "com medo" do que as eleições de 10 de março possam ditar em termos governativos.
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A Associação ILGA Portugal – Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo, alerta que, com o veto presidencial ao decreto do parlamento sobre as medidas a adotar pelas escolas para a implementação da lei da autodeterminação da identidade e expressão de género estão a ser adiados direitos humanos e criou-se um impasse.
Esta segunda-feira, Marcelo Rebelo de Sousa devolveu à Assembleia da República o decreto por considerar que "não respeita suficientemente o papel dos pais, encarregados de educação, representantes legais e associações por eles formadas, nem clarifica as diferentes situações em função das idades" e pediu aos deputados da próxima legislatura que introduzam "mais realismo” na matéria.
Em declarações à TSF, a presidente da ILGA, Daniela Bento, vê nesta situação um “retrocesso”, em especial porque “temos um governo demissionário” e é preciso pensar já no xadrez político a partir de março para tentar perceber como vai ser possível "votar esta lei em termos favoráveis”.
Com o veto de Marcelo, alerta, “o que acontece é que temos crianças que estão protegidas pela lei, mas ao mesmo tempo têm um despacho que foi vetado e que é contraditório”, situação "difícil de entender, ainda por cima num período pré-eleitoral em que está muita coisa em jogo e em que estamos a falar sobre pessoas concretas e vidas concretas”.
“Estamos a falar da proteção de pessoas em concreto, ou seja, ficamos com um adiamento de direitos e nós estamos aqui num impasse porque não se percebe muito bem o que aconteceu”, lamenta.
Também já a olhar para o futuro político nacional, a líder da ILGA alerta até que há pessoas transexuais “com medo” do que possa acontecer quando for eleito um novo Governo, porque “os direitos não são garantidos e podem sempre voltar para trás”, seja para "pessoas LGBT ou outras comunidades”.
Muitas pessoas trans estão com medo desta nova governação porque não sabem o que vai acontecer
Perante este receio, a ILGA alerta para necessidade manter a “atenção” sobre este tema, mas também para a de "continuar a lutar” e “fazer valer” os direitos e salvaguardas.
"Com um Governo que pode não ser o mais favorável à concessão destes direitos, temos de estar com muito mais atenção e com muito mais capacidade de resposta para aquilo que nos vai chegando, porque pode tornar-se difícil”, avisa, e a comunidade trans "não sabe se vai ter retrocessos nos seus direitos e isto é problemático”.
O decreto sobre as medidas a aplicar nas escolas para garantir o direito à autodeterminação da identidade e expressão de género foi aprovado a 15 de dezembro com votos a favor de PS, BE, PAN e Livre, votos contra de PSD, Chega e IL e a abstenção do PCP, tendo seguido para promulgação - que não aconteceu - a 10 de janeiro.
Com a dissolução da Assembleia da República a 15 de janeiro, o tema só voltará à mesa dos legisladores depois das eleições antecipadas de 10 de março.
Na nota que acompanhou o veto presidencial, Marcelo Rebelo de Sousa argumentou que "a aplicação nas escolas das medidas preconizadas no diploma tem necessariamente de ser ajustada às várias situações e, em particular, a idade das crianças e adolescentes" e nesta matéria é preciso ter em conta "o papel dos pais".
"O decreto peca por uma quase total ausência desse papel de pais, encarregados de educação, representantes legais e de associações por eles formadas", critica, na carta enviada à Assembleia.
Para o Presidente, "o tipo de medidas a aplicar tem de ser adaptado às várias idades, incluindo a capacidade jurídica de tomar decisões, sendo que os pais ou tutores legais têm uma intervenção essencial".
"Mas, muito mais importante é o facto de que as medidas previstas neste diploma se aplicam quer a crianças de 5/6 anos, quer a adolescentes de 13 ou 14. E, neste plano, não é apenas a questão abstrata da capacidade jurídica que conta, é a da capacidade psicossociológica e da sua conjugação com o papel de pais, encarregados de educação, ou representantes legais", acrescenta.
De acordo com o chefe de Estado, não se deve "lidar com crianças de 5/6 anos do mesmo modo que com adolescentes de 13/14 anos, sem sequer se prever a participação consultiva, mesmo não vinculativa, de pais ou encarregados de educação na definição das medidas e sua adequação a cada situação escolar", quando estão em causa "as atividades a desenvolver na escola, o vestuário ou o acesso a casas de banho ou balneários".