João Oliveira à TSF. “Precisamos de uma perspetiva conjunta além da UE para o cessar-fogo na Ucrânia e Palestina”
O eleito pelo PCP alerta para as “implicações políticas e orçamentais” de futuros alargamentos da União Europeia
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O eurodeputado eleito pelo Partido Comunista Português, João Oliveira, elege “a guerra” e “a paz” como os temas prioritários, na próxima legislatura, admitindo que o investimento europeu em defesa possa vir a “secundarizar questões sociais essenciais”.
O eurodeputado que assume funções a partir desta terça-feira, em Estrasburgo, destaca também a necessidade de um orçamento maior para a União Europeia, defendendo que os fundos europeus devem ser “utilizados de acordo com as necessidades de Portugal”, não com “imposições da UE”.
O eleito pelo PCP aponta ainda para as “implicações políticas e orçamentais” de futuros alargamentos da União Europeia, e alerta para os riscos do “caminho militarista”, defendendo uma perspetiva de “paz e cooperação internacional”. Sobre eleição das presidências do Parlamento e do Conselho, assume que votará contra.
Deputado João Oliveira, na perspetiva do grupo do PCP aqui no Parlamento Europeu, quais são os desafios da próxima legislatura?
Eu diria que as questões da guerra, paz, militarismo e desvio de recursos para o armamento são dominantes. Isso pode secundarizar questões sociais prioritárias. Estes são aspetos que marcarão os próximos cinco anos na Europa e noutros pontos do mundo. Há também problemas sociais como desigualdades, assimetrias, injustiças sociais e a acumulação de riqueza, enquanto muitos empobrecem. A degradação das condições de vida dos trabalhadores e povos na Europa será uma questão central.
Outro aspeto importante é a discussão do próximo quadro financeiro. Precisamos de um orçamento maior para a União Europeia e uma maior fatia de fundos para Portugal, para utilizar de acordo com as nossas necessidades e não com imposições da UE. Isto inclui modernização do país, infraestruturas, equipamentos estratégicos, apoio aos setores produtivos e aumento do valor acrescentado da nossa produção nacional, apostando na industrialização.
Há ainda a questão do alargamento da UE e a sua relação com o orçamento. Estas três grandes questões são centrais para os próximos cinco anos. Outras questões como migrações, racismo, xenofobia e respeito pelos direitos humanos também continuarão a marcar os próximos tempos.
Falou na questão do alargamento. A Europa está preparada para o alargamento? Deve preparar-se para esta questão que parece inevitável, tendo em conta o discurso político atual?
Não tenho certeza sobre a exata situação em que estamos relativamente a essa matéria. A noção de muitos países sobre a sua adesão à UE acaba por ser frustrada, apesar das expectativas criadas. Cada povo e Estado devem tomar essa decisão livremente. No entanto, vimos na história que intenções fortes podem ser frustradas por forças externas, como no caso da Turquia.
Quanto a outros países, não sei se haverá uma situação semelhante de expectativas sem intenções de concretização. Há impactos políticos significativos na adesão de novos países à UE, afetando a composição dos órgãos da UE e os equilíbrios políticos. A adesão de novos países também implica mais exigências orçamentais e de coesão.
Quais são esses impactos políticos?
A adesão de novos países tem implicações significativas na composição dos órgãos da UE e nos equilíbrios políticos. Há uma preocupação de alguns países, como França e Alemanha, em relação à adesão de novos países que podem equiparar-se a eles. Do ponto de vista orçamental, mais exigências de coesão implicam mais exigências orçamentais. A adesão pode beneficiar economicamente alguns países, mas prejudicar outros como Portugal, criando concorrência desleal. Estas questões precisam de discussão clara e objetiva.
Falou na questão do militarismo, paz e guerra. Vê alguma incoerência no discurso político da UE sobre ter instrumentos geoestratégicos para enfrentar ataques?
Coerência não é o termo que usaria para descrever o discurso dos responsáveis da UE. Estamos numa fase crítica da história europeia e mundial. A história mostra-nos que situações como as atuais já existiram, algumas resultando em conflitos militares de larga escala. Precisamos aprender com essas lições e encontrar caminhos de paz. Nós percebemos que no século XX nós tivemos situações muito próximas daquelas que temos hoje, umas que redundaram em conflitos militares de larga escala, outras em que foi possível, ainda assim, conter esse risco e foi possível desanuviar, digamos assim, a tensão política e a confrontação política e encontrar caminhos de paz que durante muito tempo permitiram até que a paz fosse efetivamente encarada com uma perspetiva segura que tínhamos para o nosso futuro. O investimento em militarismo, exércitos comuns e indústria de armamento não aponta para a construção da paz, mas para aumentar tensões e confrontos.
Quando usa a expressão "desanuviar", é apenas por facilidade ou considera tudo o que o conceito envolve?
Utilizei o conceito em função da tradução que ele teve nos anos 70 do século passado. Hoje, talvez utilizasse "desescalar". Nós, em português não temos propriamente esse termo como um termo nativo. É um anglicismo do 'descalate' dos anglo-saxónicos. Já estamos mergulhados em conflitos que não são locais, alguns nem regionais. Precisamos desescalar esses conflitos para construir uma paz sólida e coerente. A história da Conferência de Helsínquia e outros momentos de desanuviamento mostram-nos o caminho a seguir. O respeito pela autodeterminação dos povos, inviolabilidade das fronteiras, integridade territorial, direitos humanos e recusa do uso da força são princípios fundamentais.
Como vê as iniciativas do governo húngaro de Viktor Orbán de ir a Kiev, Moscovo e China?
Mais do que ações ou declarações isoladas, precisamos de uma concertação de esforços coletivos para alcançar a paz. Seria mais eficaz ouvir medidas concretas dos responsáveis da UE para construir a paz do que críticas isoladas às iniciativas do primeiro-ministro húngaro. Precisamos de uma perspetiva conjunta que ultrapasse as fronteiras da UE e encontre uma base para cessar-fogo na Ucrânia e Palestina, respeitando os direitos e soberania dos povos. Declarações isoladas, embora importantes, precisam ser acompanhadas por respostas políticas e diplomáticas mais abrangentes.
Na terça-feira, os eurodeputados vão votar para a presidência do Parlamento Europeu. Como vai votar para a presidência do Parlamento Europeu e para presidência da Comissão, que é na quinta-feira?
Ainda estamos a discutir, mas parece-me que, considerando a repartição de cargos entre sociais-democratas, Partido Popular Europeu e liberais, que sustentam o consenso neoliberal e militarista da UE, não será difícil adivinhar a nossa oposição à eleição de Roberta Metsola.
E em relação à presidente da Comissão?
Os critérios de apreciação são os mesmos. Para lá daquilo que a superfície vai mostrando, são exatamente os mesmos e, portanto, revelarão exatamente a mesma oposição da nossa parte.