João Rodrigues: "O voto não é algo garantido. Se olharmos para a história, quase ninguém teve acesso"
O Voto é a Arma do Povo: as primeiras eleições livres fazem 50 anos e a TSF convida 25 personalidades a falar sobre a importância do voto. João Rodrigues vai votar pela primeira vez nestas eleições legislativas e acredita que a democracia é "relativamente recente" e "facilmente se perde"
Corpo do artigo
Depois de ouvirmos 24 personalidades que lutaram pelo voto ou já votaram várias vezes, a TSF abriu o microfone a alguém que vai participar pela primeira vez em eleições nas legislativas do próximo domingo. No último episódio d'O Voto é a Arma do Povo, João Rodrigues, de 18 anos, considera que é preciso preservar o voto, porque "é algo raro".
"O voto não é algo garantido, ou seja, se formos olhar para a história, foi algo raro, foi algo a que nem toda a gente teve acesso. E este ‘nem toda a gente’ é quase ninguém teve acesso ao longo da história. É perceber que esta ideia de termos um regime político cuja soberania assenta precisamente na população em geral, seja ela qual for a sua composição ou estrutura sociológica, é algo, primeiro, relativamente recente, se formos olhar para a história da humanidade, e acho que muito facilmente se perde. Então, nesse sentido, acho que cada um deve expressar a sua opinião", considera o jovem estudante da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP).
Mal chegou ao ensino superior, João Rodrigues integrou a Associação de Política Apartidária, uma organização criada por estudantes da FEP em 2012 que "pretende aproximar os jovens da política".
"Eu já era interessado em política desde há uns anos, já tinha uma leve ideia de organização antes de ir para a faculdade e assim que cheguei à faculdade - também na FEP, existe muito uma cultura das organizações, existe muito essa ideia de nos juntarmos organizações- já conhecendo minimamente a APA, sabendo da sua existência, interessando-me pela política, achei que era o ideal para mim", explica.
E como é que se gerou esse interesse? "É algo, digamos, progressivo. Acho que não tive um momento marcante em que a partir daí sentisse que a política era algo de que eu gostava e em que tinha interesse. Foi um processo, foi um gosto que se envolveu ao longo do tempo e que vinha também muito da escola, porque acho que é na escola que os jovens têm primeiro contacto com cidadania e com atividades cívicas, com o interesse e o ativismo e tudo mais."
O interesse de João Rodrigues pela vida política do país foi precoce e a escola teve um papel fundamental para que surgisse.
"Acho que também foi muito na escola, com o passar dos anos, falar de temas cada vez mais complicados, passamos a estar um bocado mais interessados no estado da sociedade e das coisas à nossa volta. Começamos a olhar à nossa volta um bocado mais criticamente. Com 11 ou 12 anos já me interessava, já percebi alguns conceitos políticos. Esquerda, direita, essas coisas mais básicas. Já ia tendo alguma noção desses conceitos, já me interessava por eleições, dependendo da sua área política, o que é que cada governo tinha intenções de fazer, mais ou menos. Foi ali na época do começo do Governo da geringonça, foi mais ou menos por aí", conta.
O estudante da FEP assume que já houve eleições em que gostava de ter votado: "Desde que tenho o mínimo interesse por política. Sempre tive interesse em expressar a minha opinião, ou seja, sempre tive essa esse querer de votar. É difícil dizer a partir de quando é que isso aconteceu, mas, sim, sempre tivesse esse querer de votar."
Questionado sobre a idade mínima legal para votar em Portugal, comparando com outros países como o Brasil em que se pode votar a partir dos 18 anos, o jovem considera que nessa idade já tinha capacidade para ir às urnas.
"Tendo essa vontade de votar tão cedo, obviamente que logo nos meus 15 ou 16 anos que eu senti-me preparado para votar, sentia que devia poder votar e sentia que as pessoas à minha volta, mesmo que não estivessem tão interessadas, que já tinham alguma capacidade e algum interesse por votar", crê.
E faz uma reflexão: "Agora, há aqui alguns fatores interessantes. Há aquele medo dos jovens não estarem ainda informados ou não estarem preparados para assumir a responsabilidade, que é um dever, é uma responsabilidade. O voto é um ato que envolve responsabilidade. Contudo, eu acho que também é uma forma de aproximar os jovens à política. Se déssemos esse direito aos jovens, eu acho que os jovens tinham também muito mais interesse em estar a par. No meu secundário, que é precisamente onde chegamos a essa cidade dos 16 anos, reparava que muitos dos meus colegas tinham opiniões políticas, ou seja, as pessoas à minha volta podiam não se interessar por partidos, podiam não se importar com compreender o funcionamento dos órgãos de soberania, perceber mesmo as entrelinhas das coisas, mas tinham opiniões políticas, tinham uma opinião a expressar. Tinham uma opinião sobre temas X e Y, tinham opinião económica. E, se calhar, por não poderem participar tão cedo, mais tarde também não vão ter interesse em ter essa participação na política, porque vão sentir que algo um bocado mais afastado. Já existe um bocado essa ideia de que a política é um bocado afastada dos cidadãos e os jovens começam a pensar um bocado mais no ambiente à sua volta, um bocado mais cedo, mas não lhes dão essa oportunidade de expressar essa opinião, que, no fundo, é o voto, também não ajuda a que os jovens depois também se queiram aproximar da política."
João Rodrigues não acredita que os jovens sejam mais afastados da política do que outras faixas etárias, mas assume que estariam ainda mais próximos se não parecesse tudo tão complicado.
"Por acaso, se calhar estamos a ver em termos relativos a algumas faixas etárias em específico, tenho perceção de que os jovens até são muito interessados em política. O que é que acontece? Podiam estar mais interessados, noutras circunstâncias, se sentissem que a política não era uma coisa tão longínqua, se não fosse um processo tão complicado - claro que tem que ser complicado -, que não parecesse um bicho de sete cabeças que está longe e que nós não temos influência", assevera.
Isto porque os jovens se regem mais por causas do que por ideologias: "Não acho que pensem na política ideologicamente, que tão facilmente assumam uma posição ideológica ou uma doutrina ideológica mais sustentada, mais coerente, ou seja, pensem sistematicamente na naquilo que acreditam e procurem uma tese, um pensamento, uma perspetiva política que justifique, que ilumine, essas opiniões que nós temos se calhar. Ou seja, os jovens têm essas opiniões. Se calhar não assumem uma ideologia, uma posição."
E, nesse sentido, as juventudes partidárias também não estão a conseguir cativar os jovens, ainda que João Rodrigues acredite que têm a sua importância dentro dos partidos.
"Como alguém que está de fora das juventudes, acho que não. Se calhar quem está lá tem essa ideia de enquanto jovens estarem próximos da política, mas, lá está, naquela bolha. Pelo menos falo por mim, não senti influência das juventudes partidárias para estar mais interessado por política. Aliás, as juventudes partidárias são alvo de muitas críticas quanto àquela questão da elite política e da forma como, no fundo, selecionam as pessoas que vão para a política. Acho que elas têm o seu papel nos partidos, claro, não quero estar aqui já com alvos de conspiração contra as juventudes partidárias", argumenta.
Depois de uma revolução quase sem sangue, Portugal está há 50 anos a utilizar a arma mais forte que o povo tem: o voto. A TSF convida 25 personalidades a falarem sobre a importância da participação dos eleitores. Para ouvir todos os dias na antena da TSF de manhã, à tarde e à noite, e a qualquer hora em tsf.pt