Jorge Pinto defende Estados Gerais para "salvar SNS": "Mais do que pedir demissões, Presidente tem de mobilizar sociedade"
Autores: Francisco Nascimento (TSF) e Carla Soares (JN)
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Sem sugestões para demitir ministros ou alteras quanto à dissolução do Parlamento, o candidato a Presidente da República Jorge Pinto promete adotar uma postura diferente à de Marcelo Rebelo de Sousa, desde logo, sem tirar o tapete a governantes. O candidato apoiado pelo Livre, na entrevista TSF/JN, defende que o Presidente da República deve convocar uns estados-gerais para debater a saúde com a sociedade civil.
Qual é a sua maior referência como Presidente da República?
A minha principal referência é Jorge Sampaio. Foi aquilo que se espera de um Presidente da República, no que diz respeito à proximidade aos concidadãos, aos seus eleitores, à cidadania, mas uma proximidade como ela deve ser feita e que não é forçosamente apenas à base de fotografias. E teve, ao mesmo tempo, momentos muito sensíveis onde colocou à prova tudo aquilo que a Constituição diz relativamente aos poderes de um Presidente da República.
É bom relembrarmos o modo como ele foi criticado por não ter dissolvido a Assembleia da República quando Durão Barroso saiu, quando deixou de ser primeiro-ministro e o modo como foi igualmente criticado, por um outro lado do espectro político, quando decidiu demitir o Governo e dissolver a Assembleia da República sendo Pedro Santana Lopes o primeiro-ministro. Este é um poder que compete ao Presidente da República, é uma das suas prerrogativas, e Jorge Sampaio conseguiu, na minha opinião, usar esse poder do modo que ele deve ser usado, e explicando sempre muito bem porque é que o fazia, explicando porque é que não demitiu a Assembleia da República quando saiu Durão Barroso e explicando, igualmente, porque é que o decidiu fazer uns meses mais tarde e é por isso que é, para mim, o melhor Presidente da nossa segunda República e a minha referência também para estas eleições.
Essa é também uma crítica a Marcelo Rebelo de Sousa que já dissolveu o Parlamento por três vezes?
É, sobretudo, no que diz respeito ao Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, uma crítica à maneira como o próprio se voluntariou para colocar sempre numa má posição de ação negocial, porque vejamos: Marcelo Rebelo de Sousa tinha dito a priori que dissolveria a Assembleia da República, que convocaria novas eleições caso António Costa deixasse de ser primeiro-ministro. Disse-o assim sem ter em conta as razões pelas quais poderia deixar de ser primeiro-ministro, o que quer que acontecesse e é evidente que quando esse cenário se colocou em cima da mesa, quando António Costa deixou efetivamente de ser primeiro-ministro, mesmo havendo uma maioria absoluta de um só partido, Marcelo Rebelo de Sousa não teve a capacidade de analisar outras opções, precisamente porque o próprio já se tinha colocado numa má posição negocial. Isso é algo que nunca farei, nunca irei dizer antecipadamente o que farei no cenário A, B, C ou D, um cenário muito concreto, porque isso é colocar-se a si próprio, no caso do Presidente da República, numa má posição negocial
Portanto, é evidente que Marcelo Rebelo de Sousa vai ficar para a história da nossa República como o Presidente que teve todas estas eleições antecipadas, um Presidente que deveria ter conseguido garantir mais estabilidade e que, infelizmente, até para o país, não conseguiu garantir.
Olhando para os mandatos de Marcelo Rebelo de Sousa, o que teria feito diferente enquanto Presidente da República? Teria, por exemplo, desafiado o Governo a demitir a ministra da Saúde?
Há muitas coisas para fazer diferente, a principal era aquela que eu acabei de dizer, é um erro e é um erro tremendo que espero que não se volte a cometer, de nos colocarmos numa má posição negocial por vontade própria. Dizer o que se fará num determinado cenário é antecipar esses cenários e é, sobretudo, atar as nossas próprias mãos quando esse cenário se vier a verificar.
Depois, Marcelo Rebelo de Sousa teve várias falhas. O legado que fica para a história é aquilo que aconteceu efetivamente e um Presidente da República que tem esta sucessão de eleições e até o próprio cansaço democrático que advém desta sucessão eleitoral é certamente responsabilidade também de Marcelo Rebelo de Sousa. Em algumas ocasiões deveria ter sido mais ponderado no modo de fazer as coisas e certamente mais ponderado também no assegurar desta estabilidade democrática e do nosso regime.
Mas no caso da Ministra da Saúde, já teria deixado apelos ou feito diligências para que fosse substituída?
Acredito que a maneira de um Presidente da República de dizer presente, observando a separação de poderes que vem na Constituição, não passa por insistir na demissão de ministros. Isso não resolve problemas e até o pode fazer em privado junto do Governo. Aquilo que eu acho que é essencial, e em particular em relação ao SNS, é que o Presidente da República possa dar oportunidade à Assembleia da República e ao Governo de resolver os problemas, dando um tempo que seja considerado suficiente para pelo menos perceber se esses problemas estão a ser resolvidos. Caso não estejam, aí o Presidente da República pode entrar em jogo, com a mobilização da sociedade para tentar encontrar soluções e respostas para esses problemas.
Aquilo que eu digo e que é um compromisso: caso estes problemas no SNS não sejam resolvidos ao final de um ano após a minha tomada de posse, convocarei uns Estados Gerais do Serviço Nacional de Saúde precisamente para ouvir todos os agentes e para que possa haver uma solução de longo prazo para aquela que é, na verdade, a mais bela das nossas conquistas de Abril e da nossa democracia.
Em que cenários considera utilizar a bomba atómica? Já disse que, caso a revisão da Constituição avançasse, só com os votos da direita, que iria avançar para essa bomba atómica. Que outros cenários é que coloca em cima da mesa?
Como disse há pouco, não me quero comprometer e atar as minhas próprias mãos para aquilo que depois pode ser a minha necessidade de ação no futuro. Quando digo que dissolverei a Assembleia da República caso haja uma tentação de revisão drástica da Constituição, feita exclusivamente à direita e à extrema-direita, digo por várias razões. Desde logo, porque essa revisão não esteve nunca em cima da mesa durante as eleições legislativas, não foi nunca trazida a debate por nenhum dos candidatos, na verdade, os únicos que trouxeram foram pessoas como eu próprio que alertei em entrevistas para o facto de haver a possibilidade, pela primeira vez na nossa história, termos mais dois terços do Parlamento à direita e à extrema-direita.
Curiosamente, há uma outra questão que também não foi muito aflorada durante a campanha eleitoral, a revisão da lei laboral, que está a ser discutida nesta altura, que provavelmente também pode ser aprovada à direita. Num cenário desses, admite uma decisão idêntica, ou seja, dissolver o Parlamento? Ou iria apenas vetar o documento quando chegasse a Belém?
Ainda é cedo, o documento ainda não chegou sequer à Assembleia da República, é importante que as pessoas tenham noção, mas é igualmente importante que todos tenham noção do que está nesse documento, porque eu li do início ao fim, estamos a falar de mais de cem propostas de alteração que representam um ataque aos trabalhadores e às suas famílias, como há décadas não víamos no nosso país. E o facto de termos uma greve geral já convocada pelas duas centrais sindicais, algo que não acontecia há mais de dez anos, é também sintomático daquilo que está em causa, porque estas propostas de alteração, estas mais de 100 propostas de alteração, resumem-se a menos direitos dos trabalhadores, mais precariedade - e a precariedade é sempre uma fragilidade, por mais que outros candidatos presidenciais nos digam o contrário. É isto que está em cima da mesa com esta proposta de Trabalho XXI do Governo.
Isso quer dizer, portanto, que o Presidente Jorge Pinto admite dissolver o Parlamento?
Não me quero colocar já nessa posição, repito, não o vou fazer, não vou cometer os mesmos erros do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Mas se o documento me chegasse às mãos tal como está agora, iria para uma fiscalização preventiva junto do Tribunal Constitucional, mas o veto político estava assegurado, digo-o com toda a clareza, porque o que está em cima da mesa são mais de cem propostas de alteração em que todas elas - todas - vêm enfraquecer os direitos dos trabalhadores e os direitos das suas famílias também, é muito importante realçar isto.
Só para resumir a questão da revisão constitucional, porque é efetivamente a bomba atómica, mas usando até a linguagem bélica, a bomba atómica muitas vezes serve não para ser usada, mas precisamente para uma política de dissuasão nuclear, que é para que do outro lado não haja uma ação que venha a obrigar a utilização da bomba atómica. Quando digo que dissolveria a Assembleia da República caso houvesse uma tentação exclusivamente à direita e à extrema-direita de fazerem uma revisão drástica da Constituição, o meu objetivo não é usar a bomba atómica, na verdade é usar a dissuasão nuclear, para que esta tentação não exista sequer e se outros candidatos tiverem a mesma clareza que eu tenho ao dizê-lo, essa tentação vai ser reduzida por parte dos partidos de direita e extrema-direita na Assembleia da República.
Só mesmo para uma resposta rápida e para fecharmos esta questão, por exemplo, em relação ao Orçamento do Estado, caso o orçamento fosse chumbado, o Jorge Pinto não iria avançar para a dissolução do Parlamento?
Não, de modo algum.
Daria oportunidade ao Governo de apresentar uma segunda proposta?
Com toda a clareza que daria, porque, repare, nós, no que diz respeito à discussão orçamental no nosso país, passamos do oito para o 80. Aqui há pouquíssimo tempo, há dois ou três anos, todas as discussões do Orçamento do Estado passavam por, diariamente, continuamente, nos noticiários, nas televisões, nas rádios, discutirmos se o orçamento ia ou não ser aprovado, porque a sua não aprovação significaria a queda de governo, a dissolução da Assembleia da República, quase o final do regime.
Era este o clima que nós vivíamos quando discutíamos o orçamento do Estado e passamos desse extremo para um outro extremo, que é o que temos agora, em que estamos em plena discussão orçamental e é quase uma não notícia. Algo está errado nestes dois extremos e aquilo que eu defendo para uma discussão orçamental é, olhe, contrariamente a António José Seguro, que seja votado, porque eu acho muito importante que um orçamento de Estado seja votado. Mas, sobretudo, que o Orçamento de Estado não seja nem, por um lado, aquilo que define se um Governo se mantém ou não em funções, nem, pelo outro, uma mera tabela que realizamos anualmente sem qualquer discussão. E é evidente que isto é competência da Assembleia da República, é competência do Governo.
Não compete ao Presidente da República imiscuir-se nas discussões de um Orçamento do Estado, nem o quero fazer. O que quero dizer, e claramente, é que, para mim, enquanto Presidente da República, a discussão deve ser uma oportunidade para discutir o país no ano seguinte, evidentemente, mas também a médio prazo.
Na consulta interna do Livre, teve pouco mais de 50% dos votos contabilizando os votos em branco. Esperava uma votação mais expressiva? Causa-lhe desconforto percorrer o país com o selo do Livre, embora com uma votação interna curta?
De todo. Eu tive, para ser claro, mais de dois terços dos votos e acho que muitos outros candidatos adorariam ter mais dois terços dos militantes dos partidos que os apoiam a apoiá-los. Acredito mesmo que muitos outros candidatos trocariam.
Estou completamente certo de que o partido está comigo, agora a minha obrigação é também alargar a minha base de apoiantes e estou muito convicto que o vou conseguir fazer daqui até dia 18 de janeiro.
Se o Livre tivesse expetativas para estas eleições presidenciais, não lhe parece que teria optado pela candidatura de Rui Tavares? É o rosto mais conhecido do partido e o que tem mais capital político. O Jorge Pinto está no Parlamento há pouco mais de um ano.
E com muita honra, espero estar à altura do desafio. O Livre, o que fez, foi apoiar o candidato que se apresentou, o Rui Tavares teria sido um excelente candidato, não tenho a mais pequena dúvida, a Isabel Mendes Lopes teria sido uma excelente candidata. Agora, também me parece estranho que líderes políticos, queiram ser candidatos também presidenciais. O único que o é, é o candidato da extrema-direita, que na sua obrigação e vontade de ser candidato a tudo, é novamente candidato.
Aquilo que nós fizemos, aquilo que eu próprio fiz depois de uma reflexão que foi difícil, que foi demorada, que foi muito ponderada, foi perguntar-me: há ou não há quem me represente nos atuais candidatos? Não há. Há ou não há quem eu ache que represente um espaço ideológico com a mesma clareza, com a mesma firmeza, com a mesma vontade de ser Presidente da República como aquela que eu tenho? E a minha resposta foi, em ambos os casos, não.
Avançou depois de ter a garantia do Rui Tavares de que não iria entrar na corrida?
É evidente que eu falei com algumas pessoas antes de avançar, falei certamente com os meus colegas na Assembleia da República, mas foi uma decisão bastante rápida, na verdade, foi quando percebi que não haveria, e enfim, não quero perder muito tempo com isto, mas quando percebi que não haveria uma candidatura que pudesse agregar as esquerdas, quando percebi que não iria haver uma candidatura que representasse minimamente aquele espaço ideológico que é o meu e que eu sei que é de muitos milhares de portugueses, então aí sim, decidi dar o passo em frente, falei com algumas pessoas e todas elas - todas - me incentivaram a avançar.
Também no referendo do Livre, António José Seguro foi o candidato "externo" mais mencionado, com quase 18% dos votos. O Livre deveria ter feito um esforço maior para agregar a esquerda?
O Livre fez, e eu próprio incluído, o maior esforço possível. Seja por ação, seja até por omissão no sentido de ficar à espera que surgissem candidaturas. Elas não surgiram e aqui não é o primeiro a chegar, é o primeiro a ser servido. Não há direito de precedência. E António José Seguro, até pelas declarações que tem feito enquanto candidato já, tem mostrado bem que não é a candidatura que convém à esquerda ou que a esquerda precisava num clima político como aquele que vivemos.
Nós precisamos de uma candidatura que seja da firmeza, não da tibieza. Nós precisamos de uma candidatura da esquerda moderada que não almoce como passistas. Nós precisamos de uma candidatura à esquerda que não ache que ser de esquerda é ser colocado numa gaveta, porque não é. Ser de esquerda é abrir uma janela, é estar à janela, falar para o mundo dessa posição, ser claro naquilo que se é, mas nunca esconder. Evidentemente, um Presidente da República fala à esquerda e fala à direita, um Presidente da República representa o país na sua unidade, mas representar o país na sua unidade não nos obriga, na verdade não nos deveria obrigar, a esconder aquilo que somos, porque é evidente que Mário Soares e Jorge Sampaio foram Presidentes da República de esquerda e não é por isso que não foram Presidentes de todos os portugueses.
Da minha parte, ser de esquerda é um motivo de orgulho, ser desta esquerda moderada que não se senta à mesa com aqueles que são os representantes de um dos piores períodos da nossa democracia é claro e, portanto, no que a mim diz respeito, a minha ideologia vai ser sempre aquela que eu tenho e que assumo com muito orgulho, o que não irá afetar de maneira nenhuma a minha maneira de ser Presidente da República, porque o Presidente da República é mesmo Presidente para todos os portugueses.
Mas, já agora é por isso que diz que António José Seguro tem vergonha de ser da esquerda?
Eu não usei a palavra vergonha, o próprio é que disse que não queria ser colocado numa gaveta, entretanto, já vai corrigindo as afirmações, mas corrige quase como aquele aluno que é apanhado a copiar e, afinal, pede desculpa ao professor, também não me parece que seja a melhor maneira de resolver aquilo que quis dizer. Repito: ser de esquerda não é nem nunca pode ser visto como ser colocado numa gaveta, ser de esquerda é ser defensor dos princípios republicanos da liberdade, da igualdade e da fraternidade.
António José Seguro agora assume-se como sendo da "esquerda moderna e moderada", é um passo na direção que defende?
Repare, sou de uma esquerda moderna e moderada, se quiser, mas eu sou de uma esquerda moderna e moderada que não se senta à mesa com apoiantes de Pedro Passos Coelho, eu sou de uma esquerda moderna e moderada que é firme e é corajosa quando tem de ser corajosa, assume as suas decisões, eu não sou da esquerda moderna e moderada das abstenções violentas, de todo, e acho que aquilo que o país precisa nos próximos anos é de um Presidente da República que seja um contrapeso democrático do regime, porque o regime precisa desse contrapeso. E esse Presidente da República tem de ser muito firme na sua tomada de decisões, não me parece que firmeza seja a palavra que melhor descreve António José Seguro, com todos os outros méritos que possa ter, e eu quero muito ser esse Presidente da República.
