Juiz da Operação Influencer considera que suspeitas sobre Costa são "vagas" e "contraditórias"
Nuno Dias da Costa considera que a pressão de Vítor Escária ou António Costa sobre a secretária de Estado Ana Fontoura Gouveia para a aprovação e publicação célere de um decreto-lei favorável à Start Campus era inútil.
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O juiz de instrução da Operação Influencer criticou a investigação do Ministério Público e considera que as suspeitas contra António Costa são "vagas" e mesmo "contraditórias".
O Ministério Público pedia a prisão preventiva para dois dos cinco suspeitos detidos e afirma que os arguidos "recorreram aos serviços de Lacerda Machado", ex-chefe de gabinete de António Costa, para "contactar, (…) o Primeiro-Ministro, com vista a pressionar a secretária de Estado, Ana Fontoura Gouveia".
Tinha existido uma reunião que tinha resultado em "pressões sobre a dita Secretária de Estado, exercidas pelo Primeiro-Ministro ou por Vítor Escária, mas necessariamente com o conhecimento e concordância do primeiro" e, de acordo com o Ministério Público, esses contactos "encetados por Lacerda Machado junto de Vítor Escária e do Primeiro-Ministro visaram - e lograram - que um Decreto-Lei fosse aprovado e publicado o mais rapidamente possível e com o conteúdo normativo favorável aos interesses da Start Campus".
Ora, perante esta investigação e na resposta, citada pelo Expresso, ao recurso apresentado pelo Ministério Público para o Tribunal da Relação relativa à decisão da instrução, Nuno Dias da Costa argumenta: "O alegado pelo Ministério Público revela-se vago quanto a qual seria a entidade pública junto de quem iria ser exercida a influência (o Governo, por via do contacto do suspeito Lacerda Machado junto do Primeiro-Ministro? A Secretaria de Estado da Energia, por via de Vítor Escária?)."
O juiz considera ainda que a "descrição factual" do Ministério Público é "contraditória", já que "ao mesmo tempo que alega que a atuação dos arguidos teve em vista pressionar a referida Secretária de Estado", diz que "os contactos encetados por Lacerda Machado junto de Vítor Escária e do Primeiro-Ministro visaram - e lograram - que o referido Decreto-Lei fosse aprovado e publicado o mais rapidamente possível" e "sabendo-se que a competência para elaborar decretos-lei cabe ao Governo e não a uma Secretaria de Estado", o que faz com que a pressão sobre Ana Gouveia seja inútil.
Tese de que Galamba é "mentor" é "inovadora, vaga e genérica"
A tese do Ministério Público de que João Galamba, ex-ministro das Infraestruturas que se demitiu na sequência do caso, “não só atuou conluiado com os Afonso Salema e Rui Neves”, como “foi, na verdade, o autor e verdadeiro mentor” do plano para beneficiar a Start Campus é, na opinião de Nuno Costa Dias, "inovadora".
O juiz diz que, dos factos descritos pelo Ministério Público, só se pode concluir que o ex-ministro "pretendeu" que a empresa "fosse abrangida por um determinado regime legal em preparação" e "nunca" o Ministério Público que alegou "sabia ou combinou com Rui Neves e Tiago Silveira no sentido de ser feito o que estes combinaram entre os dois".
Nesse sentido, o juiz considera que não há indícios de que o antigo governante tenha "agido contra o direito", visto que a alegação do Ministério Público é "vaga e genérica".
O magistrado alega que "o Ministério Público teve necessidade, para sustentar a sua posição, de invocar novos factos que não alegou na promoção de aplicação aos arguidos" de medida de coação diferente do termo de Identidade e Residência (TIR).
"Portanto, o tribunal não podia ter em conta na decisão recorrida" tais novos factos invocados no recurso do MP para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Reitera o juiz que o recurso do MP, à exceção dos factos que consubstanciam os crimes de tráfico de influência e de recebimento indevido de vantagem, que considerou estarem "fortemente indiciados" os restantes factos apresentados pelo MP, "não preenchem os elementos típicos" de qualquer crime.
A operação levou à detenção do chefe de gabinete de António Costa, Vítor Escária, do advogado Diogo Lacerda Machado, dos administradores da empresa Start Campus Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, e do presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas, que o juiz colocou em liberdade após o primeiro interrogatório judicial.
Além destes, há outros quatro arguidos no processo, incluindo o agora ex-ministro das Infraestruturas João Galamba, o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta, o advogado, antigo secretário de Estado da Justiça e ex-porta-voz do PS João Tiago Silveira e a empresa Start Campus.
O processo está relacionado com a exploração de lítio em Montalegre e de Boticas (ambos distrito de Vila Real), com a produção de energia a partir de hidrogénio em Sines, Setúbal, e com o projeto de construção de um centro de dados (Data Center) na zona industrial e logística de Sines pela sociedade Start Campus.
O primeiro-ministro, António Costa surgiu associado a este caso e foi alvo da abertura de um inquérito no MP junto do Supremo Tribunal de Justiça, situação que o levou a pedir a demissão e o Presidente da República marcou eleições para 10 de março.
