Lei para fazer justiça a quem foi preso ou viveu na clandestinidade durante a ditadura está por aprovar há 27 anos
Está por implementar uma lei aprovada há 27 anos na Assembleia da República que pretende fazer fazer justiça aos que foram presos ou viveram na clandestinidade durante a ditadura. A última tentativa falhou recentemente, a 4 de abril de 2024.
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A lei cobre o período entre 28 de maio de 1926 e 25 de abril 1974. Todos os que nesse período estiveram nas prisões da ditadura ou tiveram de viver na clandestinidade podem incluir esse tempo nas contas da segurança social para efeitos de pensão.
Com os votos favor do PS e do PCP, a lei foi aprovada a 10 de abril de 1997, com a indicação de que o Governo, então liderado por António Guterres, haveria de regulamentar o diploma de forma a poder aplicar-se.
Em 1998 foi criada uma comissão para avaliar os casos um a um e avaliar quem de facto tinha direito a beneficiar do diploma. Mas desde então nada. Passou tanto tempo que muitos já morreram, de um lado e do outro.
Entre os presos políticos, muitos dos potenciais beneficiários teriam de passar dos cem anos para poderem usufuir da lei; entre os deputados do PS que apresentaram o projeto lei no Parlamento também já restam poucos. Por exemplo, Manuel Alegre, Ferro Rodrigues ou António Filipe foram contactados pela TSF, mas não se recordam de tal lei. Mas alguém se terá lembrado, agora, no Governo de António Costa já em gestão.
Foi publicado em abril, no Diário da República um despacho onde se recorda que estamos a chegar aos 50 anos do 25 de abril, é mais que tempo de fazer cumprir essa lei de 1997. E porque, entretanto, vários membros da tal comissão morreram ou passaram á reforma, tornou-se urgente nomear outra.
Vários ministérios nomearam os sesu representantes, mas, ironias da política, quando o diploma entrou em vigor o governo já estava em gestão e é publicado no diário oficial, precisamente, um dia depois da tomada de posse do novo executivo de Luís Montenegro.
Vinte e sete anos não chegaram, mas a intenção era boa, conta à TSF Jorge Lacão. Hoje presidente da Associação de Antigos Deputados, na época presidente da Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, foi o único que encontrámos que conseguiu levar a memória até tão longe.
Admite, ainda assim, Jorge Lacão que "foi preciso rebuscar nos arquivos da memória", mas lembra-se claramente do objetivo, "era a situação chocante em que muitos então se encontravam por terem sido perseguidos durante a ditadura, expulsos ou impedidos de exercer a profissão". Uma questão elementar de justiça.
"Foi necessário ir buscar um bocadinho nos arquivos de memória a razão de ser da iniciativa legislativa e da aprovação desse diploma, mas ele encontra justificação no seu próprio teor e, na verdade, aquilo que era chocante era a situação em que variadíssimas pessoas se encontravam por terem sido perseguidas durante o tempo da ditadura, expulsas muitas vezes da sua profissão ou impedidas de a excercer e, portanto, sem qualquer amparo social em largo trajeto das suas vidas", recordou à TSF Jorge Lacão.
Jorge Lacão já não se lembra por que razão a implementação da lei ficou pelo caminho.
"Também já não importa muito", comenta José Pedro Soares. Antigo preso político, dirigente da URAP, a União de Resistentes Anti-Fascistas.
José Pedro Soares tem agora 74 anos, "sou dos mais novos". A esta altura, "muitos dos que poderiam usufruiur já morreram ou conseguiram resolver esse problema pelos próprios meios".
"Estamos a comemorar os 50 anos do 25 de Abril e já existem pessoas que foram presas pelo fascismo. Aquelas pessoas que passaram mais tempo presas e que precisavam que se contabilizasse o seu tempo de cadeia para fins de Segurança Social já faleceram e na altura própria conseguiram seguir as suas vidas porque tiveram empregos, tinham informação, tinham as decisões dos tribunais quando foram presos e juntaram tudo na Segurança Social. No geral, não conheço nenhum preso que não tenha conseguido resolver isso", garantiu José Pedro Soares.
A lei n.º 20/97, de 19 de junho provavelmente nunca será implementada, mas passou tanto tempo que já não é precisa.