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Os bastidores da Maçonaria não são tão ocultos quanto parecem. Apesar de o secretismo ainda ser a “alma do negócio”, o Museu Maçónico Português, situado no coração de Lisboa, encontra-se de porta abertas para quem quiser saber mais sobre a história e o modo de atuação desta organização com fama de se infiltrar nas diversas esferas do poder.
Ao adentrarmos a Rua do Grémio Lusitano, anteriormente chamada Travessa do Guarda-Mor, encontramos, imponente, a porta verde que nos conduz ao interior do Grémio Lusitano, a casa da mais antiga obediência maçónica portuguesa. A fundação deu-se em 1802 e, desde essa época, o Grande Oriente Lusitano já viu passar pelas suas portas uma infinidade de figuras, públicas ou anónimas, determinadas a despir, como apregoam, “o preconceito contra o próximo e contra a abertura de pensamento e em atingir o progresso, a liberdade e a fraternidade no mundo”.
“Para se ser útil à Humanidade não é preciso ser-se maçon, mas todo o maçon tem sempre de ser útil à Humanidade”. As palavras são de João Alves Dias, historiador e professor universitário com vários estudos publicados sobre o tema e soberano grande comendador do Grande Oriente Lusitano, obediência que é a sua casa há 43 anos. De facto, a Maçonaria tem conseguido “agitar as águas” do poder político desde a sua fundação, tendo já participado ativamente em inúmeras leis e projetos. Desde a lei da propriedade horizontal, que confere a possibilidade de um edifício ou um conjunto de edifícios pertencerem a uma pluralidade de pessoas, até ao Sistema Nacional de Saúde, vários são os exemplos da influência desta força oculta nos órgãos de decisão. Porém, revela o historiador, “após 25 anos, se determinada medida triunfar, por norma, anuncia-se que a sua origem veio da Maçonaria”.
Mesmo que as intenções da organização sejam pacíficas, o carácter ritualístico e secreto tende a provocar uma sensação de desconfiança e de conspiração na sociedade civil. “É exclusivamente um equívoco histórico”, afirma, prontamente, João Alves Dias sobre o medo popular que recai sobre a organização fraterna da Maçonaria. “Se alguém pertencer a duas associações e caso entrem em contradição, a qual é que se obedece? Era isto que a Igreja Católica do século XVIII não aceitava”, comenta.
Maçonaria no feminino
A primeira porta à direita do corredor principal do Grémio Lusitano leva o visitante à receção, que serve igualmente de antecâmara do Museu Maçónico Português. Numa das paredes da sala, encontra-se exposto o estandarte da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, uma associação que visava defender e difundir os direitos femininos, em particular, o sufrágio. Na lista das principais maçons portuguesas do início do século XX, surgem os nomes de Ana de Castro Osório, a fundadora, Carolina Beatriz Ângelo, Adelaide Cabete, Virgínia Quaresma, entre outras.
Apesar da informação constar no museu, ser mulher maçon poderia constituir um problema, uma vez que era um mundo interdito. “Tudo parte das Constituições de Anderson, que têm uma cláusula que diz que as mulheres não podem pertencer à Maçonaria”, lembra João Alves Dias, ao recordar o documento que regula os maçons desde o século XVIII. “Isto marca uma fronteira entre uma Maçonaria dogmática e uma Maçonaria adogmática. A primeira reconhece o direito de as mulheres serem iniciadas. Os dogmáticos não. Neste momento, o Grande Oriente Lusitano não tem mulheres, mas faz reuniões com mulheres.”
Abertura ao mundo “profano”
João Alves Dias foi quem mais se mobilizou, no passado, para a criação de um museu maçónico. Responsável pela exposição de grande parte do acervo museológico, o historiador considera que é importante existir um Museu Maçónico Português. Como revela, “o objetivo era atingir as escolas para que os professores tivessem um sítio onde levar alunos a ver objetos e a falar sem preconceitos. É que a Maçonaria não é apenas o que se diz sobre ela, mas sim um museu vivo de todos os ritos e mitos do passado.”
Desde 2003, ano em que as portas do Grande Oriente Lusitano foram abertas à comunicação social, que a obediência tenta, através de diversas abordagens, uma aproximação à comunidade. Muitas vezes, são os meios de comunicação a procurar contactar com o interior da associação. No entanto, na opinião do mesmo especialista, “nem sempre se escreve com conhecimento de causa, o que provoca a disseminação de boatos e de ‘meias-verdades’, para além de perpetuar o ocultismo e o mito, que a Maçonaria quer combater”. Já foram, como adianta, pensadas diversas campanhas, contudo, a maioria não obteve sucesso. “Queria ter feito uma exposição por ocasião dos 200 anos da Maçonaria, iniciativa que começava com uma campanha nos jornais e no metro que dizia «O que há de comum entre Mozart, Fernando Pessoa, Humberto Delgado, Neil Armstrong e Frederico II da Prússia?» A resposta é óbvia. Para além de maçons, claro, são personalidades apreciadas pela sociedade por desejarem a liberdade, viverem pela liberdade e sofrerem pela liberdade.”
A par da igualdade e da fraternidade, a liberdade é, segundo João Alves Dias, a palavra mais definidora do trabalho maçónico desde a sua fundação. Ao apropriar-se do lema da Revolução Francesa, desde a sua fundação que a organização atribui a cada século que passou um constituinte desse tema: “A Maçonaria dedicou o século XIX à liberdade. Em todos os continentes, vimos países a começar a ter a sua autonomia. Depois, o século XX, à igualdade. Por fim, neste século XXI, é para construir a fraternidade.”
Alheia a barreiras de pensamento e sem um vínculo ideológico, a Maçonaria propõe, esclarece ainda, “iniciar qualquer ser humano cujo interesse principal é o seu próprio ‘aperfeiçoamento’, bem como o da sociedade, independentemente do seu credo político e religioso”.
A rede é imensa e encontra-se espalhada em todos os bairros do país. Pelas portas do Grémio já entraram clérigos, leigos, homens das artes, mulheres da luta, militares. Até mesmo a pessoa mais insuspeita pode estar em observação, tanto de injustiças sociais que urgem ser abordadas, como de problemas passíveis de uma investigação de carácter mais específico. Perante as estratégias de convergência e de diálogo da Maçonaria ao “mundo profano”, João Alves Dias espera que a sociedade civil se mostre “aberta a quebrar todos os preconceitos e estigmas que têm para com a instituição maçónica” que, ironicamente, vê no segredo a sua grande mais-valia.
Rodrigo Caseiro Miranda é, aos 21 anos, finalista na Escola Superior de Comunicação Social (ESCS-IPL). Embora tenha começado a sua carreira académica em História, trocou o curso pela licenciatura em Jornalismo e encontrou nas estórias dos outros uma voz que o chamou mais alto. Já escreveu sobre várias áreas, como política, ambiente, religião e causas sociais. Atento a tudo o que se passa em seu redor, acredita que a forma correta de viver é contemplando aquilo que é invisível ao olhar apressado da modernidade.