Na Entrevista TSF/JN, o ministro Adjunto e da Coesão Territorial, Manuel Castro Almeida, explica os atrasos no PRR e no Portugal 2030, e admite, apesar de defender a regionalização, que respeita as prioridades definidas pelo primeiro-ministro - que não passam por aquela opção
Corpo do artigo
O primeiro-ministro disse na noite eleitoral do último domingo que apesar de não ter ganho as europeias, “a AD e o Governo ganharam um novo alento para governar”. O Governo precisava de um novo alento, quando está em funções há tão poucos dias?
O Governo não precisava propriamente um novo alento, mas não faz mal nenhum receber novo alento, é sempre bem-vindo. E se é verdade que estas últimas eleições europeias foram provocar um terramoto em Paris e um abalo sério em Berlim, a verdade é que em Lisboa eu creio que sedimentou-se a ideia de estabilidade, eu penso que ficou mais clara a ideia de que temos Governo para durar. Tenho a noção que até há pouco tempo as pessoas olhavam para este Governo como um governo efémero, um governo de curta duração e creio que depois das últimas eleições, ficou mais claro que o governo está para durar, não está para acabar. Portanto, foi esse novo elã que estas eleições ditaram porque, veja bem: a AD tem um resultado bastante interessante. O partido que ganha as eleições (o PS), apesar disso, perde deputados; o partido que não ganha as eleições (a AD) mantém o mesmo número de deputados, sendo certo que a sua direita surgiram deputados que não existiam, enquanto que o Partido Socialista ganha as eleições, mas à sua esquerda perdem-se deputados e, portanto, há aqui uma configuração nova, que traduz bem essa ideia do novo alento, que dá uma ideia de um reforço da estabilidade que era útil criar-se esta ideia, e o país intuir que o Governo está para durar.
Em que é que a política de cedência às exigências dos vários grupos profissionais - na educação, na saúde, na segurança - corresponde a um aumento de despesa, e a uma redução da receita, e com isso, compromete a política orçamental e até a capacidade do governo fazer investimento público?
Olhe, eu creio que o grande critério para analisar as políticas e as decisões de um Governo é ver a adequação que essas políticas têm com o programa eleitoral e com o programa do Governo. Ouvi muitas vezes falar que havia aqui algum eleitoralismo. Ouvi a oposição dizer que o Governo estava envolvido na campanha eleitoral. Eu pergunto: viu-se o Governo tomar alguma medida que não estivesse prevista no programa eleitoral? Eleitoralismo seria tirar umas medidas da cartola para enganar o povo. Isso é que seria eleitoralismo. Ora, todas as medidas que foram tomadas eram medidas que estavam previstas no programa eleitoral. Não foi para enganar o povo! Foram as medidas que convenceram o povo a dar o voto ao partido que está no Governo.
Mas houve uma aceleração da aplicação das medidas...
Houve e repare: houve aceleração relativamente aos primeiros 15 dias ou 3 semanas em que o Governo não tomou medidas. Pudera: o governo instalou-se, tomou posse no dia 2 foi instalado no dia 12, quando teve a investidura parlamentar. Não era suposto nesta altura tomar medidas e começou a tomar medidas 15 dias depois.
Quando falo em aceleração, não é relação aos primeiros dias. Estou a pensar numa aceleração em relação àquilo que é hábito nos governos.
Mas olhe que é mesmo uma marca deste Governo e que eu acho que é uma marca para manter. Vou dizer-lhe que na semana passada, eu andei pelo país a assinar contratos no âmbito do PRR para a construção de escolas, de centros de saúde, etc... E andamos de uma forma acelerada. Senti que algumas pessoas diziam: ah, estão a fazer isto porque estamos nas vésperas das eleições. Pois bem, as eleições foram no domingo passado e eu ontem (quarta-feira) continuei. Eu, com o ministro (Miguel) Pinto Luz estivemos no Alentejo a assinar contratos, no Algarve, no Porto e em Coimbra, portanto a continuar a trabalhar ao mesmo ritmo que trabalhamos antes das eleições. Portanto, a ideia é andar andar depressa porque temos pressa. Há um programa para cumprir e há um objetivo muito determinado de cumprir o programa.
Estando no núcleo duro da coordenação política do Governo como Ministro adjunto para si, é mais difícil a coordenação interna do executivo, ou diálogo (do Governo) com o Parlamento?
O diálogo com o Parlamento é essencial. É uma referência essencial de um governo que não tem maioria no Parlamento. Eu penso até que quando há maioria, é sempre útil. O regime democrático só ganha em haver diálogo e concertação tanto quanto possível e quanto mais consensuais puderem ser as medidas, melhor para o país, seja em que país for. Agora, quando o governo é minoritário, tem obrigatoriamente que estar disponível e fomentar o diálogo com os outros partidos. É uma inevitabilidade. E eu creio que os portugueses mais atentos têm-se apercebido que tem havido essa disponibilidade, esse interesse e essa manifestação da parte deste Governo. Nós permanentemente estamos a propor aos demais partidos, entendimentos e acordos para aprovar leis no Parlamento. A verdade é que não tem havido essa reciprocidade. Do lado dos demais partidos, o que se tem visto é o entendimento entre o Partido Socialista e o Chega. É uma opção. Foi uma opção aliás, que creio que foi bem penalizadora para o Chega nas últimas eleições. É uma das razões do mau resultado do Chega. Já não é a primeira vez que quem se junta ao Partido Socialista, quem se submete ao Partido Socialista, acaba penalizado. Foi assim na extrema esquerda, e agora também na extrema direita. Portanto, quanto à questão do diálogo, há manifestamente vontade de dialogar. Eu diria: é uma inevitabilidade, mesmo que não fosse uma vontade. Só que para haver diálogo, tem que haver 2 partes. Tenho que reconhecer que agora a retórica dos partidos da oposição, principalmente do Partido Socialista a partir de domingo passado, foi de acrescentar uma nova vontade do diálogo. Vamos ver se essa retórica tem correspondência na prática política. Vamos ver. Eu quero acreditar que alguma coisa tenha mudado desde domingo, no sentido de haver uma maior abertura para o diálogo e para a concertação. Da parte do governo e da parte da AD, há essa disponibilidade desde o princípio.
Tem havido algumas substituições de dirigentes na alta administração pública. Falamos, por exemplo, da AICEP, da direção executiva do SNS, entre outros. Isto insinua que quem lá estava, não mostrou disponibilidade para se adaptar a estratégia política deste Governo ou, de facto, não estava a fazer um bom trabalho?
Eu não queria falar em concreto das pessoas da AICEP, mas percebo o alcance da sua questão. Há muita gente que acha que tem havido demasiadas substituições e essa ideia não resiste a uma análise comparada com aquilo que se passou, por exemplo, em 2016. No início do primeiro governo de António Costa, a substituição de dirigentes da administração pública foi muitíssimo superior àquilo que se passa agora. A administração pública - a alta administração pública, falando de directores gerais e conselhos de administração -, estamos a falar de muitas centenas de pessoas. Muitíssimas centenas ou mais de um milhar de pessoas. E se lhe pedir a lista das pessoas que foram substituídas, não chega talvez a uma dezena, uma dúzia de pessoas. É uma minoria ínfima de dirigentes da administração pública que foram substituídos. O princípio que eu acho que é válido - e que é a orientação do primeiro-ministro - é o seguinte: se as pessoas forem competentes e leais, e se manifestarem disponibilidade para executar as políticas que o Governo defende, e se forem competentes para isso, devem manter-se. Caso contrário, devem ser substituídas. É a vida normal. E outras, são substituídas porque chegam ao fim dos seus mandatos. Há nomeações que são feitas porque os lugares estavam vagos, mas a regra é: se as pessoas forem competentes e estiverem na disponibilidade de executar as orientações políticas do governo em funções, essas pessoas mantêm-se.
Vamos agora falar dos fundos europeus que, se calhar, é a sua pasta mais pesada e aquela que lhe dá mais trabalho. Já se pode dizer que o PRR não vai corrigir os atrasos estruturais da economia portuguesa ou ainda é cedo?
Eu acredito que o PRR não vai corrigir esses atrasos estruturais da economia, mas vai dar um contributo para diminuir esses atrasos. Eu desde há muito tempo que tenho uma grande esperança nas agendas mobilizadoras que de mal, só tem o nome. Porque ninguém percebe o que isto seja. Mas as agendas mobilizadoras foram uma boa ideia do Governo anterior.
Não arranja um nome, um nome melhor?
Já não vamos a tempo. Está escrito, consagrado nos textos e, portanto, mais vale agora não mexer. Mas eu sempre disse que foram uma bela ideia do Governo anterior, que também tem que reconhecer que depois, na sua implementação, não foi muito feliz. E não vai dar tão bons resultados como eu admiti que viesse a dar. Mas esta ideia de pôr a trabalhar em conjunto universidades com grandes empresas e com pequenas empresas na lógica de transformar o conhecimento que existe nas universidades em faturas como resultado final, transformar o conhecimento em faturas era o objetivo de todo este trabalho. Isso é uma bela ideia. E o PRR está a contribuir para isso. Vou dentro de pouco tempo visitar ou conversar com alguns agentes destas agendas mobilizadoras. Pedi já para me identificarem duas ou três que estejam a correr bastante bem, e duas ou três que estão a correr bastante mal. Depois lhes direi, para perceber justamente o que é que distingue uma das outras. O que é que podemos fazer para rentabilizar o mais possível o dinheiro que está a ser investido nestas agendas mobilizadoras. Porque é muito importante apostar na inovação. Fazer mais do mesmo, as máquinas fazem! O que é preciso é inovar. É daí que virá o crescimento da economia portuguesa. O nosso valor acrescentado tem de vir da inovação e essa inovação vem muito daquilo que se apura, daquilo que se estuda, que se investiga e que se desenvolve nas universidades, nos politécnicos, nos laboratórios do estado e também nos centros de investigação das grandes empresas.
Ainda está a zero ou já tem alguma ideia concreta sobre o que é que está mal e o que é que está bem?
Eu não queria aprofundar esse tema antes de falar com os agentes no terreno. Conheço algumas dificuldades, mas ainda não tenho uma ideia sistematizada de como atuar e é uma matéria que eu tenho que fazer em articulação com o meu colega da economia que valoriza também muito esta esta matéria.
E essa análise vai ser feita pelo coordenador da aplicação dos fundo do PRR?
Foi a quem eu pedi, justamente, que indicasse as agendas mobilizadoras principais com quem eu deveria agora conversar.
A parte nacional das verbas do PRR pode crescer, tendo em conta a inflação e o aumento dos custos, com concursos e avisos desertos. Será que Portugal vai ter que gastar mais para conseguir aproveitar as restantes verbas? Porque há projetos que são pagos a 100%, mas nem todos.
É verdade que alguns projetos foram subdimensionados. Nem diria até por erro. Estou a pensar, por exemplo, no custo das casas. O custo das casas – o PRR transfere para as autarquias em função do custo do custo da mediana do preço das casas em determinado concelho - e esse valor subiu. Aumentou, e para fazer as mesmas 26000 casas vai ser preciso mais dinheiro. E aí, o orçamento de Estado vai ter que complementar dotações do PRR. É um exemplo do que está a dizer. Por outro lado, também é verdade que há uma intensidade e um volume de obras tal que pode colocar em causa saber se há capacidade interna para poder construir um volume de obras tão grande. Nos últimos dias, eu andei pelo país a assinar contratos com municípios para a construção de escolas. Estamos a falar aqui de 450 milhões de euros. Estamos a falar de 700 milhões de euros para centros de saúde – para construção e renovação de centros de saúde. Mais 700 milhões de euros para casas. Ou seja, tudo isto vai dar cerca de dois mil milhões de euros de obras de construção civil de edifícios. É certo que isto é de Trás-os- Montes ao Algarve, mas é muita obra e é num tempo muito concentrado. São concursos que vão ser abertos agora neste Verão, para estarem no terreno em outubro, para que possam estar concluídas em julho de 2026. Este é um desafio exigente e nalgumas zonas do país até ao certo risco de poder de poder haver dificuldades em encontrar capacidade de executar tanta obra.
Vai ser preciso gastar mais dinheiro? E onde é se que vai buscar esse dinheiro?
Esta situação que eu lhe falei é relativamente marginal. Não estamos a falar de muito dinheiro.
Não há necessidade de fazer um orçamento retificativo, por exemplo, para gerir essas essas falhas?
Não. Nós estamos a falar dos orçamentos de 2025 e 2026 e não no de 2024. Não mexe no orçamento de 2024.
Em relação ao quinto pagamento (do PRR), o anterior Governo disse que faltavam cinco metas para que Portugal pudesse pedir o quinto cheque do PRR. Isto é mesmo assim? Faltavam cinco metas? E já agora, quando é que Portugal estará em condições de pedir o quinto cheque?
Deixe-me dizer-lhe que nós mandamos para Bruxelas, dentro do prazo que tínhamos estabelecido, o pedido relativo aos 713 milhões de euros que tinham ficado retidos em Bruxelas no âmbito do terceiro e quarto pedido de pagamento que o Governo anterior tinha apresentado, mas porque não estavam cumpridas todas as metas, ficaram retidos estes 713 milhões. Já garantimos o cumprimento dessas metas dentro do prazo dos 60 dias que o primeiro-ministro tinha anunciado no Parlamento, foram apresentados em Bruxelas os comprovativos e pedido esse reembolso. Agora, já estamos concentrados em criar as condições para apresentar o quinto pedido de reembolso e o nosso objetivo é apresenta-lo dentro de um mês. Ou seja, três meses depois da investidura parlamentar, o prazo que o primeiro-ministro assinalou e é o prazo que nós temos em vista cumprir. Para isso, temos que realizar um conjunto grande de marcos e de metas. É preciso explicar às pessoas que no PRR, contrariamente aos tradicionais fundos estruturais do Portugal 2020 ou 2030, não basta executar obra. Eu não peço mais dinheiro à medida que executo mais obra. Eu peço mais dinheiro à medida que vou fazendo investimentos, por um lado, mas também à medida que vou fazendo reformas. É preciso fazer legislação, alterar regras de conduta da administração pública, fazendo reformas em diversas áreas... E eram essas reformas que estavam, em grande medida, por fazer para (concretizar) o quinto pedido de pagamento. Posso dizer-lhe que, das 42 reformas necessárias para fazer o quinto pedido de pagamento, havia 15 que estavam realizadas e, portanto, havia 27 por realizar.
Então estas cinco metas que o primeiro-ministro anterior tinha falado são o quê?
Eu compreendo. O primeiro-ministro, de facto, falava de cinco metas que são as mais difíceis. Ele concentrou-se em cinco mais difíceis que as outras, mas de facto, havia 27 por realizar, cinco das quais bastante exigentes, as outras menos exigentes, mas só 15 estavam realizadas. Mas isso não interessa. Nós estamos cá é para fazer o que falta fazer. O que estava feito, estava feito, e agora temos que fazer o que falta fazer.
E é exequível?
É! Vai ser muito difícil, muito à tangente, muito à justa - com uma grande dificuldade no que respeita a um objetivo que tem a ver com a barragem do Pisão - mas vamos apresentar o quinto pedido de pagamento dentro do prazo. É para isso que estamos a trabalhar.
Queria ir ao detalhe. Já têm concerteza, um olhar para tudo aquilo que está a acontecer. O que é que neste momento está mais comprometido?
Não quero esquecer-me do seu detalhe, mas deixe-me dizer-lhe que penso que o país já tomou consciência, que este Governo toma conta do PRR sensivelmente a meio do seu período de execução e o PRR estava executado em 20%. Portanto, nós temos que, em um bocadinho menos que metade do tempo, executar os 80% que faltam. E isso é muito exigente, fazer estes 80% que faltam em metade do tempo...
Até dezembro de 2026, certo?
Na prática, até junho de 2026. É aí que estão as metas mais exigentes do ponto de vista das infraestruturas. Mas, quero dizer-lhe que o meu objetivo mais imediato é, nos próximos seis meses, até ao fim do ano, atingir 40% de execução do PRR. É um objetivo muito ambicioso, mas é a meta que tenho na minha cabeça, e transmiti aos serviços envolvidos, e que vou procurar cumprir.
E tem sustentação isso? Já com a obra que está em curso?
Sim! Fazendo notar que o que estamos a falar é execução financeira e execução das tais reformas que é preciso fazer. Já agora, deixe-me dizer-lhe que, ao mesmo tempo, temos que executar também o Portugal 2030. Esse estava ainda mais atrasado. O Portugal 2030 começou com um ano de atraso. E apesar de ter começado com um ano de atraso, levava já um ano de execução. E ao fim de um ano, estava com uma execução de 0,5%, o que é praticamente nada. O nosso objetivo é chegar ao final de 2025 com uma execução de 4500 milhões de euros, um pedaço acima dos 3100 milhões a que estamos obrigados. Isso significará, aproximadamente, atingir 20% ou muito próximo de 20% de execução em dezembro de 2025. Portanto, dei lhe aqui os grandes objetivos que temos para PRR e para o Portugal 2030. Falando de objetivos mais setoriais, há uma grande preocupação com o que se passa nas obras do Metropolitano de Lisboa. É um setor exigente, difícil e não é fácil recuperar atrasos.
Alguma linha específica, ou todo o projeto global de expansão?
É o conjunto dos financiamentos das obras do Metropolitano de Lisboa. São obras que estão atrasadas, e é o tipo de obras onde não é fácil acelerar o ritmo. A toneladora não faz mais do que aqueles metros por dia. E, portanto, não é fácil recuperar o atraso. Está atrasado, e não se vai recuperar o atraso. Apesar disso, a Metropolitano de Lisboa está a ajustar o programa para que nós possamos fazer uma pequena reformulação no PRR de forma a não perder dinheiro. Há essa preocupação de não perder dinheiro, e se não fizermos quatro estações, vamos fazer duas estações. Desde que estejam a operar, serão financiadas pelo PRR. Não queremos fazer grandes reformulações no PRR. Tenho a ideia que o Governo anterior desenhou PRR, e a este Governo compete-lhe executar. Não vamos estar sempre a pensar no que está pensado e a dar passos atrás e à frente. O país não ganha nada com isso. Mas há pequenos ajustamentos que vamos ter que fazer para não perder dinheiro. E estas obras de que lhe falo, estas alterações no programa do Metropolitano de Lisboa, são desses casos. Eu não estou com isto a dizer que as obras vão deixar de ser feitas. A natureza ou a origem do financiamento é podem ter de alteradas.
Isso não acresce custos para o orçamento do Estado? Porque o orçamento do Estado vai ter se substituir aos fundos...
Provavelmente, é isso que vai ter que acontecer.
Ou é o tal empréstimo do BEI (Banco Europeu de Investimento) que também pode vir a ajudar?
Mas sendo um empréstimo do BEI, vai ter que ser pago pelo Estado. Pode ser via orçamento de Estado ou ser empréstimo do BEI, mas será sempre um encargo do Estado.
A inclinação do território para o lado do mar, onde o litoral vai sempre tendo vantagem sobre o interior, pode ser corrigida pelo PRR ou só o Portugal 2030, enquanto Fundo de Coesão é que pode corrigir algumas assimetrias deixadas pelo desenho do PRR?
Os chamados fundos estruturais, aqueles fundos a que estamos habituados – os QCA (Quadro Comunitário de Apoio) 1, 2 e 3 , o QREN (Quadro de Referência Estratégico Nacional), o Portugal 2020 e o Portugal 2030 – eram fundos estruturais que, de 7 em 7 anos, Portugal foi negociando com a União Europeia, e são fundos que são dirigidos para atenuar assimetrias de desenvolvimento entre as regiões da Europa. Não entre os países da Europa mas entre as regiões da Europa. E nessa medida, os fundos estruturais beneficiam imenso o interior do país, as regiões mais desfavorecidas do país. Diz-se, no interior do país, que Lisboa é Portugal e o resto é paisagem. E é muito assim: há muito mais investimento e muito mais condições de vida e de bem-estar no litoral do que no interior. Mas no caso dos fundos estruturais, isso não é verdade. Os fundos estruturais investem muito mais no interior do país do que no litoral, particularmente na região de Lisboa. A região de Lisboa tem um PIB per capita muito superior às demais regiões do país e por isso, se fizer umas contas por alto, aquilo que recebe os fundos europeus é um décimo do que recebe a Área Metropolitana do Porto. E muito menos do que recebe o Alentejo, ou a região Centro...
Mas não é assim no PRR, senhor Ministro...
Estou lhe a dizer, que isto é nos fundos estruturais. No PRR, o desenho que o Governo anterior fez, foi justamente de concentrar em Lisboa muitos investimentos, porque não podiam ser feitos com os fundos estruturais tradicionais. O PRR não tinha essas obrigações de se dirigir às regiões mais pobres e, portanto, a opção do governo foi trazer para Lisboa uma grande concentração de fundos do PRR.
Então, o PRR inclinou ainda mais (o pais para o mar)...
O PRR inclinou mais sem dúvida. O PRR não foi um instrumento de diminuição de assimetrias de desenvolvimento regional de maneira nenhuma. Há que dizer que, esse instrumento é o Portugal 2030. O PRR trouxe para Lisboa, investimentos que os fundos europeus tradicionais não traziam, e trouxe para alguns ministérios que tradicionalmente estavam afastados dos fundos europeus - o Ministério da Justiça ou até, o Ministério da Defesa Nacional, o Ministério da Administração Interna, o Ministério da Saúde, que tradicionalmente não iam aos fundos europeus ou iam numa dimensão muito escassa - grandes oportunidades de investimento, por força do PRR.
Para fechar aqui o dossier do PRR, os três relatórios do Ministério Público na comissão de auditoria e controlo do PRR, fazem avisos sérios sobre situações graves de conflitos de interesses de documentos que foram negados à Procuradora Adjunta responsável, e da ausência quase total de verificações das metas e reformas no terreno. O que é que pretende mudar sobre este assunto do controlo interno?
A componente do controlo está associada, evidentemente, ao combate à fraude e ao abuso no uso de fundos europeus. Uma das primeiras medidas que este Governo tomou logo na segunda semana do Governo foi alargar o quadro de inspetores do da Agência para o Desenvolvimento e Coesão. Temos muito a ideia - e eu tenho particularmente a ideia – que, em Portugal, temos uma prática de nos dedicarmos muito a fiscalizar papéis. E os papéis aceitam tudo o que lá escrever-mos. Portanto, estar nos gabinetes em Lisboa a fiscalizar papéis, não me parece que seja muito produtivo. E o que nós fizemos na Agência de Desenvolvimento e Coesão, foi reforçar o quadro das pessoas que vão ao terreno fiscalizar as obras. Eu penso que os papéis podem não detectar muitas coisas, muitos abusos e muitas fraudes que o terreno deteta. Nós temos muito recente aquela situação que veio recentemente a público, no âmbito de uma investigação que o Ministério Público desenvolveu com Polícia Judiciária, sobre a utilização de fundos europeus no Norte do país. Segundo as notícias, havia um cidadão que estava instalado há sete ou oito anos no Hotel Sheraton, à custa dos fundos. A estadia era paga por fundos europeus. Ora, os papéis não detetam isto. É preciso estar no terreno para detetar este tipo de coisas. E é preciso estar no terreno para detetar se afinal, a máquina que se diz que foi comprada com fundos europeus, ou se foi apenas pintada. Ou se as pessoas que disseram que assinaram folhas de presença em ações de formação, fizeram mesmo essas ações de formação ou se se limitaram a preencher papéis. Portanto, é preciso ir ao terreno e eu acredito na fiscalização no terreno. Do nosso lado, há tolerância zero à fraude. Seja com fundos europeus ou com fundos nacionais, tem que haver tolerância zero. Se alguma situação for detetada e se há suspeitas, elas devem ser investigadas no seio da administração pública e também, se houver indícios de crime, devem ser participadas ao Ministério Público. Sempre! Não há exceções para isso e a orientação do Ministro responsável é fazer as participações sempre! Se eu souber de algum caso em que a participação não foi feita, tem que ser avisado para eu próprio, ir atrás da situação e garantir que a participação é feita sempre. Não há exceções a esta regra.
Foi autarca, foi dirigente nas associações de autarcas. A descentralização dos moldes em que está a ser concretizada desde o Governo socialista, é para manter ou alguma das medidas que estavam previstas no pacote da descentralização há-de ser revertida?
A descentralização é um belo princípio, e Portugal ainda é um país muito centralizado. Mas há que reconhecer que foram dados passos importantes no último Governo. Não foram perfeitos, mas foram na boa direção. Isso, é preciso dizê-lo. A nossa ideia é consolidar o processo de descentralização que foi feito e dar passos em matéria de descentralização. Sei que algumas pessoas ainda sentem medo, quando se fala em entregar mais competências às autarquias locais. Porque acham que as autarquias locais e os autarcas são uns despesistas descontrolados, e que o dinheiro muitas vezes não é bem aplicado. Gostava de trazer aqui um dado que eu acho que é pouco falado e acho que a maior parte do país não sabe e devia saber. Há muitos anos, havia câmaras com as contas muito descontroladas. Havia câmaras com atrasos de anos nos seus pagamentos. Pois é preciso que o país saiba que neste momento, as câmaras municipais são um exemplo para o Estado central em matéria de pagamentos. E se você paga a horas, é porque tem as suas contas controladas. Eu posso dizer-lhe que, hoje, dois terços das câmaras municipais do nosso país – ou seja duas em cada três-, pagam as suas faturas a menos de 20 dias. O país não tem ideia disto. E 40% das câmaras municipais pagam as suas faturas a menos de 10 dias. Apenas 6% das câmaras municipais pagam as suas faturas a mais de 90 dias. Não digo esta parte com orgulho, mas são apenas 6% fora da regra. E, portanto, a esmagadora maioria das câmaras, tem hoje as contas controladas. Não há nenhum descontrole financeiro como havia antigamente. E, portanto, agora nós temos que prosseguir a matéria de descentralização. Vale a pena fazê-lo. O país ganha com isso. Eu tenho a ideia que a proximidade ajuda às boas decisões. Quem está melhor colocado para encontrar a boa solução é quem está mais próximo do problema. Esta é que é a regra. É este o princípio da subsidiariedade e este princípio da descentralização que Portugal tem ainda um grande caminho a fazer, porque nós somos um Estado muito, muito centralizado, muito napoleónico e temos vícios de centralismo muito enraizados.
Há dias no Porto, disse que pretendia que as câmaras contratassem técnicos de informática para as escolas da descentralização. Fiquei com a dúvida sobre se vai reforçar o fundo de financiamento da descentralização ou se vão ser as câmaras a pagar os técnicos? E queria perceber se a medida é para implementar já no próximo ano letivo ou se logo se vê?
Vamos lá ver. Há essa vontade do Governo de fazer transitar para os municípios essa responsabilidade. Hoje, os municípios adquiriram já muitas competências na área da educação. Desde logo, a construção e a manutenção dos edifícios. Mas os equipamentos informáticos ainda são da responsabilidade do Ministério da Educação. Se um computador avariar, ou se uma rede precisar de um cabo, ou se precisar de ser substituído, o responsável político por isto é o Ministro da Educação. Ora, não faz sentido nenhum que a Câmara Municipal tenha a competência de tratar do pessoal auxiliar e do pessoal todo que trabalha na escola, menos os docentes, e tenha a responsabilidade das instalações, Mas tenha a responsabilidade dos equipamentos informáticos. Esta transição para as autarquias locais tem que ser feita em articulação e em negociação com a Associação Nacional de Municípios Portugueses. Eu sei que isso já foi ensaiado no governo anterior. Os autarcas não reagiram com grande entusiasmo, justamente porque há a ideia de que, quando uma competência passa para o nível municipal, as pessoas ficam muito mais exigentes. E é verdade! Mas isso não pode ser um fator de impedimento de se fazer a descentralização. Pelo contrário. Se os autarcas vão fazer melhor, é preciso transferir para os autarcas. Agora, o que também o Estado tem que reconhecer é que os autarcas não podem fazer melhor se tiverem os mesmos meios. Neste caso, porque os meios que hoje as escolas têm, são insuficientes. As escolas têm centenas de alunos, dezenas ou centenas de professores, e não tem técnicos de informática na escola. Não pode ser! Qualquer empresa de média dimensão tem um profissional de informática. As escolas também vão ter que ter. E passando a ser encargo dos municípios, é preciso que a mochila financeira equivalente, leve também o dinheiro suficiente para pagar a estes técnicos, que vão ter que estar a trabalhar nas escolas, na área de informática.
Já no próximo ano lectivo ou ainda é cedo?
Não sei se vai ser possível. Depende agora do ritmo da negociação com as câmaras municipais. Por nossa vontade, seria, mas creio que estamos já demasiado em cima da hora para conseguir fazê-lo.
Faz sentido criar parcerias para alargar os horários dos centros de saúde geridos pelas câmaras municipais, como querem alguns municípios?
A área da saúde também foi uma área onde houve níveis de descentralização com algum relevo. Os autarcas queixam-se muito que foram transferidas apenas competências. Já tinha sido assim nas escolas. Eu pessoalmente, encaro como uma boa medida, que os autarcas possam eles próprios, diferenciar os horários de funcionamento das instalações de saúde. Eu acho que isso tem tudo a ver com a realidade local, com as proximidades com outros territórios. E, portanto, é uma decisão que deve ser local. Eu vejo isso com muito bons olhos, que os autarcas possam interferir nesse processo.
Consegue ainda vestir esse fato (de autarca), quando chegam estas reivindicações dos autarcas? Consegue entendê-los bem?
Eu sinto-me sempre um autarca. Nunca deixarei de ser. Fui muito feliz como autarca. Para quem gosta do serviço público, ser Presidente de Câmara é o melhor lugar que há. Bem melhor que ser ministro ou secretário de estado. Já não comparo com o Primeiro-Ministro, que tem uma tarefa dificílima, de uma exigência enorme por comparação com a do presidente de câmara. Mas olhe que, este Governo tem vários ex-autarcas, e eu acho que o Governo ganha com isso. Não quero ser juiz em causa própria, mas ainda hoje eu estive a assinar contratos com o ministro Miguel Pinto Luz, que foi autarca também em Cascais, e a nossa maneira de falar, a nossa maneira de sentir e de conversar com os autarcas é diferente de quem não foi. Estamos mais próximos dos problemas que conhecemos, melhor a realidade. Os políticos não estão cá para outra coisa: para resolver os problemas de pessoas concretas, vidas concretas e não estar com proclamações. Os autarcas são homens de ação e este Governo também quer ser um governo da ação. De deixar as proclamações, e agir, resolver problemas, enfrentar dificuldades, e encontrar soluções inovadoras. É isso que me motiva no Governo e o que motiva o primeiro-ministro e todo o Governo.
O reforço das competências das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), nos moldes em que foi feito, não agradou aos Ministros da Agricultura e da Cultura. Mas o Senhor Ministro já disse que a reforma é para manter nestes moldes. Conseguiu convencê-los, ou a própria hierarquia do Governo ditou que a sua posição vingasse face à deles?
Aqui, não há hierarquia do Governo. Aqui, tem que encontrar-se uma solução equilibrada que tire vantagem da parceria dos diferentes setores - a agricultura, o ambiente, o ordenamento – para poderem trabalhar articuladamente. Mas também é preciso garantir que o Ministro da Agricultura, no caso concreto, tenha instrumentos para executar a sua política em todo o território. E, portanto, nós temos, como está no programa do Governo, que olhar para a realidade e garantir estas duas coisas. A agricultura é uma zona de proximidade. O resultado final desejado é que os agricultores se sintam mais apoiados e para isso é preciso uma proximidade local no terreno.
Mas as CCDR são um obstáculo à execução das políticas, seja na agricultura, seja na cultura?
Não, eu creio que não são obstáculos. Agora, temos que arranjar mecanismos de interação, de forma a que o Ministro tenha capacidade e autoridade para conseguir aplicar a sua política em todo o território.
Com a lei tal como está, neste momento?
Não tem que ser tal qual está. Temos que encontrar uma solução que equilibre os dois valores muito bem.
Já disse que a regionalização é uma boa solução. Gostava que o referendo avançasse consigo como Ministro da Coesão?
Olhe a minha posição sobre isso é muito simples. Quem define as prioridades do Governo é o primeiro-ministro. Quem define o ritmo de execução das prioridades do Governo, é o Primeiro-Ministro. Quem não aceitar estes princípios, não deve aceitar ir para o Governo.
Isso quer dizer que não vamos ter regionalização?
Como o primeiro-ministro já disse que esta não é uma prioridade neste momento, aqui tem a minha posição.
Aceita essa prioridade?
Obviamente! Senão, não estava no Governo.
É preciso alterar a (atual) lei das finanças locais?
Acho mesmo que tem que ser alterada a bem de um saudável princípio de independência e de previsibilidade nas finanças locais. Para as pessoas entenderem, até há dois ou três anos, as Câmaras recebiam todas uma verba do Estado que estava prevista na lei e que tinha critérios objetivos. Os critérios eram aplicados a todos os municípios de forma igual, de forma a que nenhum Presidente de Câmara imaginasse que se dissesse mal do governo, ia ter menos dinheiro no fim do mês ou que o Presidente da Câmara imaginasse que se aplaudisse e elogiasse o Governo ia ter mais dinheiro no fim do mês. A independência dita que o dinheiro é o que está estabelecido e que o autarca é totalmente independente, não recebe nem mais, nem menos, consoante seja mais amigo ou menos amigo do Governo. Com a descentralização de novas competências, há matérias que foram para uns municípios, e não foram para outros. E, portanto, algumas áreas da governação, algumas áreas das competências municipais, são pagas à parte. E não são pagas para todos os municípios por igual. Isto obriga a rever a Lei das Finanças Locais. É um exercício difícil, que vai ter que ser feito com a ANMP para garantir a mesma previsibilidade, porque hoje pode estar a acontecer que o mesmo serviço esteja a ser pago mais a uma Câmara do que a outra. Isto não deve acontecer. Temos que corrigir isso. Isso pode estar a acontecer neste momento e nós queremos corrigir isso.
Já este ano?
Já estabelecemos com a ANMP que esta era uma prioridade. Vamos ter que o fazer, mas ainda não começámos o trabalho. Vamos começá-lo...
Então ainda é cedo para dizer que no orçamento de 2025 isso já esteja refletido?
Acho improvável, mas é uma matéria que deve ser feita. Não é uma matéria urgente, não é uma emergência nacional, mas é um trabalho que tem que ser feito. Mas tem que ser feito com muita cautela, com muito rigor, com muito cuidado e com muito propósito.
