Maria José Ribeiro: "Vão votar, mas reflitam muito. Liberdade, democracia e paz são três vetores que nos devem acompanhar"
O Voto é a Arma do Povo: as primeiras eleições livres em Portugal fazem 50 anos e a TSF convida 25 personalidades a falar sobre a importância da democracia participativa. Com 89 anos, a resistente defende que Abril foi "um grande exemplo do que é possível fazer, não com a guerra, mas com a paz"
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Maria José Ribeiro é uma das fundadoras do Movimento Democrático de Mulheres e um rosto da resistência, tendo estado em várias frentes da luta contra o regime fascista. Com eleições antecipadas à porta, apela para o voto acompanhado de reflexão e nomeia três vetores fundamentais: "Liberdade, democracia e paz."
Para esta mulher de 89 anos, o 25 de Abril de 1974 foi, antes de tudo, "um grande exemplo do que é possível fazer, não com a guerra, mas com a paz". As conquistas feitas no que diz respeito aos direitos das mulheres e dos trabalhadores são prova disso mesmo.
"Quando a gente pensa que já passaram 51 anos sobre aquele dia tão belo, tão fantástico, que aconteceu em 25 de abril de 1974, eu penso que valeu e vale sempre a pena", confessa.
A "alegria" desse dia foi crescendo à medida que se apercebia de que a Revolução que estava em curso era "era realmente algo importante e sério", diferente de antigas tentativas que se vieram revelar falhadas. "Não era um golpe qualquer, porque o povo aderiu ao MFA [Movimento das Forças Armadas", sustenta.
A "plena ascensão das mulheres", que eram "as mais ostracizadas no tempo do regime fascista" foi, para Maria José Ribeiro, "das coisas mais interessantes".
"A mulher não tinha acesso a nada: vinha de casa, era o pai que a comandava; depois casava, muitas vezes pensando que se ia libertar, e tinha já outro senhor que a iria orientar. Foi uma luta muito grande e teve de ter muita subtileza para resistir no meio de muitas coisas terríveis que iam acontecendo", explica.
A publicação, em 1972, da obra literária "Novas Cartas Portuguesas", com autoria das três Marias — Maria Velho da Costa, Maria Isabel Barreno e Maria Teresa Horta —, destruída pela censura, mas transformada num símbolo de resistência e empoderamento feminino pela clandestinidade, denuncia de forma clara a "mentalidade e da vida daquele regime obscurantista", em que a mulher "não tinha acesso a nada, muito menos pensar".
"E quando a gente pensava um bocadinho alto naquilo que achava que podíamos fazer, ou que deveria ter sido feito, normalmente éramos apelidadas de loucas, de anormais. E vimos que aquelas três Marias tiveram coragem. Muita coragem", elogia.
A Revolução dos Cravos permitiu então às mulheres perceber que tinham dentro de si "uma força tão forte, que é verdadeira", e isso encorajou-as a juntarem-se também à mancha popular que enchia as ruas. "A gente vê as fotografias e filmes em que as jovens andam ali todas numa alegria imensa. Podia ser passageiro. Mas não foi. E as mulheres criaram consciência, participaram muito, muito, muito, e depois foram os direitos foram conquistados", nota.
As primeiras eleições livres e universais, realizadas no ano seguinte, para a constituição da Assembleia Constituinte, foram igualmente fruto de "muita luta anterior e da consciência criada por todos".
Maria José Ribeiro guarda desse dia uma imagem particular: foi em Custóias, Matosinhos, que exerceu o direito ao voto e recorda a "fila enorme" de pessoas. "Vinha, dava a volta e nas curvas. Durou o dia todo. Foram 92% a votar com alegria, a sentir que iam fazer uma coisa que lhe estava vedada, mas que era extremamente importante."
O pai, Joaquim Ribeiro, marinheiro que fez parte da primeira vaga de presos políticos a serem enviados para o Tarrafal, onde ficou encarcerado por 16 anos, foi candidato pelo PCP. Maria José Ribeiro, ainda que só o tenha conhecido com 17 anos, uma vez que este tinha sido preso quando era apenas um bebé de poucos meses, tendo até lá trocado correspondência, sempre que a PIDE o permitisse, mantinha uma ligação muito forte com o pai. Já a irmã, 20 anos mais nova, "teve um pai sempre presente" e fez questão de o acompanhar nos comícios em 1975.
"A minha irmã, que na altura ainda não tinha 18 anos, viu a força e a violência que existia, principalmente quando iam para zonas mais do interior, em que entravam numa sala e tinham depois de sair pelas traseiras, ou por outro lado qualquer, porque as pessoas estavam com um pau para dar nos representantes, porque havia falta de conhecimento e esclarecimento", lembra.
Agora, com eleições legislativas novamente à porta, marcadas para 18 de maio, a co-fundadora do MDM, projeto que nasce em 1968, evoca os valores "autênticos e generosos" de Abril, que trouxeram a Portugal o "valor supremo" — a liberdade —, para argumentar que é preciso votar, mas, antes disso, faz falta uma reflexão profunda.
"Reflitam muito em tudo o que acontece, aquilo que cada um deseja para si. Se não for mais, pensem: 'O que é que eu preciso para me sentir respeitada e o que é que eu posso fazer para dar voz àquilo que sinto, votando?'", apela.
Pede, por isso, que esta decisão não seja tomada "levianamente" e avisa que é preciso "estar muito atento a todos os sinais", sobretudo numa altura em que "a manipulação é verdadeira". "Há a manipulação de certas forças, que lhes interessa que as pessoas votem sempre num sentido. É bom que pensem que há vários sentidos", denuncia.
Maria José Ribeiro pede uma ponderação tendo em contra os interesses pessoais, mas também coletivos, algo que "muitas vezes as pessoas esquecem", e nomeia "três vetores" que devem acompanhar este raciocínio: "A liberdade, a democracia e a paz", dentro das quais é possível colocar "as coisas que nos fazem mais felizes".
Agora com 89 anos, a resistente revela profunda consternação perante um "período tão difícil a nível mundial", desde logo com a guerra na Faixa de Gaza, que já fez milhares de vítimas, sobretudo crianças e mulheres.
"É uma das coisas que mais me toca: o problema da guerra, a morte gratuita, aquelas crianças e mulheres na Palestina. Mas também penso na Ucrânia. Penso na Síria. E penso em tantos outros. Qualquer dia, nem sabemos qual é o sítio em que essas coisas não estão a acontecer. Em nome de quê? Sempre do poder, sempre do lucro, dos interesses materiais", atira.
Depois de uma revolução quase sem sangue, Portugal está há 50 anos a utilizar a arma mais forte que o povo tem: o voto. A TSF convida 25 personalidades a falarem sobre a importância da participação dos eleitores. Para ouvir todos os dias na antena da TSF de manhã, à tarde e à noite, e a qualquer hora em tsf.pt