Mário Mourão: "Só se formos empurrados da mesa a pontapé é que abandonaremos a negociação"
Autores: Judith Menezes e Sousa (TSF) com António José Gouveia (JN)
Corpo do artigo
Na Entrevista TSF/JN, o secretário-geral da UGT garante que a greve geral é para manter. Reconhece pressões sobre a tendência social democrata, afirma que evitou a "fratura" e alerta contra o risco para a paz social de um diploma sem acordo na Concertação Social.
Pediu e foi recebido esta semana pelo Primeiro-Ministro, porque é que quis envolver Luís Montenegro nesta negociação?
Bom, isto foi uma audiência, depois de tomar a decisão de ir para a rua e marcar uma greve geral, nós pedimos uma audiência ao Primeiro-Ministro, aos grupos parlamentares da Assembleia da República e ao Presidente da República. E, portanto, esta audiência que nos foi concedida foi para transmitir ao Senhor Primeiro-Ministro o porquê de termos chegado até aqui e porque é que a UGT tinha decidido tomar outras atitudes, uma vez que, à mesa de negociações as coisas estavam no impasse, não se desenvolviam, e a UGT não podia estar nas trincheiras, a UGT tinha de, face àquilo que era o impasse que se vivia à mesa das negociações, ter que procurar outro rumo e foi isso que fizemos. Eu próprio, antes de marcarmos a greve e de convocar os órgãos que têm competência para decidir a autorizar a UGT a fazer greve, falei com todos os sindicatos, quer sindicatos de maioritariamente socialistas, quer dos social democratas, quer de democratas cristãos, no sentido de expor o que é que se estava a passar e que a melhor solução seria, de facto, ter de fazer alguma coisa, porque à mesa de negociações nós não avançávamos.
Ouvimos esta semana as suas críticas à Ministra do Trabalho, considerando que é uma técnica. O diálogo com a Ministra não está a resultar?
Até agora o diálogo não resultou e isto não tem nada a ver com a Sra. Ministra, isto tem a ver com as medidas que são apresentadas pelo Governo. Eu acho que isso é importante dizê-lo: não é uma questão com a Sra. Ministra, é uma questão das medidas que estão à mesa e da visão que a Sra. Ministra tem sobre as medidas que estão na mesa. O diálogo tem-se mantido, depois da entrega deste anteprojeto em julho, houve várias reuniões bilaterais, houve reuniões bilaterais com o Governo e houve reuniões bilaterais com os empresários, com algumas associações empresariais. E a verdade é que, passado este tempo todo, o documento que nós continuávamos a ter na mesa, apesar das várias propostas, de vários contributos que a UGT ia dando durante a negociação, o documento era o mesmo de 24 de julho de 2025. Ora, não avançávamos e a UGT não poderia andar ali, porque também temos que prestar contas aos nossos mandantes, que são os sindicatos que constituem a UGT, e de facto não tínhamos nada para apresentar. Diziam que acomodavam algumas propostas que eram importantes, mas em termos de concretizar aquilo que já estava mais ou menos aproximado, o Governo não apresentava outra proposta. O que nos pareceu é que, em determinada altura, que o Governo andava a tentar fazer que negociava, simular uma negociação, para que depois do Orçamento do Estado aprovado, isto pudesse ir para a Assembleia. Aliás, a senhora Ministra chegou a dizer, numa das últimas reuniões que tivemos, e que foi isso que levou com que a UGT tomasse outras atitudes, disse que se não houvesse um acordo com a UGT, o documento que iria para a Assembleia da República era aquilo como estava de julho. Portanto, isso criou-nos ali algumas situações desagradáveis, a UGT não poderia continuar à mesa de negociações e, por isso, veio para a rua, marcou a greve geral do dia 11. Nestes últimos dias, mais de 70 sindicatos fizeram chegar, a sua adesão à greve e a disponibilizar-se para a UGT contar com eles em tudo que fosse necessário para esta mobilização, que é importante no dia 11 de dezembro.
A reunião com o Primeiro-Ministro foi apresentada como "construtiva", mas a UGT mantém a greve geral. Afinal, o encontro serviu para quê?
Este encontro serviu para que a UGT dissesse ao Primeiro-Ministro quais eram as razões que levavam a UGT a ir para outras formas de luta, nomeadamente sem excluir a greve geral. Nós estávamos desconfortáveis com a forma como as negociações estavam de ocorrer. Quando eu informei a Sra. Ministra do Trabalho, antes que ela soubesse pela comunicação social - não há nada contra a senhora Ministra, reafirmo, isto são questões que têm a ver com as medidas que estão em cima da mesa - E eu tive essa amabilidade de falar com a Sra. Ministra do Trabalho e dizer que a UGT, face aquilo que se tem passado nas negociações, vai tomar outras atitudes sem excluir a greve geral. Lamentou, enfim, que era pena que assim fosse, porque o Governo continuava disponível a dialogar e a negociar, embora depois tivesse feito algumas declarações a dizer que a UGT estava a procurar chegar à rotura, enfim, o que não é verdade, a rotura nunca aconteceria por parte da UGT. O que é certo é que, nesse dia mesmo, nos informa que vai aparecer uma nova proposta. Já a UGT tinha tomado as decisões de que tínhamos de ter outro rumo e marcar a greve.
Então não admite desconvocar a greve geral?
Não. Este anteprojeto tem mais de cem medidas. Nós desde julho que andamos a negociar e são umas doze propostas que o Governo acolheu. Como é que em tão pouco tempo nós conseguíamos evoluir no sentido de que houvesse condições para desconvocar a greve? Primeiro os órgãos que são convocados para desmarcar têm de ter tempo e portanto o tempo não existe. O Governo, no início, disse que era preciso resolver até setembro, porque depois ia para a Assembleia da República. Portanto, felizmente o Governo foi sensível à questão do tempo e já não está a condicionar as negociações ao tempo e porque isto são matérias muito sensíveis, são questões graves que estão em cima da mesa e que afetam e têm um impacto significativo na vida das famílias e dos trabalhadores. E por isso o tempo não ajuda muito a podermos aproximar posições e a construir algo que a UGT acha que é importante construir. A UGT não garante que haja um acordo. Veja, a Agenda de Trabalho Digno, que também foi para a Assembleia da República, porque não foi possível no âmbito da concitação social discutirmos isso, a UGT não deixou de dar os seus contributos e que foram acolhidos pelo Governo da altura e não assinou nenhum acordo, mas continua a dar. É o mesmo que vamos fazer com este tanto projeto, se o Governo não acomodar os nossos contributos. É ótimo, se for possível criar as condições para haver um acordo, a UGT não foge a nenhum acordo, a UGT é uma central de compromissos.
Esta última semana, alterou a sua perceção de que o Governo quer negociar ou mantém a dúvida?
Quando eu saí da reunião com o Sr. Primeiro Ministro, eu fiz declarações e quero manter isso, ou seja, foi uma reunião muito construtiva, uma reunião em que foi reafirmada pelo Governo, na pessoa do Sr. Primeiro Ministro, total disponibilidade para continuar a negociar, mesmo a seguir ao dia da greve, se necessário for, sentarmos logo à mesa. Essa foi a reafirmação que o Sr. Primeiro Ministro fez nesta audiência que concedeu à UGT. À noite eu tive a oportunidade de ver alguns excertos da entrevista que a Sra. Ministra deu, nesse mesmo dia, à noite para a RTP e fiquei logo preocupado. Nós estivemos a construir ali um ambiente propício para o diálogo e para a negociação e as declarações que a Sra. Ministra fez na sua entrevista quase que dizem, bom, as linhas mestras continuam a estar aqui e nós disto não abdicamos. Bom, isto assim não vai lá. Declarações destas, dizendo que o Código do Trabalho está desequilibrado em favor dos trabalhadores, pelo menos eu acho que isso não é minimamente sério. Bom, e depois fazer afirmações que nos levam a crer que a Sra. Ministra, aquilo que decidiu foi estar do lado dos patrões. Portanto, como um árbitro que é e que deve ser também à mesa das negociações, na Concertação Social, o Governo acho que deve ter também um papel conciliador entre as partes, entre os empregados e os empregadores, no sentido de construir pontes para que se possam sair soluções consensuais. A Sra. Ministra não tem muito usado esse papel, que é um dos papéis que o Governo deve ter também na Concertação Social, mas não é por isso que a UGT vai abandonar as negociações. Nós vamos continuar disponíveis para negociar e não vamos mudar aquilo que é a nossa atitude, que é uma atitude de compromisso, como sempre a UGT teve, e portanto vamos continuar à mesa e no diálogo permanente até que seja possível aproximar posições. Também é verdade que este anteprojeto vai acabar na Assembleia da República, e esta greve que também marcámos também é no sentido de pressionar os partidos que vão ter de decidir na Assembleia da República a aprovação deste diploma. Agora, a UGT vai continuar a fazer o que fez também com a Agenda do Trabalho Digno, mesmo depois disto e para a Assembleia da República, nós vamos continuar, junto dos partidos, a sensibilizá-los para questões que ainda devem ser alteradas, que se não fosse, não tendo sido possível alterá-las ainda no âmbito da concertação social.
Sente que o Governo está de certa forma a destratar a UGT, que manifesta essa disponibilidade para o diálogo?
Eu disse que nós tínhamos de ter muito cuidado com as declarações que prestávamos, quer o Governo, quer a UGT, enfim, os intervenientes nesta negociação, porque às vezes diz-se coisas que não ajudam muito a um ambiente de diálogo e de negociação. A UGT já fez greves com todos os governos, com governos socialistas, com governos social democratas. A UGT fez uma greve numa altura em que a Ministra do Trabalho era a Dra. Helena André, a Dra. Helena André foi dirigente da UGT, era uma de nós, e foi Ministra do Trabalho, e na altura em que foi Ministra do Trabalho a UGT convocou uma greve contra esse governo em que era Ministra do Trabalho, portanto a UGT não escolhe cores quando tem que defender os interesses daqueles que representa, que são os seus sindicatos e os associados dos nossos sindicatos. E por isso, na última reunião, foi de facto aberta uma porta novamente, porque as coisas não estavam bem, e isso é indiscutível. Foi importante a reunião que tivemos com o Senhor Primeiro-Ministro e deu-nos novamente um impulso para retomar as negociações no espírito do diálogo e da boa-fé negocial. A UGT saiu dessa reunião com este espírito construtivo, porque da parte do governo encontramos essa vontade também construtiva, e vai continuar a pensar que o ambiente é esse, independentemente das declarações que vão surgindo. E vamos lá estar à mesa de negociações para discutir e para fazermos aquilo que é que sempre temos feito, é a negociação coletiva e dar os contributos para que o documento que vá para a Assembleia da República seja muito diferente daquele que entrou na Constituição Social em julho de 2025. É isso que nós vamos fazer e não vamos desistir de lutar.
Para melhorar este ambiente, considera essencial o afastamento da Ministra de Trabalho nestas negociações?
Não, de forma nenhuma. Eu julgo que o afastamento da Sra. Ministra de Trabalho não ajudaria em nada. A Sra. de Trabalho já tem o histórico daquilo que têm sido as negociações, conhece bem as posições que a UGT tem, porque a UGT já as transmitiu e um novo ministro provavelmente não vinha ajudar. Aqui não temos nada contra a Sra. Ministra, isso que fique bem claro. Agora, achamos que quando estamos a negociar e quando estamos a fazer todos um esforço comum para nos aproximarmos das posições das partes, porque é assim que se pode chegar a um acordo, esse ambiente não tem sido visível da parte do Governo e, portanto, eu espero que isso mude e espero, sinceramente, que a negociação seja verdadeira negociação e que o diálogo seja de total disponibilidade de ambas as partes que estão à mesa.
A CGTP tem exigido que este anteprojeto seja totalmente retirado. A UGT considera que é possível trabalhar, como dizia há pouco, a partir deste documento e melhorá-lo até ele chegar ao Parlamento?
A atitude da UGT é de negociação e de diálogo, sempre foi. A UGT assinou vários acordos com vários Governos e, portanto, até já com o atual Primeiro-Ministro já assinou um acordo tripartido. Portanto, a UGT é uma central sindical, tem no seu ADN o diálogo e a concertação. A UGT vai estar na negociação e dando os seus contributos para ver se há ou não condições para um acordo, nunca antes da greve, porque isto está fora de questão, ainda faltam tantos artigos. A proposta que surgiu depois da marcação da greve é uma proposta muito inócua, há ali algumas melhorias e outras pioraram ainda em relação ao anteprojeto que tinha sido apresentado já em julho. Também puseram essa questão à UGT, ou seja, que condições possam existir para que a greve seja desmarcada ou que seja adiada. Havia uma forma, era o Governo retirar de cima da mesa este anteprojeto e começarmos de novo. Nós sabemos que o mundo do trabalho está a mudar, que a digitalização é uma realidade, que a inteligência artificial é uma realidade e que vai mudar as relações de trabalho no futuro. Agora, este anteprojeto que foi apresentado com o Governo é ouro sobre azul para as empresas quando tiverem essas transformações despedirem facilmente quem está a trabalhar. Ou seja, será muito mais barato despedir do que requalificar esses trabalhadores para aquilo que são as novas realidades do mundo do trabalho. E esta é uma discórdia que nós temos com o Governo. Outra discórdia com o Governo: então, num momento em que o crescimento económico está favorável, está a crescer, em que a estabilidade financeira é uma realidade, aliás, ao contrário do tempo da Troika, em que tínhamos pressões externas e internas para corrigir certos desequilíbrios que tínhamos, as coisas, hoje não se põe sequer essa questão. Temos um emprego a bater recordes, temos o desemprego baixo a bater recordes, com exceção naturalmente dos jovens. Então, qual a razão de num momento como este, em vez de estarmos a dar respostas, por exemplo, a um problema estrutural da nossa economia que temos, nós temos uma economia assente em pequenas e micro empresas, que não têm dimensão, que não têm escala e que têm um problema na nossa estrutura económica. Então o Governo, em vez de propor medidas para dar resposta a essas empresas, para que se possam fundir, associar, criar escala, criar dimensão, para pagar melhores salários, vem introduzir na legislação laboral a facilitação dos despedimentos, num momento em que o IEFP até tem dificuldades em arranjar pessoas que queiram entrar para o mundo do trabalho, num momento em que há falta de mão de obra. Então o que é que isto vem trazer? Isto vai fixar jovens? Não estávamos a falar ainda das atualizações da negociação, dos referenciais para a negociação coletiva, nomeadamente num dos propósitos que o Governo também tinha, era reforçar e valorizar o salário médio, nada disto está nesta medida, bem pelo contrário, vem precarizar ainda mais a relação e o vínculo laboral que os trabalhadores têm com a empresa e portanto pôr um instrumento poderoso na mão dos patrões, em detrimento de quem trabalha, em vez de encontrar soluções para respondermos à crise da habitação. Ora bem, nada disso está em cima da mesa, o que está em cima da mesa é algo que vem de facto desequilibrar, individualizar a relação de trabalho e precarizar ainda mais as relações de trabalho, isto não vai responder a nenhum dos problemas que o país tem. E também não vai resolver os problemas da produtividade em Portugal, bem pelo contrário, onde houver maior instabilidade laboral, de certeza que a produtividade também sofrerá com o impacto do descontentamento e da desmotivação dos trabalhadores. Assim também nós não fixarmos os nossos jovens em Portugal e eles vão continuar a sair de Portugal porque em Portugal é, sabem que ficando, é a precariedade, é salários baixos e é os patrões com um poder imenso que, enfim, vai tornar o mercado de trabalho muito mais instável e com muito mais perturbação social.
Ainda é possível encontrar uma plataforma comum que permita uma assinatura da UGT neste diploma?
O resultado da negociação, eu não sei qual vai ser. Se o Governo estiver disponível para abdicar de certas medidas que estão neste Código de Trabalho, desde logo a reintegração do trabalhador. Como é que é possível que um trabalhador que seja despedido ilicitamente e que recorra ao Tribunal para ser reintegrado, como é que é possível que o Tribunal, mesmo que decida que ele foi despedido injustamente, o patrão pode recusá-lo a recebê-lo na empresa novamente? Como é que isso é possível? Onde é que nós estamos? O Governo chamou o trabalho XXI. Eu acho que este trabalho é dos tempos do século XVIII ou XVII.
É inconstitucional?
Sim, há matérias aqui que eu acho que até são inconstitucionais, mas a seu tempo logo lá chegaremos. Hoje uma empresa que faz um despedimento coletivo está impedida de contratar outsourcing durante 12 meses. O que é que o Governo propõe no outsourcing? É que no dia a seguir ao despedimento coletivo a empresa possa sair e contratar um outsourcing. Ou seja, vamos despedir aqueles que têm emprego estável, digno, têm um salário que construíram de acordo com o tempo que já têm de trabalho e na própria empresa, construíram a própria carreira. Bom, é fácil, os patrões o que fazem é: vamos despedir esta gente que é mais cara e vamos pôr uma empresa de outsourcing a fazer aquele trabalho. Isto não é dar segurança, nem é convidar os jovens a ficarem em Portugal, porque viveram sempre numa situação de instabilidade.
E que expectativas é que têm relativamente sobre a revisão nestes pontos?
A negociação deve aproximar posições e deve haver cedências de parte a parte, isso é que é a negociação. Nenhuma parte pode sair a ganhar numa negociação. Temos que aproximar as posições de forma que haja um momento em que as partes que estão à mesa digam, bom, isto já nos satisfaz, isto já nos conforta e com isto já é possível ali fazer um acordo. A UGT está nessa perspetiva e, portanto, como sempre esteve. Foi sempre essa postura da UGT e dos seus sindicatos. E continuamos disponíveis para isso e vamos continuar à mesa. Eu quero dizer que só se formos empurrados da mesa a pontapé é que abandonaremos a negociação. Se não formos, nós vamos estar sempre, por mais difícil que seja a negociação, por mais trabalho que vá dar, mas a UGT não vai baixar os prazos e vai continuar a lutar para que o documento que vai para a Assembleia da República seja muito melhor do que aquele que está hoje em cima da mesa.
Que peso é que tem tido o facto de a tendência social-democrata dentro da UGT estar também alinhada nesta luta? Sentiu, nos bastidores, pressões externas sobre essa tendência para quebrar aqui a unidade interna?
Este é um processo difícil. Desta vez são os social-democratas que são vítimas de ter um governo social-democrata. Isto já aconteceu com os socialistas. Com governos socialistas também, enfim, tivemos que engolir sapos e tivemos que tomar atitudes. Vezes em que aqueles que são militantes do Partido Socialista tiveram que estar contra o seu próprio partido em determinadas vezes e isso não é fácil. Na UGT isso acontece porque tem essas tendências todas e, portanto, temos que gerir internamente para que a UGT não se fragmente. E esse foi o trabalho que eu fiz. Ou seja, havia muita gente que pensava que a proposta para a greve geral e para as lutas não ia ter unanimidade, o que era natural, a UGT é uma central democrática e é através do voto que tudo é possível, havia sindicatos que podiam não concordar. Eu contactei todos os sindicatos antes de fazer esta proposta aos órgãos da UGT e todos eles, fossem social democratas, fossem socialistas, fossem democratas cristãos, todos eles foram unânimes em dizer que, face àquilo que eu estava a colocar e face ao impasse que existia nas negociações, eles estavam com a proposta e achavam bem que a proposta fosse. E foi o que foi. A UGT votou por unanimidade, onde estão os social democratas, fortes sindicatos e federações, como a FNE, que também aprovou uma resolução que enviou para a UGT de apoio à greve e de apoio à luta, e a FNE é um dos sindicatos fortes da UGT, e maioritariamente social democrata. A pressão existe sempre, a gente não se apercebe, porque isso é entre social democratas e vão gerindo. Agora, uma coisa é certa, o que procurei foi não fraturar a UGT, porque isto traz sempre situações de desconforto, de relacionamento. Felizmente, isso não aconteceu. Não aconteceu na UGT. Foi unânime a decisão. Estamos todos imbuídos no mesmo espírito, e a negociação é o ADN da UGT e dos nossos sindicatos. E portanto, tendo isto presente, a UGT vai continuar a ser o que é, a respeitar aquilo que são as decisões dos seus sindicatos, porque quem manda na UGT são os seus sindicatos, todos eles, independente da filiação que possam ter, mas a verdade é que são independentes e as decisões são para ser respeitadas, e a UGT respeitou as decisões do órgão que tem mandato e que tem competência para decidir o que decidiu sobre as formas de luta que a UGT aprovou. A pressão existe sempre, admito que exista, como existiu com outros governos, diferentes do atual, mas a UGT é assim. Nós já estávamos preparados de que quando somos confrontados com essas dificuldades, só temos que pensar numa coisa, nos nossos sindicatos e daqueles que representamos, e isso funciona bem.
No caso do banco de horas, a ministra argumenta que até possibilita uma maior flexibilidade ao trabalhador no caso de ter de se ausentar. É trocar dinheiro por tempo?
Isto é embaratecer o trabalho. Porquê? Hoje há muitas famílias e em alguns setores que fazem horas extraordinárias até para reequilibrar o seu orçamento familiar. As horas extras fazem uma, duas e portanto negociam. E a empresa precisa e também é do interesse da empresa e paga as horas extraordinárias. O banco de horas é para não pagar. É para o trabalhador ficar lá a trabalhar e não pagar. O trabalhador trabalhou as duas horas, depois de um dia quando a empresa não precisa estar aberta, olha, vai usar essas duas horas, se você tem aqui um crédito de duas horas. O Banco de Horas é para isto, não é para que o trabalhador hoje, enfim, tenha aqui duas horas. As faltas justificadas até põem que não sejam pagas. As faltas justificadas. Portanto nós estamos perante algo que tem como objetivo reduzir o custo do trabalho para as empresas e naturalmente para tornar as relações laborais mais individuais do que coletivas, porque individualmente os trabalhadores estão mais frágeis a aceitar aquilo que o patrão chama, da linha à pesca, chama aquilo que não gosta e portanto diz, olha, agora vais ter que ficar duas horas e amanhã há mais duas horas e depois vamos pôr aqui um crédito destas horas que vais gozar numa altura em que a empresa tenha menos trabalho e tu vais gozar, mesmo que não precises de gozar, nem queiras gozar nesse tempo, vais ter que gozar porque a empresa é assim que quer. É isso que os setores e os empresários querem impor neste Código de Trabalho, que é um Código de Trabalho que conforta muito os patrões. Eu não digo empresários, porque há muitos empresários até que não se reveem em muitas medidas que aqui estão, mas alguns patrões sim. E portanto esse é um problema que nós temos e só lamentarmos que o Governo se tenha posto de um lado da mesa da concertação, do lado dos empresários.
E o que é que espera concretamente, nomeadamente dentro da conversa que teve com o Primeiro-Ministro, houve algum avanço, por exemplo, nos contratos a termo, nas questões da parentalidade?
Não, não houve negociação nenhuma. Esta reunião foi só mesmo para falarmos as questões que nos afastavam e saber se continuava a UGT disponível, mesmo depois da greve, sentar-se à mesa para negociar. Nós não falámos em casos concretos, nem falámos da greve. Portanto, as negociações são, depois, noutro fórum que não aquele. E a UGT também respondeu ao Sr. Primeiro-Ministro que continuámos com total disponibilidade para o diálogo e para a negociação.
A reunião da Comissão Permanente da Concertação Social, marcada para 10 de dezembro, entretanto foi desmarcada. Que impacto é que isso tem no processo negocial?
Nós, por acaso, até concordámos. Se temos, no dia 11, a greve geral, não fazia muito sentido que no dia anterior estivéssemos ali. E, por isso, a UGT concordou com o Sr. Ministro em ter adiado essa reunião, desmarcou o dia 10. No dia 10 os parceiros sociais do lado dos trabalhadores vão estar ocupados. Temos é que preparar a greve para que aquilo corra bem, para que os trabalhadores possam aderir à greve sem percalços. E, por isso, não foi uma desmarcação porque o Governo, enfim, como vai haver uma greve, desmarcou, mas porque também não é o momento próprio para fazermos essa reunião. E a reunião pode ser, à posterior, sem qualquer dificuldade no processo negocial.
E a mobilização que a greve vai ter ou não, acredita que vai ter peso depois do retomar das negociações?
Eu, sinceramente, temos recebido na UGT muitas manifestações de adesão à greve do dia 11, muitos sindicatos independentes, mais de 70 sindicatos já fizeram chegar à UGT a sua satisfação pelo dia da greve e a dizer que estão nessa luta e que vão estar imbuídos na mobilização dos seus associados e também por aquilo que eu percebi num debate que tive com o Tiago Oliveira, o secretário-geral da CGTP, e também isso da parte deles tem sido notório e bastante, o que significa que eu, sinceramente, estou com expectativas de que a greve do dia 11 vai mobilizar muitos trabalhadores. E esta é uma oportunidade que os trabalhadores têm, porque têm que perceber que o que está em cima da mesa terá um profundo impacto na vida dessas pessoas, na vida dos trabalhadores e das famílias. E, portanto, estes dias é nisto que estamos a trabalhar, estamos a fazer plenários em vários setores para que os trabalhadores não tenham dúvidas e para que no dia 11 adiram a esta greve geral.
E a possibilidade de um segundo dia de greve geral está completamente afastada?
Nós a seguir à greve geral temos as negociações. Não podemos também andar sempre, enfim, na greve, vamos ver se justifica ou não, mas não está nada previsto a seguir para outra greve geral, isso não está previsto.
Mas é uma hipótese que não afasta?
A greve nunca pode estar afastada de nenhum processo negocial. A greve e as manifestações são lutas que às vezes são necessárias. Há um antecessor meu que dizia que a melhor greve é aquela que não se faz. Quando se vai para uma greve isto tem também custos para o trabalhador, perdem um dia. Nós não marcávamos uma greve de ânimo leve, marcávamos quando ela é necessária. E neste momento foi necessária porque, de facto, não sentíamos da outra parte uma grande apetência para a negociação e para aceitar propostas que, segundo a outra parte dizia, eram traves mestras. Ora bem, a partir do momento que se põe estas questões, a UGT quando entrou na negociação bilateral com o governo uma coisa que disse olha, nós temos linhas vermelhas, mas não as vamos pôr em cima da mesa, porque no momento que se puser aqui linhas vermelhas significa que estamos a condicionar a negociação, a livre negociação. Portanto é bom não introduzir nestas discussões um motivo para perturbar e para limitar a discussão. Quem começou a falar mais tarde nas linhas mestras foi precisamente o governo, não foi a UGT. Para nós linhas mestras são as linhas vermelhas, chamam-lhe outro nome, e isso não ajuda naturalmente a chegarmos a bom porto naquele que é o trabalho que temos de fazer para ver se conseguimos chegar a algum acordo.
Uma lei como esta, sem o selo da concertação social, coloca em risco a paz social?
Eu julgo que sim. Eu julgo que sim, porque vamos supor que este anteprojeto iria para o Parlamento porque o governo também sente que tem uma situação confortável no Parlamento que pode aprovar este anteprojeto, porque senão também teria mais cuidado. Agora, aquilo que é a correlação de forças parlamentar hoje, é naturalmente que dá algum conforto ao governo para dizer, bom, se aquilo não tiver o respaldo da concertação social, vai ao Parlamento. Bom, mas o governo tem que ponderar os riscos que corre numa decisão dessas, e pode ir ao Parlamento e pode aprovar, mas provavelmente aquilo que se passará nas empresas aumentará a conflitualidade e a desmotivação dos trabalhadores, e a paz social que é desejável num país que precisa de continuar a crescer, num país que tem vários problemas para resolver, a paz social é muito importante. O governo terá que fazer essa opção. E eu estou convencido que o governo entende o quanto é importante que houvesse um acordo na concertação social. Isso é nítido, é percetível, não tem dúvidas, mas um acordo na concertação social significa muito trabalho para lá chegarmos e precisa muito de disponibilidade para parte a parte cederem.
E o que é que espera que o próximo Presidente da República faça quando este diploma lhe cair em cima da mesa?
Esta questão da legislação laboral tem sido ao longo das últimas semanas, um tema permanente até nas discussões e nos debates dos candidatos a Presidente da República. Há três candidatos a Presidente da República que já disseram aquilo que faziam, que eu acho que será um desses três o próximo Presidente da República: Gouveia e Melo, Luís Marques Mendes e António José Seguro. Que disseram o quê? Se o diploma lá chegar, naturalmente que vão o devolver. A concertação social tem um peso muito significativo e é um fórum de discussão e debate muito importante para o país e por isso aí eu acho que todos o valorizam.
Foi aprovado, esta semana, o Orçamento de Estado para 2026. O PS fez bem em viabilizar esta proposta com a abstenção?
Julgo que o PS também tem sido um partido de estabilidade e eu acho que num momento como este, eu acho que o PS fez bem em viabilizar. Isso tem custos sempre, nós sabemos que tem custos, mas os interesses do país e dos portugueses têm que estar acima de muitas questões partidárias e ideológicas. O não aprovar um orçamento num momento como este poderia ser pior do que tê-lo viabilizado com abstenção.
