Marta Temido à TSF: "Investimento em defesa não deve comprometer os esforços em áreas sociais"
A eurodeputada eleita pelo PS assume preocupação com a “implementação e com o acompanhamento” do pacto para migrações e asilo
Corpo do artigo
Foi cabeça de lista do Partido Socialista nas Europeias de 2024. Marta Temido defende que “habitação, emprego de qualidade e transições justas [verde e digital]” sejam temas prioritários na agenda política na próxima legislatura.
Em entrevista à TSF, Marta Temido salienta que o investimento em defesa “não deve comprometer os esforços em áreas sociais”, defendendo uma abordagem equilibrada entre recursos próprios e políticas de coesão.
Sobre o acordo para os cargos de topo na União Europeia, a líder da nova delegação socialista no Parlamento Europeu mantém confiança na integridade dos compromissos estabelecidos, destacando a importância de um trabalho conjunto contínuo e a necessidade de complementar os acordos com conteúdos sólidos. “Não nos passa pela cabeça que o acordo relativamente aos altos cargos europeus não seja respeitado.”
Eurodeputada Marta Temido, quais são as prioridades e os desafios que antevê para os próximos cinco anos na União Europeia?
A manutenção da Europa como um projeto de paz e prosperidade, como um projeto de valores, não pode pôr em causa os resultados da ação das instituições europeias na vida das pessoas. Isso leva-nos a alguns temas sentidos de forma premanente, não só pelos portugueses, mas também pelos europeus. O tema da habitação, do emprego de qualidade, das transições justas com as mudanças na área digital e das respostas às alterações climáticas. O tema da habitação é uma das prioridades que os socialistas portugueses têm acentuado mais, e temos encontrado uma larga recetividade junto da nossa família política.
Sendo a política de habitação uma questão puramente nacional, como é que o Partido Socialista pretende colocar o tema na agenda europeia?
Há uma resposta prática para isso: utilizar a margem que os tratados dão e explorá-la para ter ações políticas. Há duas outras dimensões importantes. Uma é o facto de este não ser só um problema português, gerando unanimidade em outros Estados-Membros na necessidade de encontrar soluções. Vimos com satisfação que, em conversas com outras forças políticas, esta também seja considerada uma área prioritária.
Pode concretizar?
Podemos falar de vários tipos de soluções, como a flexibilização das ajudas de Estado para permitir maior investimento nesta área, e isso não seja considerado uma fuga às regras da concorrência. Podemos falar de regras sobre novos investimentos na habitação com apoios para construção ou renovações mais amigas do ambiente, e de programas de investimento, que é o que reclamamos. No fundo, programas de investimento na área da habitação, não só a social, mas também para as classes médias e os jovens. Vamos lutar para que haja um mecanismo de investimento que permita alinhar o local, o nacional e o europeu.
Quando diz programas de investimento está a pensar naqueles que já existem - no PRR e outros fundos - ou está a pensar em novos programas de investimento?
Claramente estamos a pensar em novos programas de investimento. O que já está no PRR já está no PRR. O que dissemos em campanha é que temos uma resposta que ainda é insuficiente, mas que resultou de uma vitória dos socialistas europeus em incluir a habitação nos programas de recuperação e resiliência, com verbas significativas. Mas sabemos que este programa termina em 2026 e que o problema não estará resolvido até lá. Basta olhar para o programa da nova Frente Popular ou para o que se passa na família socialista na Irlanda, por exemplo, para perceber que todos colocamos este tema na agenda. Precisamos de um novo mecanismo de financiamento porque o problema não estará resolvido em 2026. Estamos em negociações para que os acordos para os altos cargos prossigam, e há aspetos de conteúdo político importantes, e este é um deles.
Isso quer dizer que o tema da habitação e as ideias que defende para a habitação já foram colocadas em cima da mesa, nas negociações em torno do pacote global para os cargos de topo na União Europeia?
Compreenderá que usemos de toda a discrição e reserva sobre o conteúdo dessas reuniões. Mas esta é uma prioridade sempre suscitada por Portugal e pela nossa família política.
Onde é que entra nestas discussões a questão dos investimentos em outras áreas, nomeadamente na defesa? Tem havido uma ação política da parte da Comissão Europeia, em particular de Ursula von der Leyen - que tudo indica deverá ser reconduzida no cargo, que tem sido uma das vozes mais ativas para que haja algum tipo de integração e investimento em defesa. Teme que essas ideias de propostas ligadas à habitação possam ser afetadas dada a necessidade de investimento, nomeadamente em defesa
Mantemo-nos coerentes com o que afirmámos em campanha. Para nós, o investimento em defesa, que é crítico face à alteração do contexto geopolítico, não pode ser desacompanhado do esforço em áreas sociais. É muito difícil encontrar fundos para tudo isto, mas leva-nos a outra discussão: a dos recursos próprios e da necessidade de não desguarnecer nenhuma das áreas de resposta tradicionais da Europa, como as políticas de coesão, que também poderão apoiar a habitação. O investimento de cada país na defesa tem aumentado, o que é importante, e isso deve continuar ao nível dos fundos europeus, mas não à custa de áreas socialmente relevantes.
Na legislatura que está a começar, o parlamento conta com um novo grupo político que é o terceiro mais representativo, com um reforço de uma outra ideia de Europa, ou mesmo contrária ao projeto europeu. Admite que as negociações dentro do parlamento possam ser dificultadas com o novo enquadramento político?
Naturalmente que os consensos no Parlamento Europeu são cada vez mais difíceis de alcançar com determinadas forças políticas a ganharem força e a organizarem-se em novos grupos. Isso dificulta o nosso trabalho, mas não podemos desistir.
O grupo dos Liberais, por exemplo, que integra a plataforma, ou a coligação que negociou os cargos de topo, admite votar contra Ursula von der Leyen, acusando-a - a ela e ao PPE - de estarem a negociar com a extrema-direita, com os conservadores e reformistas. Qual é a posição do grupo dos Socialistas relativamente à eleição da presidente da Comissão Europeia?
Nós temos tido trabalho conjunto, quer através da liderança dos socialistas europeus, quer através de reuniões que tivemos. Tivemos uma reunião com a presidente da Comissão e os nossos eurodeputados, onde discutimos esses temas. Na nossa perspetiva, os esclarecimentos foram claros e, portanto, a questão não se coloca porque esse risco não existirá. Os trabalhos de discussão ainda estão em curso, e o pior que poderíamos fazer era perturbá-los com comentários que dessem sinal de que as coisas não estão a evoluir.
Diz que os sinais dados pela candidata a presidente da comissão relativamente aos conservadores e reformistas “foram claros”. Também foram tranquilizadores?
Não vou entrar em detalhes da reunião. Foram mais de três horas de perguntas e respostas, e o grupo dos socialistas europeus está a continuar os contactos. Como chefe da delegação portuguesa, não nos passa pela cabeça que o acordo relativamente aos altos cargos europeus não seja respeitado. É o início de um trabalho que tem que ser complementado em termos de conteúdos, e é isso que estamos a fazer.
Vários grupos políticos têm expressado a intenção de reabrir, revistar, travar a entrada em vigor do pacto para as migrações, que ao fim de 10 anos de negociações foi aprovado. Qual a posição do Partido Socialista, se a ideia de que o Pacto Para as Migrações e Asilo ganhar força no parlamento Europeu? Como é que encara esta ideia?
Com alguma preocupação, confesso. Porque o Pacto para as Migrações e Asilo não é o pacto que os socialistas europeus desejariam, mas foi o possível. Estamos preocupados com a sua implementação e com o acompanhamento nos vários Estados-Membros. Vamos procurar garantir que o Parlamento Europeu acompanha a implementação em cada um dos Estados-Membros. Outra questão são os salvamentos no Mediterrâneo, que para nós é ponto de honra. Não podemos continuar a ter tragédias no Mediterrâneo sem uma resposta concreta.
A competitividade da União Europeia é um dos pontos da agenda política da candidata à presidente da Comissão Europeia. Mas, competitividade e direitos sociais são dois conceitos que nem sempre caminham lado a lado. Que propostas é que o Partido Socialista defende relativamente a estes dois aspetos?
É essencial alinhar as duas coisas. As grandes prioridades para a delegação portuguesa são a habitação, o emprego e as transições justas, que se ligam à competitividade. Queremos uma Europa mais industrializada, mas verde. Queremos uma agricultura que mantenha os rendimentos dos agricultores, mas amiga do ambiente. Queremos que as famílias tenham um custo de vida mais moderado, combatendo os preços excessivos da energia com a aposta nas energias renováveis. Essa aparente dicotomia não é real, é o único caminho para manter o social e o económico a funcionar em pleno. O difícil é encontrar o ponto ótimo da combinação, e nisso nem sempre estamos de acordo. Mas é por isso que temos que nos bater.