Mulheres mais à esquerda. Jovens mais à direita. Quem é o eleitor do século XXI?
As investigadoras Marina Costa Lobo e Ana Espírito-Santo estudaram o perfil de quem vota em Portugal e publicaram o livro “O eleitorado português do Século XXI”, uma edição da Tinta da China. Ideologia e simpatia são os fatores mais importantes para o voto. Serão determinantes para estas eleições europeias?
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Marina Costa Lobo (MCL), é possível definir um perfil tipo do eleitor do século XXI?
É alguém que se foca bastante na sua ideologia, no seu posicionamento ideológico e na sua simpatia partidária. Para decidir o seu sentido de voto, os fatores mais de longo prazo, como sejam a idade, o género, a religiosidade são importantes, mas no cômputo global é a ideologia e a simpatia partidária que são os mais importantes para a escolha dos portugueses. Acrescem ainda fatores de curto prazo, como, por exemplo, a polarização entre os partidos, a simpatia pelos líderes, o contexto político, a mobilização da campanha que podem até alterar essas predisposições políticas. Quando nós olhamos para o eleitorado português comparado com outros eleitorados é um eleitorado onde tendencialmente os fatores sociodemográficos são relativamente pouco importantes comparados com fatores como ideológicos e partidários e de mais curto prazo.
Este tipo de eleitor diferencia-se de alguma forma do eleitor do final do século passado?
Sim, nós verificámos isso no nosso estudo. O nosso livro inclui dados apenas até 2022, mas verificamos algumas mudanças nas eleições de 2019 e nas eleições de 2022. Por exemplo, o que se nota é um enorme grau de estabilidade do ponto de vista do perfil do eleitorado e da forma como se vota em Portugal. Mas há mudanças, especialmente a partir de 2019 e 2022, tanto a nível dos abstencionistas como quem são os votantes. Do ponto de vista do perfil dos abstencionistas passou a haver um efeito positivo da urbanidade. Quer dizer, quem vota nas cidades tem mais propensão em ir às urnas do que quem vive em espaços rurais. Também houve um aumento da tendência das mulheres para, pela primeira vez, votarem mais do que os homens, coisa que nunca se tinha verificado.
E votam mais em que área política?
Também se tem verificado nas últimas eleições que as mulheres votam mais expressivamente à esquerda do que os homens. Isto é algo que já se verificava noutros países europeus e que ainda não se tinha detetado em Portugal. Por outro lado, também em 2022, verifica-se um fenómeno novo, que é a juventude votar mais à direita, coisa que também não se tinha verificado até esta eleição e que, provavelmente, é um traço que se consolidou em 2024 e é uma novidade.
Os jovens continuam, ainda assim, a ser do grupo que menos vota...
Sem dúvida, quando nós olhamos para a abstenção, vemos que a idade é o fator principal que explica a abstenção, sendo que a juventude vota expressivamente menos do que os mais velhos. Mas há outros fatores que são importantes também, por exemplo, a simpatia partidária. Há um fator novo que se revelou nos últimos anos, que é também o sentimento de eficácia política externa, que é uma atitude política que mostra em que medida é que as pessoas sentem que a sua opinião é tida em consideração pelos políticos, e isso passou a ser importante para explicar o abstencionismo.
Os jovens continuam a ser o grupo que menos vota, apesar do surgimento de partidos que até podiam ser mais atrativos, como, por exemplo, o caso do Chega e da Iniciativa Liberal. Isso não é um pouco contraditório?
Não, não é contraditório. Quando olhámos para a participação e para a abstenção, vemos que os abstencionistas têm um perfil muito, muito mais jovem do que a população portuguesa. Mas há jovens que votam e a distribuição dos jovens que votam é que mudou nas últimas eleições, tendencialmente votando mais à direita e votando mais, por exemplo, em 2022.
A Iniciativa Liberal é um partido que tem uma proporção muito elevada de jovens, portanto, essa é uma diferença importante e até que vai mudar todo o perfil do eleitorado de direita - porque isso também é outra novidade de 2022, que se reforçou em 2024. Antes não havia muitas diferenças em termos de idade entre a esquerda e a direita, mas, em 2022, o eleitorado do PS é substancialmente mais idoso. O PS perde muitos jovens em 2022 e esta maioria absoluta é conseguida muito com incremento substancial de idosos a votar no PS e, pelo contrário, há uma tendência de aumento dos jovens a votar à direita, seja no PSD, seja na IL, nesta oferta adicional de partidos que estão a crescer à direita.
E o que é que faz com que haja menos jovens a votarem no PS? Há também aqui algum desgaste dos oito anos de governação?
Bom, essa já é uma questão diferente. Eu penso que terá de ver com isso. Terá de ver eventualmente com a mobilização dos partidos novos, terá de ver com a utilização pelos partidos das redes sociais, em que medida é que os partidos conseguem chegar a estas camadas mais jovens que são também novos votantes ou abstencionistas anteriores. Nós sabemos que, por exemplo, no caso do Chega, o partido cresceu bastante em 2022 e agora também em 2024, à custa da abstenção. Portanto, o Chega, mobiliza os abstencionistas, não apenas entre a juventude, o Chega até tem um perfil de eleitorado que é mais velho do que, por exemplo, da IL, pelo menos em 2022. Mas há aí uma atratividade que não está a ser conseguida pelo PS, nem pelo Bloco de Esquerda, nem pela CDU, nestas últimas eleições.
Falou há pouco dessa dicotomia urbano/rural e sendo que uma das conclusões a que o livro chega é que nas cidades se vota mais do que nas zonas rurais. Que fatores ajudam a explicar esta tendência nas últimas eleições?
Sim, esta foi uma tendência que se verificou nas últimas eleições. Tem sido bastante referida no debate político a questão das diferenças efetivas do sistema eleitoral nas zonas rurais das zonas urbanas, porque os círculos têm uma dimensão completamente diferente. Os círculos são maiores nas cidades em Lisboa e no Porto e aí há uma enorme proporcionalidade, não há votos desperdiçados.
Mas isso passa para as pessoas?
Sim, essa perceção leva a que nas zonas rurais ou se usa o voto útil ou então sabe-se que há uma série de partidos, que as pessoas veem na televisão e pelas quais podem ter bastante simpatia, mas que sabem que não têm probabilidade de eleger um deputado, porque os círculos têm dois ou três ou quatro deputados. Aí só os maiores partidos é que, de facto, conseguem eleger. Isso leva à abstenção.
Mas essas pessoas acabam por priorizar mais a questão do sistema eleitoral...
Aquilo que o livro mostra é que quando se veem os dados globalmente, ou seja, se juntam todos os dados desde 2002 a 2022, na verdade, até há um padrão de que a participação é mais elevada a nível das zonas rurais do que das zonas urbanas, mas esse padrão foi invertido em 2022, sugerindo que agora é o contrário. A propensão é bastante maior nas cidades do que nas zonas rurais e isso está um bocadinho em linha com esta ideia de que a insatisfação seja pelas políticas públicas, seja pela falta de oportunidade efetiva de votar nos partidos em que se quer votar, leva a uma propensão para a abstenção que é, então, este fenómeno mais recente.
Há aqui um outro fenómeno que é abordado no livro que é o conceito de polarização afetiva. De que forma é que esta polarização, que temos vindo a assistir nos últimos anos e está a influenciar o comportamento do eleitorado, está a ser visível?
Sim, a polarização afetiva mede a diferença entre a simpatia por um partido e a antipatia pelo outro. Porque nós já sabíamos que a simpatia partidária é determinante para a participação, para o voto, mas esta ideia é um conceito relativamente novo, pelo menos, da forma como ele agora é utilizado, que não só é o sentimento relativamente ao partido que gostamos mais, mas também em relação ao partido que gostamos menos. É a chamada polarização afetiva.
Aquilo que nós vemos é que os indivíduos que têm elevado grau de polarização afetiva tendem a votar mais, porque tem um incentivo à participação eleitoral. De facto, isto mobiliza para a participação eleitoral e depois na escolha do voto. São os eleitores de esquerda que tendem a ser mais polarizados, porque são os eleitores do Bloco de Esquerda e da CDU que tendem a ter uma antipatia média mais elevada em relação aos outros partidos e isso faz com que eles sejam os mais polarizados afetivamente. Quando falamos de polarização ideológica estamos a falar de diferenças entre PS e PSD e, de facto, essa polarização também ajuda à mobilização, porque a oferta partidária se torna bastante distinta e as eleições parecem ser mais importantes e vão ter mais consequências. Se o PS e o PSD estão mais distantes ideologicamente, então, faz mais diferença em quem se vota - e isso tem sido assim. Portanto, de facto, tem havido uma polarização maior, sobretudo depois do período da geringonça, em que o PS claramente faz uma aliança à esquerda e a ideia é que isto também mobiliza os eleitores, já que as eleições se tornam mais consequentes.
Ainda a abstenção. Estas europeias do dia 9 de junho vão confirmar ainda mais esta realidade ou a entrada de outros partidos nestas eleições pode apelar a uma mobilização e espera-se que os números da abstenção acabem por descer?
Nós, nestas europeias, temos umas eleições de natureza bastante diferente das legislativas e, portanto, não podemos transpor aquilo que sabemos para estas. Em 2019, houve 70% de abstenção nas europeias e, portanto, esse é o benchmark [o patamar] que nós temos para estas eleições. Há, no entanto, o facto de haver novos partidos que podem eleger deputados. Acredito que o declínio na participação eleitoral não será muito significativo.
Por exemplo, apesar de ter havido grandes facilidades na votação, a verdade é que é um fim de semana prolongado. Os líderes partidários, que são fatores fundamentais para o sentido de voto dos portugueses, e a sua mobilização para as urnas não estão no boletim de voto, porque eles não são candidatos. Os candidatos apresentados, muitos deles, não são considerados candidatos muito credíveis. Isso também desmobiliza.
E tendo em conta o tipo de eleitor que referimos no início desta nossa conversa, espera que as características que definem esse eleitor se mantenham nestas eleições?
Sim, sem dúvida, estas características mantêm-se. O contexto político é que é completamente diferente, porque estas europeias não são as legislativas, mas, de qualquer forma, os traços principais - a idade, o género, a ideologia - vão ser importantes e, igualmente, a perceção sobre os candidatos e os partidos vão ser fundamentais para as cruzes que se vão colocar. De facto, essa decisão acontece no dia eleitoral, mas, na verdade, é decidida, muitas vezes, por fatores que são muito estáveis e que não mudam de eleição para eleição.
Nesse sentido, não espera que o eleitorado tenha um comportamento diferente? Apesar de se dizer que são eleições decisivas para a Europa, com crescimento da extrema-direita, a questão da migração…
Nas eleições europeias, pela sua natureza, a abstenção tende a ser maior do que nas legislativas e também tende a existir uma tendência para não votar [de forma] útil. Portanto, os grandes partidos sofrem um pouco, tendem a ter menos votos do que os pequenos. Como as pessoas entendem que estas não são eleições tão importantes e que não têm consequências para a formação do Governo, sentem-se mais livres para escolher o partido que gostam, não fazem cálculos políticos sobre a estabilidade governativa. Outra razão é que há um círculo único em todo o país, portanto, aquele efeito que existe nas legislativas - do ponto de vista da diferença entre pertencer a um círculo urbano ou rural - não existe nas europeias, porque o voto é igual em todo o país, porque só há um círculo eleitoral. Portanto, não há votos desperdiçados nos pequenos partidos e todos os votos nos pequenos partidos são úteis para eleger.