Francisco Assis avisa que o PS não se pode acantonar na questão da saúde. Na TSF, critica a forma como o Governo de António Costa tem gerido este dossier e lembra que, ideologicamente, o partido está mais próximo do PSD de Rui Rio do que dos partidos à esquerda.
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Sem grandes apreciações em relação à ministra Marta Temido, Francisco Assis aponta a saúde como um dos exemplos em que mais se distancia de António Costa. O acantonamento do PS é um erro, diz o eurodeputado, que aponta ainda mais dois erros ao primeiro-ministro: as elevadas expectativas que criou em vários setores da administração pública e uma excessiva demonização do Governo de Pedro Passos Coelho.
Disse numa entrevista recente que o PS tinha todas as condições para ter um excelente resultado nas legislativas e que, se assim fosse, devia governar com total liberdade. Mas governar com total liberdade implica necessariamente uma maioria absoluta, coisa que o próprio António Costa já considerou virtualmente impossível. Acha que é uma forma de baixar a fasquia ou também considera que é virtualmente impossível?
Compreendo que ele diga isso e até já lhe disse que compreendo que um líder do partido não ande a pedir a maioria absoluta. Seria errado, do meu ponto de vista, que andasse a fazê-lo no atual contexto, nem acho que o pudesse fazer. Mas não tenho essa visão tão pessimista. Penso que o PS ainda pode aspirar à maioria absoluta mas, mesmo que não a tenha, se ganhar as eleições com uma grande distância em relação ao segundo partido, pode governar com muita liberdade, sozinho. Esse é o meu ponto de vista. E pode governar fazendo passar muitas das suas propostas com o apoio dos partidos situados à sua direita, pelo menos o PSD, que é o partido mais próximo, apesar de tudo ou, noutros casos, com o apoio dos partidos situados à sua esquerda. Aliás, nesta legislatura o Partido Socialista acabou por governar com o apoio dos dois blocos: nalgumas coisas os orçamentos foram aprovados com o apoio do PCP e do BE, mas houve muitas coisas também no Parlamento que acabaram por ser apoiadas, se não com o apoio, com a abstenção do PSD. Porque há áreas fundamentais do país em que há grandes convergências entre os dois partidos e isso é bom. As pessoas acham que isso é mau, eu acho que isso é bom.
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Na Saúde, por exemplo?
A saúde é um exemplo que deve ser meditado, porque nós construímos um Serviço Nacional de Saúde, de inspiração britânica, muito ligado à ideia de que o Estado deve garantir a prestação direta dos cuidados de saúde aos cidadãos mas, a verdade é que, por ação ou inação de vários governos - incluindo os nossos -, neste momento o setor privado já representa 42% do universo de prestação de serviços aos cidadãos no nosso país. E isso não pode ser ignorado. Significa que voltar completamente atrás é uma impossibilidade e é um erro do ponto de vista das opções políticas. Nós temos é que ter aqui um modelo em que seja possível garantir a convivência dos dois setores, sem que ninguém em Portugal fique prejudicado no acesso à saúde por razões de natureza económica.
E isso só é possível com um acordo com o PSD?
Francamente, acho que nós estamos mais perto do PSD - sobretudo do PSD na sua formulação mais próxima da social-democracia, que tem caracterizado, pelo menos no discurso, a liderança do Dr. Rui Rio - do que estamos do BE e do PCP. Veja dois casos concretos na questão da saúde: quando os partidos à nossa esquerda (agora eles não gostam que se diga que são de extrema-esquerda e, se não gostam, não se diz, respeita-se, pelo menos o BE. E provavelmente já não será um partido de extrema-esquerda) dizem que são praticamente contra a presença dos privados na saúde, contra as PPP na saúde... Ora o Partido Socialista não é contra as PPP na saúde e a prova é que as fez ao longo dos anos. Quando à nossa esquerda se defende a dedicação exclusiva dos médicos, esse princípio, até teoricamente, estará correto, mas é praticável em Portugal? Nomeadamente em várias áreas, em várias especialidades médicas, não é praticável, a não ser que nós tivéssemos, ao nível do Estado, capacidade para pagar, para remunerar os médicos, a um nível que não temos. E até para instalar sistemas de avaliação da produtividade dos médicos, que também não temos. Tenho muitos amigos médicos que me dizem que passaram do público para o privado porque no privado encontraram um sistema de avaliação do seu trabalho que, infelizmente, não existe no público e que recompensa o esforço, contrariamente ao público em que muitas vezes o bom médico e o mau médico, são tratados exatamente da mesma maneira. No privado, felizmente, não é isso que acontece. Portanto - e aí também temos uma diferença profunda - não sei como é ultrapassável. Acho que nós estamos a acantonar-nos numa polarização ideológica indevida, dizendo: esta lei de bases deve ser aprovada com o PCP e com o BE, quando na realidade, nós estamos, neste domínio, mais próximos do PSD atual.
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Quem é que se está a acantonar? É o PS que se está a acantonar?
Penso que o PS está a proceder mal. Este é um caso concreto em que eu tenho uma visão crítica do que tem sido o discurso mais recente produzido pelo Partido Socialista. Sou a favor e creio que há até um consenso na sociedade portuguesa, quanto à necessidade de garantir uma prestação universal dos cuidados de saúde. Porque nós não podemos, numa sociedade digna e civilizada, ter uma sociedade em que alguém não tenha acesso à saúde por não ter dinheiro para isso. Isso é um principio fundamental que nós temos que estabelecer, mas depois há vários modelos e há vários países que são tão igualitaristas como o nosso, como é o caso francês, que é um modelo diferente, em que as pessoas escolhem onde vão e depois há uma contratualização desses serviços. Nós tínhamos um modelo e o que me diziam os especialistas é que ambos os modelos têm méritos. Curiosamente, nós em Portugal estamos a fazer, sem que ninguém dê conta, essa transição e hoje o setor privado já representa 42% dos serviços prestados na saúde em Portugal. É preciso olhar para isto com princípios e com mais pragmatismo, no que diz respeito à realidade em que estamos inseridos.
Que avaliação é que faz da atuação da atual ministra da Saúde. Entre as polémicas da ADSE, dos enfermeiros...
Confesso-lhe que - não é que queira fugir à questão - como tenho estado mais tempo em Bruxelas e Estrasburgo, e a ministra é ministra há muito pouco tempo, não tive ainda oportunidade de avaliar muito. Não vi nenhuma entrevista da ministra da Saúde, não ouvi nunca a ministra falar, não tenho nenhuma opinião, julgo que estas polémicas já são anteriores, já vêm de trás, portanto não a responsabilizo por estes problemas que se têm verificado.
Nem esta guerra da ADSE?
Julgo que são coisas anteriores, não foi a ministra atual que criou este ambiente de guerra na saúde.
Mas também não o conseguiu evitar...
Também, convenhamos, não seria fácil evitá-lo de um momento para o outro. Só o evitaria por uma cedência e as cedências também não se podem fazer assim de qualquer maneira, como sabemos. Desse ponto de vista, o Governo tem que ser bastante rigoroso. Há pretensões que são justas, mas não são imediatamente atendíveis. Creio que algumas das pretensões dos enfermeiros são muito justas. Tenho um respeito por todas as profissões e um especial respeito por todas as profissões que estão ligadas à saúde, à atividade médica, à de enfermagem, porque sei em que circunstâncias essas pessoas trabalham. Trabalham em circunstâncias física e emocionalmente muito exigentes, muito mais que outras atividades e, por isso, essas pessoas têm que ser devidamente remuneradas - e na verdade não o são. Mas uma coisa é dizer isso, outra é também perceber que não é de um momento para o outro que se pode atender às reivindicações no setor da saúde.
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"Demonização do governo de Passos foi um erro"
Uma das críticas mais repetidas a António Costa e ao atual Governo é a de que criou expectativas tão elevadas que agora todos os setores acham que há condições para exigir tudo. É justa esta critica?
Acho que houve uma má gestão de expectativas numa primeira fase. Compreendo que houve uma necessidade política, num primeiro momento, até para legitimar a solução governativa inédita para que se estava a avançar, de dizer: "Isto agora mudou, a austeridade acabou, vivemos um tempo radicalmente novo." Isso, a meu ver, foi errado. Primeiro, foi errada a forma como tratámos a governação anterior. Ela era suscetível de críticas, mas também não podemos ignorar que o Governo do Dr. Passos Coelho governou em circunstâncias especialmente difíceis do país. Tinha que ter como objetivo fundamental uma redução muito significativa do défice orçamental num contexto de contratação da atividade económica a nível europeu. É muito diferente reduzir o défice em contração do que reduzir o défice em contexto de crescimento europeu. Portanto, julgo que a demonização do Governo anterior foi excessiva. E isso é negativo até para a saúde da nossa democracia. Em segundo lugar, lançou-se no país a ideia de que isto era só uma questão de vontade e que tudo se alterava radicalmente. Não é assim, como nós sabemos e estamos a percebê-lo. Há muitos constrangimentos, nomeadamente um constrangimento enorme que se coloca ao país e que tem que ver com a elevada dimensão da sua divida publica, que continua a manifestar-se e vai manifestar-se por muitos anos. Por isso mesmo, independentemente até de sabermos se o ritmo de consolidação orçamental deve ser este, ou deve ser um bocadinho mais brando - admito, contrariamente ao que pensava, que pode ser um bocadinho mais brando - nós vamos ter sempre aqui grandes constrangimentos em termos orçamentais. Numa determinada fase, fizemos um discurso excessivamente otimista, que induziu nalguns setores da sociedade portuguesa a expectativa de que tudo era possível e, na verdade, nem tudo é possível, ou melhor, nem tudo é possível já. Há muitas coisas que são possíveis e são desejáveis e devem ser contratualizadas soluções: com os professores, com os enfermeiros e com muitos outros setores da sociedade portuguesa, porque em Portugal, de facto, as pessoas ganham pouco. Isso é indiscutível. O salário mínimo é muito baixo, as pensões mais baixas são muito baixas, as pessoas vivem com enormes dificuldades, isso tudo é verdade e eu compreendo perfeitamente que as pessoas se revoltem e sintam que gostavam de poder ganhar um bocadinho mais para poderem ter uma vida um bocadinho melhor. Compreendo que tenham ficado muito contentes quando tiveram a oportunidade de a ter, compreendo isso perfeitamente, mas a verdade é que isto passa por uma contratualização progressiva no tempo e não tanto por ter dito que "tudo é possível", quando nós sabemos, de antemão, que nem tudo é possível no imediato.
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