Nacionalidade no Relatório de Segurança Interna: esquerda diz que "não é minimamente relevante", direita afasta "discriminação"
Os liberais não reconhecem "motivos para que PSD e PS" votem contra a proposta levantada durante o debate quinzenal. Ouvido no Fórum TSF, António Filipe, do PCP, alerta que este tipo de iniciativas "aparecem no campeonato da extrema-direita, para procurar associar o fenómeno da imigração à criminalidade"
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A Iniciativa Liberal propôs esta quarta-feira, durante o debate quinzenal no Parlamento, a inclusão de dados relativos à nacionalidade de criminosos e vítimas no Relatório Anual de Segurança Interna (RASI). Ouvidos no Fórum TSF, partidos de esquerda argumentam que essa informação "não é minimamente relevante", enquanto a direita assegura que "em causa não está nada discriminatório".
A proposta levantada pelo líder dos liberais, Rui Rocha, que alega insuficiência de dados no RASI, foi bem recebida pelo primeiro-ministro, que admitiu a possibilidade da inclusão desta informação.
Mário Amorim Lopes, deputado da IL, confessa que não vê motivos para que socialistas e sociais-democratas rejeitem a proposta. Fala, por isso, na existência de um "chão comum", que se impõe perante "questões ideológicas e divisões que possam existir entre partidos".
"O chão comum é que, para nós produzirmos boas políticas públicas, devemos dispor de dados e de evidência empírica. Quanto mais dados e evidência empírica, melhor. Isso não quer dizer que depois a solução, a resposta, a política pública seja discriminatória", garante.
O liberal acrescenta que a discriminação é "trabalhar no escuro", com ausência de informação, já que isso impossibilita a tomada de "decisões políticas ajuizadas".
"Se tivermos mais dados, então, pelo contrário, nós minimizados a possibilidade de estarmos a tomar qualquer tipo de política discriminatória. Não vejo nenhum motivo para PSD e PS votarem contra esta proposta, porque em causa não está nada discriminatório. Pelo contrário, está a dotar os agentes políticos de mais informação, para que no final do dia possamos tomar melhores decisões e integrar melhorar estas pessoas", reforça.
Para o social-democrata António Rodrigues, "qualquer contributo é positivo", até porque a existência de mais elementos "ajuda a interpretar o que se passa no domínio da criminalidade em Portugal".
Aponta igualmente que também o PSD tem um projeto de resolução que está à espera de agendamento, precisamente para alterar o RASI, a fim de "incluir também a definição dos crimes de ódio que são praticados de forma a excluir aquilo que é a especulação sobre esta matéria".
"Não podemos deixar de apoiar esse tipo de iniciativas", sublinha.
O comunista António Filipe, questiona, por outro lado, qual a "relevância de saber qual é que é a nacionalidade de vítimas e criminosos".
"Isso é relevante para alguma coisa? Não me parece. Qualquer dia também é relevante sabermos se o crime é praticado por gente mais alta ou mais baixa. Por gente mais gorda ou mais magra. O crime é mais grave ou menos grave se for praticado por um cidadão de nacionalidade paquistanesa ou portuguesa? O crime não é o mesmo? Deve ser relevado de forma diferente? Não", assinala.
O deputado do PCP argumenta assim que estes dados "não são minimamente relevantes do ponto de vista daquilo que importa para aferir a criminalidade". Afirma mesmo que "só são relevantes para um certo discurso político".
"Estas propostas aparecem no campeonato da extrema-direita, para procurar associar o fenómeno da imigração à criminalidade", denuncia.
Quem partilha da mesma visão é o Livre, que faz a mesma indagação: "Qual é que é a utilidade de sabermos a nacionalidade?".
Paulo Muacho defende que é mais importante perguntar a razão que leva os partidos a apelarem para a inclusão de dados sobre a nacionalidade no RASI e por que não "outros".
"Temos de ter os dados que precisamos para fazer políticas. Não vamos depois pôr todas as pessoas daquela nacionalidade no mesmo saco e tratá-las de uma forma igual. Porque, eventualmente, sim, isto vai promover a estigmatizarão", alerta.
O deputado do Livre confessa acreditar nas "boas intenções" dos liberais com a apresentação desta proposta, mas entende que é, "no mínimo, ingénua".
Já Rita Matias, deputada do Chega, recusa adiantar a intenção de voto do partido nesta iniciativa, mas garante que será analisada. Nomeia ainda outros passos que têm de ser dados, referindo como exemplo a lei da nacionalidade, que entende ser "muito permissiva".
"Qualquer pessoa consegue ter nacionalidade portuguesa e há muitos crimes que são praticados por novos portugueses. Pessoas que não são verdadeiramente portuguesas, que não têm a nossa alma nacional, que não têm sequer um compromisso sério com a nossa história, com a nossa cultura e com a tradição e que aparentemente são portugueses", afirma.
O PS foi também convidado a participar no Fórum TSF desta quinta-feira, mas rejeitou o convite. O Bloco de Esquerda confirmou presença, mas devido a um "imprevisto", não conseguiu juntar-se ao debate. O CDS não respondeu e o PAN não tinha "disponibilidade".
Na sua intervenção inicial no debate quinzenal, Rui Rocha afirmou que a ministra da Administração Interna foi confrontada com a proposta da IL no sentido de o RASI passar a incluir dados sobre nacionalidade, género ou idade de criminosos e de vítimas, possibilitando dessa forma um melhor conhecimento sobre a realidade da segurança em Portugal.
No entanto, de acordo com Rui Rocha, a ministra Margarida Blasco não esclareceu se defende ou não essa proposta.
“A IL recusa a imputação coletiva de crimes, assim como recusa a imputação coletiva de inocentes”, justificou Rui Rocha, depois de criticar o atual RASI por “insuficiência de dados objetivos”.
Na resposta, Luís Montenegro admitiu que se pode sempre “aprofundar o conhecimento da factualidade subjacente aos fenómenos criminais”.
“Creio que o RASI já é portador de muita informação a esse propósito. Aquela que recomenda, por princípio, não me parece que seja difícil e que haja algum problema na sua recolha”, admitiu.
Em todo o caso, o chefe do Governo adiantou que irá aguardar a discussão que se vai realizar na Assembleia da República.
“Presumindo que essa recomendação possa ser aprovada, vou levá-la a discussão no Conselho Superior de Segurança Interna que tem competência para apreciar, dos pontos de vista técnico e operacional, a capacidade de poder recolher e tratar estes dados”, acrescentou.
