"Não era fácil." As memórias de Clara Crabbé Rocha como 1.ª mulher à frente da Associação Académica de Coimbra
Foi eleita em 1976. Filha de Miguel Torga, Clara Crabbé Rocha afirma que “não era fácil” ser mulher e estar à frente da Associação Académica de Coimbra. Das propostas apresentadas, num mandato que durou apenas meses, lembra a eleição democrática do reitor que “caiu como uma bomba”.
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Depois do 25 de abril, Clara Crabbé Rocha juntou-se à Juventude Socialista, participando em várias atividades como comícios - entre eles o primeiro do PS em Coimbra - sessões de esclarecimentos e também na campanha para a Assembleia Constituinte. Ao mesmo tempo era estudante da Faculdade de Letras.
“Foi um tempo de ideais, de intervenção em que todos estávamos muito envolvidos nas reformas universitárias, tanto a nível dos órgãos de gestão, como da restruturação dos cursos e das reformas curriculares. Foi nesse contexto que, em 76, surgiu naturalmente a ideia de apresentar uma lista socialista às eleições para a Associação Académica.”
Em 1976, segundo Clara Crabbé Rocha, “não era fácil ser mulher e estar à frente da Associação Académica”, recordando que o país saía de uma sociedade “muito fechada e muito conservadora”.
“Com verdade, e por paradoxal que isto possa parecer, foram os setores mais à esquerda, o PCP e os anarquistas, que mais hostilizaram, mais se confrontaram com a nossa lista. Cheguei a receber telefonemas anónimos, ameaças. No dia das eleições, um grupo veio para cima de nós com cadeiras na cantina. Era um tempo de grande confrontação ideológica, de grande efervescência.”
Clara Crabbé Rocha esteve poucos meses na presidência da AAC, também devido às “clivagens ideológicas”. À TSF, recorda as assembleias magnas em que a esquerda mais radical “constantemente” os confrontava e punha a votação moções políticas que não correspondiam ao sentir da grande maioria dos estudantes que tinham votado na sua lista.
“Acabei por optar pela demissão. Era uma questão de convicções pessoais e também de responsabilização perante quem nos tinha dado o seu voto.”
Apesar de ter tido um curto mandato, Clara Crabbé Rocha deixou legado. Uma das propostas que apresentou foi a eleição democrática do reitor, um cargo que era de nomeação governamental.
“A eleição democrática era um passo no caminho da autonomia universitária. E a proposta caiu como uma bomba, na altura, no meio universitário de Coimbra. Mas a verdade é que ficou e é assim que são, hoje, escolhidos os reitores das universidades.”
Na suas lutas, Clara Crabbé Rocha reconhece a influência dos pais, o escritor Miguel Torga e Andrée Crabbé Rocha. “Quando temos pais que são exemplos de luta cívica e de envolvimento, forçosamente nos sentimos responsabilizados.”
Do escritor recorda a luta por “valores tão essenciais como a liberdade e a dignidade”. “Pagou caro essa luta. Sentiu na pele a perseguição do fascismo. Teve livros apreendidos, esteve preso no Aljube. Foi dos poucos escritores portugueses presos por delito de opinião, como se chamava na altura.”
Da mãe, que foi demitida das suas funções de professora na Universidade de Lisboa pelo regime, assinala ainda uma viagem que fez, ainda estudante em Bruxelas, a Espanha. Foi em plena Guerra Civil para dar apoio aos republicanos e para levar cobertores, mantimentos e visitar orfanatos.
“Dois exemplos assim, forçosamente nos responsabilizam e nos interpelam”, conclui.
Depois da demissão da AAC, Clara Crabbé Rocha ainda fez parte da lista de deputados à Assembleia Legislativa, acabando por optar “por uma vida universitária”. “Era realmente a minha vocação e que me trouxe as alegrias e as recompensas de outra forma de atuação”.
