Não foi "liberdade de expressão". As palavras de Ventura foram "claramente um discurso discriminatório e xenófobo em relação a outro povo"
O investigador especializado em bio-informática na entrevista ao TSF Europa. A prioridade na agenda ambiental, as guerras, o combate às desigualdades, o discurso do ódio versus liberdade de expressão. Francisco Paupério, candidato do Livre ao Parlamento Europeu, garante que tem o apoio do partido e de Rui Tavares.
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Francisco Paupério, 29 anos, natural de Leça da Palmeira, Matosinhos.É Investigador, biólogo, com especialização em bioinformática. Está a fazer o doutoramento em Biologia Integrativa e Biomedicina no Instituto Gulbenkian de Ciência onde estuda “a evolução de bactérias através de métodos in silico”.
Está envolvido na associação VERDE, onde integram a conservação e regeneração da natureza no dia-a-dia dos portugueses. Trabalham também para fazer compensação de carbono, especialmente através da protecção de “gigantes verdes” (árvores de grande porte). Faz ainda parte da comunidade LIDERA, em que pretendemos efetivar a transição de Portugal para uma sociedade sustentável, com foco na acção climática, actuando na componente da educção e empoderamento de jovens activistas na área do ambiente.
Já trabalhou em diversos sectores: foi Data Scientist numa start-up, explicador por contra própria e já obteve 3 bolsas de investigação em que publicou 3 artigos científicos em revistas internacionais e nacionais. Actualmente, é membro da Assembleia do LIVRE e cabeça de lista escolhido por votação aberta a não militantes a estas eleições para o Parlamento Europeu.
Se tivesse que escolher uma música para identificar o Livre, qual é que escolhia?
A Grândola Vila Morena, que é a que também tocamos sempre nos nossos congressos e que simboliza bem a liberdade e a alegria que o Livre tem.
Eu quando o vi no Congresso do Livre, lembrei-me de uma banda espanhola dos anos oitenta e noventa, El Ultimo de la Fila. Escolheu aquele lugar lá atrás ou foi o lugar que a organização do Congresso lhe reservou?
Não, eu até estive na primeira fila, estive nas filas do meio e estive nas últimas filas. Eu fui variando ao longo do congresso porque também queria estar com diferentes pessoas e então foi natural essa... Nós não temos lugares marcados e portanto foi natural eu ir rodando.
Foi circulando?
Fui circulando porque eu também queria estar com pessoas diferentes e queria até ver diferentes perspetivas do congresso e, curiosamente, eu gosto sempre de estar nas filas de trás porque permite ter uma visão mais abrangente de tudo.
Quais são as suas principais prioridades, caso seja eleito?
Nós temos uma prioridade que é apresentar um novo pacto verde e social, um novo modelo de desenvolvimento que coloca a transição energética e a transição ecológica na linha da frente, mas com uma parte social que foi também esquecida neste último mandato e que é tão ou mais importante do que a transição energética que temos que fazer. E portanto, nós queremos apresentar este novo modelo com várias medidas, seja a nível do trabalho apresentando uma Carta Europeia do Trabalho Justo, seja também através da apresentação de uma nova dimensão para a PAC, da Política Agrícola Comum, em que queremos reduzir o investimento que fazemos nas grandes empresas e na agricultura intensiva e passar a investir em pequenos e médios agricultores, em agricultura familiar e sobretudo na agricultura local que favoreça também não só colheitas mais resilientes, mas também a proximidade do transporte de alimentação. Queremos também apresentar uma proposta para uma nova Comissão, a Comissão dos Oceanos e no fundo agregar todas as políticas que estão no setor oceânico e marítimo, nomeadamente pescas, transporte marítimo e associar tudo numa Comissão, porque é isso que também nos vai permitir olhar para o oceano e olhar para o mar, e não só do ponto de vista económico.
Portanto, haver um comissário ou uma comissária só para os oceanos?
Exatamente, tanto uma comissão no Parlamento Europeu como também haver uma pasta dos comissários e até fazemos esse répito para que nós, portugueses, tenhamos esse comissário dos oceanos que também combina muito com aquilo que é o nosso país.
E acredita mesmo que vai ser eleito?
Eu e o Livre acreditamos que vamos ter finalmente a representação parlamentar que tanto desejamos e que em 2014 estabelecemos como objetivo. Acreditamos muito na coragem da nossa mensagem, a forma como está a ser interpretada na rua. Vemos esse crescimento no dia 10 de Março, continuamos a ver esse crescimento neste Congresso e até nas festas do 25 de Abril. Nós estamos a perceber que há aqui um eleitorado da esquerda verde europeia muito presente em Portugal e, portanto, estamos a contar com esse crescimento e com a eleição.
Rui Tavares já lá esteve, primeiro pelo Bloco de Esquerda, depois como independente após abandonar o partido… que conselhos é que o coordenador do Livre lhe deu?
Obviamente que o Rui Tavares tem muita experiência e fomos trocando impressões até sobre o que é que pode ser esta ação do Livre no Parlamento Europeu. E temos utilizado isso, no fundo, até para acelerar, depois da eleição, a efetividade e o pragmatismo do nosso trabalho. Porque nós sabemos que as instituições europeias, para além de serem ainda pouco transparentes, são difíceis de perceber até durante os primeiros anos e é uma valência enorme o LIVRE ter um ex-eurodeputado que nos vai auxiliar também, especialmente no período inicial, a tentarmos ser mais eficazes até nas propostas que colocamos.
Houve muita discussão interna e externa à volta do método da sua eleição. O Rui Tavares disse que vai votar em si e ajudar na campanha, ou nem por isso?
Claro, eu conto com o Rui Tavares e conto toda a gente do LIVRE para ajudar na campanha e sentimos esse partido que está unido e nós vimos no Congresso. O Congresso foi um Congresso muito alegre, muito bonito, em que conseguimos olhar tanto para prioridades internas e nacionais como prioridades externas e acho que deu essa força também de início de campanha, que tanto desejamos. E claro, conto com toda a gente e, como é óbvio, o Rui Tavares vai votar no LIVRE.
Não ser eleito seria um mau resultado seu, ou seria uma responsabilidade do Livre em primeira instância?
Não sendo eleito, considero sempre que há uma responsabilidade minha porque, afinal, acabo por dar essa representação mas depois tiraremos as ilações, dentro do partido, sobre o que é que correu menos bem, o que é que podia ter corrido melhor, como em todos os processos que fazemos internamente para depois melhorar no futuro e não cometermos os mesmos erros.
Porque é que pensa que as pessoas votaram em si na votação aberta que foi feita?
Eu fiz um caminho há um ano próximo das comunidades sobretudo para falar de política europeia; ou seja, havia uma parte que eu queria também desenvolver que era, no fundo, de literacia sobre as instituições europeias que eu considero importante, especialmente no combate que no LIVRE nós lutamos que é contra as alterações climáticas, pela proteção da democracia e direitos humanos e considero que essa mensagem teve sucesso e isso também foi repercutido nas primárias com essa votação. Acho que houve uma aproximação junto do eleitorado, uma aproximação do partido também ao eleitorado e eu considero que isso são vantagens até para o futuro.
Já apresentou aqui algumas das linhas que considera prioritárias caso seja eleito para o Parlamento Europeu. Li que uma das coisas em que insiste é na questão da justiça intergeracional. Falta justiça intergeracional na União Europeia?
Não só na União Europeia, também cá em Portugal sentimos falta dessa justiça intergeracional que no fundo é conferir justiça a todas as gerações que estão cá e que vêm no futuro. E nós vemos isso através da representação; por exemplo, nós olhamos para o Parlamento Europeu e vemos que os jovens estão subrepresentados comparativamente às pessoas mais velhas e o que nós também queremos...
Os jovens, as minorias, todas as minorias?
Sim, as minorias sim, mas os jovens nem sequer são uma minoria, não é? Assim como as mulheres que também estão subrepresentadas; portanto não é só uma questão de minorias, é uma questão de representação, até em algumas maiorias e portanto, nós consideramos que tem que haver aqui uma justiça intergeracional não só na representação mas também nas propostas que apresentamos. E quando falamos de democracia, quando falamos de alterações climáticas, são tudo fenómenos que vão afetar sobretudo não só estas gerações, mas também as próximas. E estar a fazer políticas a médio prazo e a longo prazo não só vai beneficiar as que estão vivas atualmente, mas também as que estão vivas, mas também as que virão no futuro. A intenção do LIVRE é pensar sempre na sustentabilidade não só do planeta mas de todo o sistema democrático, de segurança social e por isso é que nós temos propostas até mais arrojadas, diria, do ponto de vista do estado social como o rendimento básico incondicional, a redução da jornada de trabalho, porque nós consideramos que a sociedade tem que se mover no sentido dessa sustentabilidade para todas as gerações.
Essa subrepresentação de alguns grupos sejam minorias, sejam algumas maiorias acaba por explicar a falta de diálogo entre atores políticos e os cidadãos, nomeadamente na agenda ambiental?
Exatamente, nós consideramos que falta representação e que essa representação no fundo dá visibilidade a lutas que não são tão visíveis ou que não são tão vocais porque não temos essa representação e podemos falar até nos direitos das mulheres. Neste momento,na União Europeia, um homem e uma mulher que trabalham no mesmo posto de trabalho: o homem ganha mais de 16% do que a mulher; portanto, há assimetrias que são realçadas por esta falta de representação, porque realmente um homem no Parlamento Europeu não terá tanta susceptibilidade para falar destes temas. Nós, no LIVRE, temos essa vantagem de trabalhar em comunidade e em cooperação; e portanto, todas as lutas que temos internamente passamos através do nosso representante. Portanto, eu não vou apenas falar daquilo que me é muito mais próximo a nível pessoal como as alterações climáticas, mas também quero falar do direito das mulheres, do direito das minorias, da violência de género, da proteção ambiental, até de aspectos económicos, de investimento público nas transições energéticas que temos que fazer e isso é a vantagem que eu vejo no LIVRE: é que conseguimos ter esse discurso independentemente da nossa representação.
“Não interessa muito o que realmente quero ser, mas sim que problemas sociais queiram intervir e como os posso resolver.” Porque é que este é o seu lema?
Este foi o meu lema, no fundo porque eu sempre tive alguma dificuldade para saber o que é que eu queria fazer enquanto trabalho, mas sempre percebi que aquilo que me motivava no dia-a-dia era reduzir as desigualdades. A mim o que mais me impacta são ver desigualdades, seja na rua, seja digitalmente, seja em termos de direitos, seja em termos económicos. E o que eu pretendo no fundo é reduzir essas desigualdades e considero que o LIVRE tem as melhores propostas para o fazer.
Continuar a ajudar a Ucrânia vai implicar a continuação de muito gasto de dinheiro público na União Europeia, digamos assim. Defende a continuação ou até o reforço dessa ajuda?
Nós defendemos que temos que manter esta defesa da União da Ucrânia com fundos europeus e com fundos nacionais se possível. Consideramos é que primeiro temos que definir uma política externa comum da União Europeia e uma política de defesa comum para precisamente poupar em termos de recursos.
Porque normalmente o que está a acontecer neste momento é que temos a duplicação de custos de defesa. E se nós quisermos aumentar, como tantos partidos reclamam, este orçamento da defesa, nós temos a opinião que primeiro temos que torná-la comum, para permitir que estes custos de duplicação sejam reduzidos e assim ganharmos mais disponibilidade financeira sem ter que aumentar o orçamento para a defesa, mas sim ter uma gestão mais eficaz desse orçamento. Em relação à Ucrânia, o LIVRE é firme na defesa da Ucrânia, apenas consideramos que a União Europeia deve auxiliar a Ucrânia nos termos que o povo ucraniano quer. E portanto nós neste momento não somos vocais no cessar fogo porque consideramos que o povo ucraniano não quer para já esse cessar fogo, quer a defesa integral do seu território e o LIVRE continuará a apoiar essa intenção do povo ucraniano.
Ou seja, o Livre apesar de ser um partido de esquerda e ao contrário de outros partidos de esquerda portuguesa e europeia quer, sendo esse o desejo dos ucranianos e os estudos de opinião que vão sendo feitos indicam isso, quer continuar a ajudar a mandar armas para a Ucrânia…
Idealmente sistemas defensivos, ou seja, primeiro proteção individual e depois sistemas defensivos sempre, nunca numa ótica de ataque ou de contra-ataque. Mas o que nos difere da esquerda é que nós condenamos qualquer que seja o ator que viole direitos humanos, que viole o direito internacional. Portanto a Rússia é um Estado invasor e portanto nós vamos proteger sempre a autodeterminação dos povos, seja no caso ucraniano seja no caso palestiniano.
Qual deve ser a estratégia europeia no caso palestiniano na questão do Médio Oriente?
Nós, desde a nossa fundação, em 2014, fomos muito vocais em relação, primeiro à solução dos dois Estados; e portanto, o reconhecimento formal do Estado palestiniano, consideramos que esse é o primeiro caminho; e depois, cumprir com o direito internacional e com a proteção das suas fronteiras.
Mas que avaliação é que fazem do trabalho das instituições neste caso, ou seja, relativamente a essas duas guerras, a esses dois conflitos, a Europa tem feito tudo o que pode e tudo o que deve?
Infelizmente, nós tivemos duas reações diferentes nestas duas guerras. Tivemos no caso ucraniano, apesar de velocidades diferentes, a mesma direção de defesa do povo ucraniano, recebemos mais de 6 milhões de refugiados num espaço de meses na União Europeia e estes refugiados foram bem integrados na nossa sociedade e tivemos, a nosso ver, uma resposta positiva em relação a este cenário de guerra. Em relação ao caso palestiniano tivemos o contrário, tivemos várias direções de comunicação, tivemos o alto comissário a tentar proteger a Palestina e a mandar mais fundos humanitários para a Palestina, no entanto tivemos a Presidente da Comissão e a Presidente do Conselho Europeu a irem apertar a mão ao Primeiro Ministro de Israel e tivemos aqui duas direções opostas, que o Livre condena. Nós vamos estar sempre pela defesa da luta do povo ucraniano e, neste caso, precisamos mesmo de um cessar-fogo: já morreram cerca de 15 mil crianças neste espaço curto de guerra e não podemos compactuar com um Estado como Israel.
Está preocupado com o aumento do discurso de ódio na Europa?
Uma das principais prioridades neste Parlamento Europeu é considerar o discurso de ódio e os crimes de ódio como crimes europeus, algo que neste momento não é e o que isso iria permitir era colocar numa base legal estes discursos de ódio que depois o tribunal, não só europeu mas também todos os tribunais nacionais, pudessem atuar sobre isso. É uma proposta do Livre para estas eleições.
E aquilo que foi dito a semana passada na Assembleia da República pelo deputado e líder do Chega, André Ventura atinge esse ponto, é crime de ódio ou é apenas liberdade de expressão?
Não, não consideramos que seja liberdade de expressão. Foi claramente um discurso discriminatório e xenófobo até em relação a outro povo; e portanto, o Livre condena essas declarações. Considerámos na altura que devia ter havido uma intervenção se calhar mais exigente do Presidente da Assembleia e consideramos que não tem lugar nem na Assembleia nem fora da Assembleia: isso não é liberdade de expressão, é mesmo um crime e portanto isso tem que ser dito e tem que ser reforçado, especialmente numa câmara tão importante como a Assembleia da República.
Quando olha para o quadro geral deste país, para a atualidade que acompanha, o que é que mais o preocupa e inquieta na vida portuguesa atualmente?
Eu vou assinalar, se calhar, dois problemas: um é a crise da habitação. Nós vemos infelizmente muitos jovens, muitas famílias, que têm de sair de casa, vemos casos de relacionamentos que acabam mas em que as pessoas têm de ficar na mesma casa por falta de condições económicas, o que afeta a saúde mental dessas pessoas e portanto nós temos propostas para este Parlamento Europeu. Apesar da habitação ser uma componente nacional, nós vimos que neste PRR nós conseguimos ter um investimento público em reabilitação de casas para arrendimento acessível.
E aparentemente a habitação é um problema que extravasa as fontes portuguesas…
É transnacional, apenas uma ou duas cidades conseguiram fugir desta especulação imobiliária que foi Viena de Áustria, em que realmente 40% é habitação pública e tem um projeto desde os anos 20, 30 de habitação pública que agora neste momento permitiu a manutenção de preços de qualidade para toda a gente.
E já agora, já lá vamos, mas curiosamente é uma cidade com uma com uma percentagem de imigração bastante considerável…
Exatamente, e vive-se harmoniosamente lá, mas lá está, foi uma estratégia pensada a longo prazo, algo que eu penso que os nossos políticos não reforçam quando falam na crise da habitação e em medidas para combater a crise da habitação, não explicamos que normalmente essas medidas não vão ter efeito a curto prazo, não é? Só terão a médio e a longo prazo. Mas nós temos propostas que passam por continuar com este investimento público, não só neste PRR mas em próximos fundos de investimento europeus, em que realmente possa haver uma parte para a habitação pública que pode ser canalizada para arrendimento acessível e depois podemos ter outro tipo de propostas, nomeadamente relativa a vistos gold, ou seja, acabar com todos os vistos que promovam a especulação imobiliária e contribuam para o aumento de preços.
Habitação e além disso?
Além disso, o crescimento dos populismos e da extrema-direita porque consideramos que são mesmo uma ameaça não só à democracia portuguesa, mas também à democracia europeia e à União Europeia.
Nós vemos até que a extrema-direita tem muitas ligações a Putin e à Rússia, sabemos que estão a fazer um trabalho de degradação das instituições e esse trabalho vai ser bem-sucedido se não houver uma maioria progressista que os tente parar, não só no Parlamento Europeu, mas também aqui na Assembleia da República e o livro é muito vocal na defesa da democracia, na defesa da pluralidade e na defesa do respeito pelos direitos humanos.
As migrações vão ser um tema, ou estão a ser um tema bastante sensível na campanha, nas eleições de 6 a 9 de junho nos 27 países membros da União Europeia. As duas famílias europeias com os chamados partidos de extrema-direita ou da direita radical populista têm intenções de votos que combinados chegam às vezes a ultrapassar os socialistas e democratas, ou até chegar ao nível do Partido Popular Europeu, que é a família política mais representada no Parlamento Europeu.
Embora essas duas famílias o Identidade e Democracia e os Conservadores e Reformistas não estejam coligados e tenham alguma dificuldade em entender-se entre si, pelo menos é o que tem acontecido até agora, o que não quer dizer que não possa acontecer, mas o Francisco tem consciência de que perante este previsível aumento da votação nestes grupos vai ser mais difícil ainda evitar que a União Europeia se transforme ainda mais à volta de um conceito de fortaleza?
Infelizmente nós vemos nestas sondagens o aumento da direita radical e da extrema-direita, mas não me preocupa neste momento a questão dos entendimentos, porque nós vemos claramente, no caso do Chegue e do ID, são pró-Rússia, são pró-Putin, e no caso da direita radical dos conservadores dizem-se ainda a luta pelo povo ucraniano e pela União Europeia, não são anti-Europa, portanto vejo com muita dificuldade que possa haver esse entendimento, a não ser que mudem novamente de posições, o que também não seria raro de se ver. Mas algo mais grave do que até essa projeção são as palavras de Von Der Leyen do grupo EPP (PPE, no acrónimo português, Partido Popular Europeu, ao qual pertencem OSD e CDS), que diz que dependendo do crescimento do grupo dos conservadores e reformistas (ECR) que poderá fazer essa aliança. E algo que nunca aconteceu na União Europeia e no Parlamento Europeu, foi a presença dos conservadores nas mesas de negociação, ao ponto de estarem envolvidos com propostas, com medidas, e nós tememos que aconteça o que aconteceu cá, que é a normalização de um discurso mais radical, como aconteceu com o Pacto das Migrações. Este Pacto das Migrações já tem muitas propostas que vêm dos conservadores e, infelizmente, nós vimos que foi até assinado pelo PS e pelo grupo do PS, que consideramos estar mais à esquerda, e no entanto já tem muitas preocupações e muitos mitos até levantados pela extrema-direita nesse pacto para as migrações.
Permite separar famílias, permite deter crianças, permite pagar para não receber um refugiado, ou seja, colocar um preço no custo de uma vida. Portanto, o que nós vemos é que infelizmente o discurso da extrema-direita já está a contaminar o centro democrático, o centro-direito democrático. E esse para nós é o nosso principal problema, nós tivemos ainda há duas semanas um apelo dos grupos da esquerda, dos verdes, dos liberais, dos sociais e democratas para colocar linhas vermelhas em relação a estes dois partidos de direita radical e de extrema-direita, ao qual o grupo popular europeu, o grupo da AD, respondeu negativamente e não assinou este acordo.
E quando temos estes sinais do EPP e da AD, coloca-nos numa situação até mais perigosa, porque percebemos que a luta pelo poder da Comissão Europeia, neste momento, dentro da AD, vale tudo. E vale até coligar-se com pessoas que são pro-Putin ou até pessoas que são anti-Europa ou anti-Esta Europa, como os grupos dos conservadores muito falam.
Em relação a esta, à questão das migrações, o que é que defende que seja feito, por exemplo, a nível nacional? Porque, obviamente, muita gente ficou incomodada, pelo menos com as imagens que vimos à porta das instalações da AIMA, em Lisboa e no Porto...
O que é que deve ser feito? Do ponto de vista internacional, nós falamos apenas das fronteiras e da segurança e aí nós temos regras criteriosas para receber imigrantes que têm que cumprir X condições para para entrar. Agora, há um problema na União Europeia, que é o de não haver seguimento após a essa entrada. Isso vai depender de cada Estado-membro e os Estados-membros não estão a conseguir fazer esse processo de integração num nível eficaz e nós vimos estas semanas as filas à porta do AIMA, vimos as pessoas, muitas delas migrantes sem abrigo nas ruas da capital e do Porto, por exemplo, e o que nós temos de fazer e o que o nosso governo tem de fazer é promover estratégias de integração.
Infelizmente, estas estratégias até foram desenhadas mas nunca foram cumpridas. Nós precisamos de investimento europeu e aí o LIVRE também defende um aumento dos fundos para fazer esta integração, mas também precisamos de mais projetos e precisamos de dar voz a esses projetos. Nós temos casos, cá em Portugal, de sucesso.
Nós temos no Fundão uma comunidade local e uma comunidade também de imigrantes, de vários países, de vários setores que vivem harmoniosamente. Temos pela primeira vez numa cidade do interior crescimento populacional. Estamos a debater agora ou debatem no Fundão se vão abrir escolas ou se vão abrir salas de aula.
Isto são boas notícias para a comunidade local que veem também o crescimento económico da cidade, o crescimento de serviços na cidade e o que nós temos que mostrar é que a imigração pode ser muito positiva para as comunidades locais. Não podemos é cair na narrativa da insegurança, não podemos cair na narrativa de que estamos a receber mais gente do que o que podemos. Eu volto sempre a falar, nós num espaço de meses recebemos 6 milhões de ucranianos na União Europeia e não houve qualquer problema de integração. Houve apenas fundos, houve uma narrativa positiva em relação a essa imigração e houve aquilo que é solidariedade europeia e que o LIVRE tanto acredita no projeto europeu, ser um projeto de paz, solidariedade e cooperação.
Nós conseguimos fazer com o povo ucraniano e conseguimos fazer certamente com outros povos. Mas aceitam os argumentos de partidos mais ao centro ou até na direita moderada, pelo menos que dizem que e se quisermos, tem sido também esse um dos argumentos usados pela própria candidatura do Chega, que para receber as pessoas é preciso ter condições para isso, para as pessoas não viverem de forma indigna. Sim, e a verdade é que essas condições já existem no Pacto das Migrações e também nas nossas leis.
Uma pessoa para entrar tem que ter cerca de 2.500 euros na conta, tem que demonstrar ter... Não, mas as condições são do próprio país que recebe, ou seja o país não deixar depois as pessoas como se fosse, por exemplo, nos Anjos em Lisboa. Claro, porque o que acontece é que também não conseguimos regular muito bem as empresas que traem estes migrantes por exemplo, que trabalham no setor da agricultura e o que acontece é que cumprem todos os critérios iniciais e depois são deixados ao abandono pelas empresas e pelo setor privado e não há do setor público um acompanhamento destes casos. O que tem que haver é a integração entre o setor privado e o setor público para que estas pessoas sejam acompanhadas e não sejam deixadas ao abandono, como vemos acontecer não só no Alentejo, no caso da agricultura, mas também noutros setores aqui em Lisboa em que realmente as pessoas têm condições durante os primeiros meses que cheguem e depois as empresas ou abandonam ou trocam por outros migrantes mais baratos e então há aqui um reforço deste... ou há um abandono por parte das empresas e o Estado Social não está a saber pegar nestas pessoas e ajudá-las a integrar-se no mercado de trabalho.
O que é que tem falhado?
Tem falhado este acompanhamento do Estado em relação a estas pessoas que são abandonadas e...
Faltam pessoas nos serviços?
Faltam pessoas nos serviços, as empresas têm feito sobretudo um aproveitamento destas pessoas do ponto de vista económico e não do ponto de vista social, porque normalmente dão salários mais baixos a estas pessoas que quando chegam cá são abandonadas depois do seu trabalho, muitas vezes sazonal, porque muitos destes migrantes também trabalham sazonalmente cá em Portugal e portanto, durante os outros períodos não há esse acompanhamento e não há essa responsabilidade nem no setor privado, e o setor público não está preparado ainda para acompanhar, apesar de já haver estes casos em Portugal há muito tempo. Nós consideramos que é uma falta de planeamento, uma falta de execução mas também consideramos que é possível fazer tudo isto como aconteceu no caso ucraniano. Foi uma questão de meses e em meses conseguimos resolver essa chegada de mais de 300 mil, penso, e se nós conseguimos fazer para o povo ucraniano, conseguimos fazer para outros povos.
Tem que haver essa coragem política e tem que haver essa intenção política. Porque é que não está a ser feito? Isto é, o que é que poderá estar na base dessa maior inação política se quisermos? É o facto de, no caso ucraniano ter sido objetivamente uma guerra às portas da Europa com um adversário chamado Rússia ou é também porque as pessoas que vêm da Ucrânia são caucasianos como nós, são brancos e são geralmente cristãos?
Eu considero que é apenas uma questão de narrativa. Neste momento nós sentimos o povo ucraniano não por estar mais próximo de nós mas por também ser mais falado na comunicação social, por ter uma narrativa mais próxima e mais empática dessas pessoas que, por exemplo, não vemos em relação ao povo palestiniano.
Eu considero que se tivéssemos o mesmo tipo de narrativa no espaço público em relação ao povo palestiniano como tivemos ao povo ucraniano, a Europa estaria muito mais disposta a recebê-los.
Mas de qualquer forma também não são os palestinianos que chegam às nossas fronteiras da Europa, pelo menos...
Ainda, mas nós também não demos a mão ao povo palestiniano para ter um refúgio aqui na Europa, portanto não houvesse a intenção como fizemos para o povo ucraniano.
Nós chamámos o povo ucraniano para a União Europeia. Nós podemos fazer isso em relação a outros povos. É uma questão de narrativa que infelizmente não vemos a União Europeia fazer e que resultou muito bem no povo ucraniano e que está a resultar bem com a Ucrânia; até se formos ver nos estudos e nas sondagens, a maior parte das pessoas continua a querer apoiar a Ucrânia e não vemos, no caso de outros povos, e eu considero que tem a ver precisamente com essa questão da narrativa e a forma como conseguimos mostrar que o sofrimento do povo ucraniano está ligado ao projeto da União Europeia e o sofrimento do povo palestiniano também está ligado ao projeto de paz e solidariedade da União Europeia; e é isso que nós temos que mostrar e é isso que o LIvre tenta ser vocal sempre que pode.
A desinformação é mesmo uma ameaça às democracias europeias?
Sim, a desinformação já foi uma ameaça e não é de agora. Nós vimos até depois dos estudos feitos em relação à Cambridge Analytics nos Estados Unidos e do impacto que teve na eleição de Trump. É uma ameaça à democracia em todo o mundo e portanto nós temos que nos preparar para ela.
Temos que ter estratégias eficazes na redução da desinformação e aí até a comunicação social acaba por ter o maior papel, ou um dos papéis mais importantes, porque também acaba por ser a salvaguarda democrática no controlo da informação, não no sentido de decidir o que é verdade e o que não é, mas decidir o que é informação e o que é desinformação e eu considero que aqui em Portugal não houve tanto uma responsabilização da comunicação social. No entanto, no Parlamento Europeu, nós tentamos dar esse poder à comunicação social mas que muitas vezes é interpretado como um sinal de quebra de liberdade de expressão.
Em Portugal não houve uma responsabilização da comunicação social em que sentido?
Houve uma normalização do discurso de ódio e da desinformação e até, considerando o que o LIVRE viu até uma desproporcionalização do tempo que, por exemplo, partidos de extrema direita passaram na televisão quando tinham apenas um deputado em relação a outros partidos. E portanto, consideramos que a responsabilidade que a comunicação tinha ao nível da informação, ao nível democrático até não foi cumprido; e isso claro, quando temos a normalização do discurso de ódio claro que a violência acaba por aumentar, e aí é que eu falo da responsabilização.
Em relação à desinformação nós acabamos por ter algumas estratégias na comunicação social que têm resultado; considero até, que aqui em Portugal têm resultado muito bem do ponto de vista da desinformação, mas temos outro problema que é fora da comunicação social, que são as redes sociais e aí nós percebemos que, apesar de haver algumas ferramentas que foram importadas até pela União Europeia e da legislação da União Europeia contra a desinformação, através da qual a Meta do Facebook por exemplom, ou Google tem que cumprir a verdade é que não está a ser suficiente... e nós vemos que até os próprios partidos políticos como o Chega utilizam eu diria quase diariamente, semanalmente notícias falsas, informação falsa no qual apenas o post é pagado passadas umas horas apesar de já há um milhão de pessoas...
Também houve aqui um desligamento dos partidos em relação às novas formas digitais. O problema é o tipo de estratégias que o Chega usou e o tipo de estratégias que os partidos democráticos usam, que são diferentes. Um partido democrático não vai usar a desinformação a todo custo para ter mais votos, para ter mais seguidores, para ter mais visualizações.
E no caso do Chega não há linhas vermelhas até no processo de comunicação de mensagem. E aí é difícil, até do ponto de vista democrático, lutar contra alguém que não joga pelas mesmas regras e o Chega não está a jogar nas mesmas regras de todos os outros partidos democráticos. O que nós pedimos é que realmente haja maior regulação.
Não é no sentido de liberdade de expressão, é no sentido de controle da informação. Um partido político que propague desinformação tem que ser sancionado de alguma maneira. E na União Europeia estamos a trabalhar para isso e já foram aprovadas algumas leis que regulam, também o Digital Services Act, que regulam precisamente o espaço digital.
Falávamos há pouco, ou falava há pouco, na agricultura. Não sente que os partidos verdes, ou como o Livre, que se integram na família dos verdes europeus, correm o risco de perder o voto dos agricultores? É essa a narrativa que nós tentamos desmontar, porque foi um mito criado muito nos últimos anos, que o que está a impedir, ou o que está a dificultar a vida dos agricultores foram as políticas ambientais.
Não foram as políticas ambientais. Nós temos uma comissão liderada pelo Grupo Popular Europeu, o Grupo da AD. A AD, neste momento, lidera a Comissão Europeia, que foi a mesma que propôs esta PAC, Política Agrícola Comum.
E o que esta PAC diz é que vai dar mais dinheiro às grandes empresas e vai dar menos dinheiro aos pequenos e médios agricultores e à agricultura familiar. E o que aconteceu foi que os agricultores manifestaram-se, e bem, contra este tipo de medidas. E a Comissão Europeia, em vez de assumir o erro em relação aos seus investimentos, o que fez foi desviar a justificação para políticas ambientais.
Pois bem, os verdes e o Livre não tiveram nada a ver com esta Política Agrícola Comum. Não houve propostas ambientais, mas não foram incorporadas nesta Política Agrícola Comum e toda esta Política Agrícola Comum foi feita pela AD e pelo Grupo Popular Europeu. Portanto, tudo o que está a acontecer na agricultura tem precisamente a ver com o tipo de políticas que é usado pelo centro-direita e, mais, as políticas que os verdes propõem e que o Livre propõe na agricultura são políticas de ajudar os agricultores.
Ou seja, nós propomos uma lei de redução de pesticidas. Esta lei, o que vai fazer é potenciar ainda o desenvolvimento dos solos e impedir a degradação dos solos, que vai contribuir para uma maior biodiversidade, que é o que dá também resiliência às colheitas. Enquanto as grandes empresas não precisam de se preocupar com perdas alimentares, os pequenos e médios agricultores não se podem dar ao luxo de perder colheitas, de perder anos de colheitas.
E, portanto, as políticas ambientais estão do lado dos agricultores no sentido que dão robustez em termos de colheitas alimentares, mas as políticas verdes também dão esse investimento verde para fazer também a transição que necessitamos de fazer na agricultura, de métodos mais sustentáveis, de agricultura de precisão, aos pequenos e médios agricultores. E, portanto, o voto dos agricultores tem de ser um voto no Livre, porque é o único voto que protege os pequenos e médios agricultores, que protege os nossos solos e que protege a nossa biodiversidade, que é, no fundo, que sustenta todo o sistema alimentar. Nós podemos ir mais concreto ao caso das abelhas, que têm uma importância tremenda na questão alimentar, como toda a biodiversidade tem.
E, se nós perdermos biodiversidade, deixamos de ter robustez também no ponto de vista da agricultura.
Quem é o seu candidato preferido entre os Verdes para a presidência da Comissão europeia? Terry Reintke, alemão ou Bas Eickout dos Países Baixos?
O Bas vem da minha área de biologia e proteção ambiental. A Terry vem na defesa das minorias, defesa do investimento verde e, portanto, considero que são muito complementares e não consigo escolher um.
Se for eleito, estima conseguir dialogar com os eurodeputados portugueses ou outras forças políticas?
Nós estaremos sempre prontos para negociar com qualquer força política democrática.
Não consideramos as forças não democráticas, nomeadamente do Chega, como parte dessa negociação porque não estão no mesmo jogo, com os mesmos objetivos que o resto dos partidos, em que queremos uma Europa mais forte e queremos melhorar a vida das pessoas. Entendemos que o Chega, neste momento, quer degradar as instituições e, portanto, dar-lhes voz e dar-lhes palco nessas negociações é também permitir que consigam, por dentro, destruir o projeto da União Europeia.
Faz anos a 24 de abril, o mesmo dia de aniversário que tem Jair Correia, candidato do Chega, portanto, tendo isso em conta, o que acabou de dizer é que não vão beber um copo juntos lá em Bruxelas se forem ambos eleitos?
Certamente não e faremos as nossas festas de aniversário bem longe, penso.
Francisco Papera, muito obrigado por ter vindo até aqui. Muito obrigado pelo convite.