"Não há outro cenário que não seja aumentar número de votos." Louçã, Rosas e Fazenda "vão cumprir mandato"
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Na entrevista TSF-JN, Mariana Mortágua assegura que “não faltam pilhas” ao Bloco para tentar contrariar a quebra eleitoral. Garante que a “esquerda não compete entre si” e que está “mais preocupada” com o Chega. A coordenadora bloquista quer combater a “desinformação” sobre os despedimentos no BE e promete “nunca faltar a uma solução” ou “ser a melhor das oposições” consoante o resultado das eleições. Habitação, saúde e defesa são temas de campanha.
Quando chegou à liderança do Bloco de Esquerda disse que queria ser o megafone e devolver o terceiro lugar ao BE. Têm faltado pilhas nesse megafone? O que está a falhar para o Bloco ter reduzido a representação parlamentar e, de acordo com as sondagens, não conseguir descolar?
Bom, pilhas não faltam de certeza. Tenho energia para dar e para vender e o Bloco também. E, aliás, atrevo-me a dizer que está cada vez mais com energia para enfrentar o momento que vivemos. Não podemos negar que há uma viragem à direita profundíssima, que tem raízes profundas não só no sistema partidário português, mas também no sistema político e ideológico internacional e, portanto, a esquerda hoje confronta-se com um mundo que é muito diferente daquilo que era há uns anos e é nosso papel enfrentá-lo e conseguir reorganizar a esquerda e conseguir fazer a esquerda crescer em Portugal e é essa a tarefa do Bloco de Esquerda e para ela temos toda a energia.
Qual é a meta que estabelece para as legislativas? Se o Bloco não conseguir aumentar o número de deputados será uma derrota?
A meta é sempre aumentar os votos, já o fizemos nas últimas eleições e queremos voltar a fazê-lo. Mas é mais do que isso. Nós hoje jogamos a derrapagem de todo o centro político para a direita e, portanto, a meta não pode ser só aumentar os votos, a meta tem de ser conseguir disputar as ideias, conseguir convencer o país, conseguir mostrar às pessoas porque é que é vantajoso ter, por exemplo, um teto nas rendas, valores máximos nas rendas para conseguirmos proteger o direito à habitação ou porque é tão importante criar formas de taxar os mais ricos, de uma forma justa, para podermos ter mais recursos para a saúde, para a educação, para os serviços públicos.
Mas que ilações vai tirar do resultado para o partido se não conseguir esse aumento de deputados desejado? Vai remeter eventuais conclusões para depois das autárquicas?
Neste momento nós não consideramos outra possibilidade, nós estamos perante umas eleições que nós não desejámos, que são marcadas pelas piores razões possíveis, é lamentável até que tenhamos de chegar a este ponto, o que não quer dizer que o país não esteja numa situação social complicada, que o mundo não esteja numa situação social e política difícil e perante ela o Bloco empenha-se e oferece tudo o que tem, tudo o que tem de melhor, todas as gerações, toda a experiência, toda a vontade e toda a proposta. E é com essa energia que vamos para as eleições e obviamente estamos convencidos que vamos subir e queremos subir e que isso venha acompanhado de um debate sobre como é que se resolvem os problemas mais importantes do país hoje em dia.
Mas admite não se apresentar à convenção depois das autárquicas ou esse cenário está fora de hipótese?
Não está, nem em hipótese, o cenário que não seja subir e aumentar o número de votos, é esse o nosso objetivo, nem qualquer outro neste momento.
Tendo em conta algumas críticas de falta de debate interno, não falta ainda começar esse debate dentro do BE antes de avançar para o debate para o país?
Eu não sei se há mais partido que tenha tanto debate interno como o Bloco de Esquerda, interno internamente e interno com transparência e, por isso, é que toda a gente conhece as posições dos vários grupos que estão politicamente organizados dentro do Bloco. Nós temos vindo a ter momentos de debate. Organizámos uma grande conferência, felizmente, para atualizar alguns pontos importantes da nossa linha política no ano passado, sabendo que ainda faltava alguns meses para a convenção. Achámos que não faz muito sentido ter o partido fechado sobre si próprio no momento de reflexão interna como é a convenção durante um processo de legislativas e cá estaremos para a fazer depois, mas o debate interno ocorre sempre. O Bloco tem esses espaços de debate que são permanentes e que ocorrem nas suas estruturas ao longo do ano.
O Bloco vai fazer um porta a porta e, nesse guião, está preparado para responder a questões como o despedimento de funcionárias. O partido poderá ser penalizado pelos erros que já assumiu ter tido nesse processo?
Não acho. Penso que essa questão já foi muito clarificada ao longo dos últimos meses, é natural que nós queiramos que todos os militantes do Bloco que falam em nome do Bloco saibam responder precisamente para não deixar crescer desinformação que não é factual sobre a saída dessas trabalhadoras.
O eleitorado do Bloco de Esquerda é menos disposto a perdoar do que, por exemplo, o eleitorado do Chega, que mantém sempre ali um certo núcleo de indefetíveis e, apesar dos recentes casos, parece fixar-se à volta do partido?
O eleitorado do Bloco de Esquerda é exigente em tudo, e é bom que assim seja, não queremos a democracia organizada em torno de seitas, nós não queremos a democracia organizada em torno de grandes líderes incontestados, independentemente do que façam ou digam. Essa é a beleza da democracia, é podermos ser questionados, não só nas nossas ações mas também nas nossas ideias, e é por isso que cada vez que apresentamos uma ideia política, uma proposta para o país o fazemos apoiando-nos em dados, apoiando-nos em factos, em bons exemplos, porque queremos ter essa coerência e queremos ter essa relação com a verdade, e achamos que isso é respeitar toda a gente, isso é respeitar o país e é respeitar a esquerda.
As sondagens mostram também uma indecisão entre aqueles que assumem ter votado no Bloco, receia que o Livre possa capitalizar nestas eleições, ainda esta semana a sondagem da Pitagórica para a TSF-JN-TVI-CNN mostrava o Livre como quinta força, bem acima do Bloco.
No outro dia ouvi uma frase que acho que se adequa muito bem às sondagens: “as sondagens são como os pratos de bacalhau, há mil e uma receitas e algumas nem bacalhau levam”, há sondagens para todos os gostos, com muito pouca gente a responder, muitos indecisos e, portanto, acho que devemos discutir menos sondagens e mais as ideias para o país, porque a discussão sobre sondagens e sobre cenários eleitorais em que o nosso país ficou preso é uma discussão que empobrece o debate democrático, porque estamos sempre a confrontar líderes políticos e partidos políticos com cenários hipotéticos e com sondagens que depois não se revelam verdadeiras e cada uma tem o seu critério, cada uma tem a sua criatividade e isso reduz o tempo em que podemos falar sobre a política, sobre a vida das pessoas, sobre os princípios com que queremos que a política seja regida.
Mas, em termos políticos, e tendo em conta que Rui Tavares pertenceu ao Bloco, admite que existe aqui uma certa rivalidade entre estes dois partidos?
Estou sentada na Assembleia da República, para quem vê o plenário de fora, na ponta esquerda e é aí que gosto de estar e o Bloco de Esquerda tem 5 deputados e ocupa 5 cadeiras. Ao lado temos o Livre que ocupa 4 cadeiras e o PCP que ocupa 4 cadeiras e à frente temos o Chega que ocupa 50. A minha preocupação são os 50 que estão ali à frente, não é os que estão ao meu lado e essa esquerda não compete entre si, ela tem diferentes identidades, diferentes origens, diferentes valores, diferentes propostas, diferentes posições, mas o Livre não é a minha preocupação nestas eleições. A minha preocupação nestas eleições é o país, as propostas para o país, em particular aqueles 50 deputados que estão à minha frente da extrema direita e a forma como eles têm vindo a arrastar a política para o seu lado.
Mas apesar de não ser uma preocupação, acabam por disputar o mesmo eleitorado. A posição do Livre sobre o apoio militar à Ucrânia e a compra de armas pela Europa poderá beneficiá-lo?
Eu não acho que o Livre e o Bloco disputem o mesmo eleitorado, acho que têm eleitorados diferentes e ideias diferentes e não acho que sejam adversários, embora seja necessária clareza neste debate político para que as pessoas se possam informar. Nas questões da Ucrânia, não me parece que exista uma grande diferença. O Bloco de Esquerda defendeu, desde o primeiro segundo, a independência e o direito soberano do povo ucraniano de decidir o seu futuro contra uma invasão por parte de Putin inqualificável e injustificável e, portanto, por aí penso que as nossas posições estão muito alinhadas. O Bloco também defendeu que a Ucrânia, enquanto povo soberano, tem direito a se armar para a defesa, para a resistência, eu defendo que um povo se possa defender perante um ataque e, na verdade, defendo esse direito para a Ucrânia à soberania, à liberdade como defendo para o povo palestiniano o direito à sua soberania e à sua liberdade, não tenho duplos critérios. Tenho, no entanto, e o Bloco de Esquerda tem, uma posição diferente relativamente ao gasto em armamento, porque entendemos que esta corrida armamentista da União Europeia é uma corrida sem sentido, que vai pôr em causa o modelo social europeu. Li uma notícia do Almirante Gouveia Melo, putativo candidato às eleições presidenciais, que dizia, “então e se vierem atacar e pôr em causa a nossa liberdade não nos defendemos?”, e eu questiono, será que os líderes europeus e os arautos desta corrida armamentista não percebem que a nossa liberdade já está sob ataque e não são as bombas que estão a atacar, é a extrema-direita, é a desinformação, é a falta de soberania, a falta de autonomia que está a atacar a nossa democracia e a nossa liberdade e que esta batalha não se faz com bombas, faz-se com educação, faz-se com serviços públicos, faz-se também com autonomia digital, com inovação, mas não é com bombas que vamos fazer esta batalha contra os ataques à nossa liberdade. Preocupa-me e acho que nós não devemos aceitar de forma acrítica quem nos diz que temos que aumentar os gastos em guerra sem avaliarmos o que já gastamos em guerra, sem avaliarmos a capacidade que já temos e a Europa tem capacidade, o orçamento da Europa é três vezes o da Rússia em termos de armamento e sem percebermos de onde é que vêm os ataques à nossa liberdade e à nossa democracia e como é que nos defendemos deles.
O BE pode beneficiar do facto de o PCP ter sido criticado pela sua política externa, nomeadamente na questão da Ucrânia?
Uma das coisas que a guerra e o militarismo fazem à política é que eles criam unanimismo, criam um mundo de bons e maus, de vilões e heróis, e nesse mundo há pouca liberdade para pensar e para pensar criticamente. É importante que partidos tenham diferentes opiniões. Não é segredo para ninguém que o PCP e o Bloco não têm a mesma posição sobre a Ucrânia, não têm e, aliás, criticamos posições do PCP relativamente à Ucrânia. Também não é segredo para ninguém que o Bloco de Esquerda e o Livre não têm as mesmas posições sobre o armamento, porque o Livre propõe, na Assembleia da República, por exemplo, retirar os limites do défice para despesa em armamento e a posição do Bloco de Esquerda é que não devia haver limites sequer ao défice e que nós precisamos mesmo é de investir no SNS, na escola, na investigação, nos serviços públicos e na capacidade de desenvolvimento da economia.
Mas, por exemplo, a Alemanha seguiu essa opção de retirar o limite do défice para investir em Defesa. É importante que durante esta campanha eleitoral as propostas de cada partido nesta área da defesa estejam em debate? O primeiro-ministro já veio dizer que acredita que não são gastos, são investimentos e que até podem trazer lucro para reforçar a despesa social.
Eu tenho ouvido muitas coisas e eu acho que é importante que nós possamos ter um debate sério sobre estes investimentos para que saibamos para que é que eles servem. O que a Alemanha e a França estão a fazer é a tentar escapar à estagnação económica. O modelo económico que tinham faliu, faliu porque a Europa, na sua vertigem de austeridade, nas suas regras de competição absurdas, deixou a sua indústria cair completamente e incapaz de competir, quer com a China, quer com a indústria tecnológica dos Estados Unidos da América e, portanto, a Europa vê e a Alemanha e a França, em particular, veem o investimento em armamento como a solução para a estagnação económica. É por isso que a Alemanha está a desviar fundos e instalações e recursos que estavam a servir para fazer comboios para fazer tanques e isto tem a ver com a economia. Isto não tem a ver com a paz. Não tem a ver com a defesa, tem a ver com a economia, com o preço das ações das grandes multinacionais, dos grandes grupos de defesa da França e da Alemanha. Da mesma forma que ouço dizer que nós temos que investir em defesa para depois aproveitar o subproduto de inovação desses investimentos em defesa. E eu pergunto então porque é que não investimos diretamente em inovação? Nós temos onde investir, inclusive para garantir a nossa segurança. Eu visitei um supercomputador na Universidade do Minho e quis ir visitá-lo porque acho que é muito importante. Porque nós falamos tanto em segurança, mas se eu perguntar de quem é que são os cabos submarinos que trazem os dados para Portugal e que levam os dados para Portugal, ninguém me sabe dizer. Investimos milhões em drones assassinos e em tanques e temos um cabo submarino que parte de Sines que é propriedade do Mark Zuckerberg e da Facebook, é o cabo Facebook. E temos outro que é propriedade de uma empresa de telecomunicações brasileira com uma empresa espanhola e ninguém sabe, por exemplo, onde é que estão os dados essenciais para a economia portuguesa. Provavelmente estão em centros de dados, algures, nos Estados Unidos da América, em países que não garantem sequer a proteção de dados. Se nós quisermos ter um papel na inovação, vamos precisar de poder computacional e, portanto, precisamos de supercomputadores e precisamos que eles sirvam propósitos para a economia produtiva e precisamos que eles respeitem regras ambientais. Há um campo imenso de investimento que é sobre a nossa segurança, que é sobre a nossa soberania e que não deve ser absorvido num debate sobre armas e um discurso que chega a ser um bocadinho estapafúrdios, como se nós estivéssemos à beira de ser invadidos. Colocar medo nas pessoas é o primeiro passo para deturpar o debate democrático e para justificar políticas que de outra forma não seriam justificáveis.
O Bloco convocou três fundadores para estas eleições. Pode garantir que estes três nomes, Francisco Louçã, Fernando Rosas e Luís Fazenda vão cumprir o mandato caso sejam eleitos, ou seja, vão ficar até o final da legislatura?
Bom, eu não conheço o futuro, espero que não lhes aconteça nada e que vão cumprir o mandato, isto para dizer sim. A resposta é sim, quando chamamos os fundadores a este combate, através dos fundadores queremos chamar toda a gente, queremos dar um sinal que o mundo mudou e queremos um encontro de gerações e eu acho que só o Bloco de Esquerda que o pode fazer. Não há outro partido que consiga dizer, nós chamamos a geração que fundou este partido e ela está ao nosso lado com gerações intermédias, digamos assim, com a geração mais nova, temos o grupo parlamentar mais novo do parlamento e ao mesmo tempo temos fundadores que são históricos da democracia portuguesa nas listas a fazer esta batalha política. E poder fazer isto mostra que o Bloco está na luta, que estamos em força, que vamos com tudo, mostra que o momento político mudou e que nós compreendemos que o momento político mudou e é também a convocação, digamos assim, de toda uma geração que queremos que se junte a este combate com toda a experiência da sua luta antifascista, da sua luta pela democracia que hoje é mais importante do que nunca e sim esses mandatos são para cumprir.
Num partido que, nos últimos anos, teve como rosto principal três mulheres, além da Mariana Mortágua, Catarina Martins e Marisa Matias, o regresso destes três homens, aproveito até a expressão que o Bloco utilizou nas redes sociais, destes “Powerpuff Boys”, não pode ser entendido como um recuo na imagem de um partido feminista que o Bloco assumia claramente ser?
De todo, o Bloco teve a vantagem de conseguir promover mulheres na política e ter uma política de criação de quadros nas mulheres e fizemos isso com uma política de quotas internas que vai além até da política de quotas nacional e, por isso, construímos um partido que tem mulheres fortes. Fomos o primeiro partido que conseguiu ter uma mulher substituir outra na sua coordenação e, por isso, temos um grupo parlamentar que tem quatro deputadas e um deputado. Essa estratégia resultou, esses quadros estão criados e nós temos de continuar a criá-los porque ainda há muito trabalho a fazer. Mas estes fundadores são estes fundadores, foi o papel que eles tiveram. E não só nós queremos obviamente ter quadros de mulheres e homens dentro do partido, isso não está em causa, mas queremos que estas pessoas se juntem esta lista. Portanto, não há outra leitura, não há recuo, o que nós queremos é avançar e a força para avançar é conseguir chamar todos.
Avançando aqui para os possíveis cenários pós-eleitorais. O PS e a esquerda em geral devem viabilizar um governo minoritário da Aliança Democrática se isso significar travar o Chega?
Eu acho que a conversa sobre cenários limita o nosso debate político, acho que nós podemos desenhar todos os cenários que queremos, mas só há um que interessa, que é o que vai sair das eleições em maio. Se há coisa que as sondagens dizem é que está tudo em aberto e não dizem porque acertam, dizem porque simplesmente mostram quantas pessoas estão indecisas, quantas pessoas não querem responder, em parte porque estão zangadas com as eleições, porque não compreendem porque é que estamos em eleições e têm razões para estarem zangadas e para não compreender. Mais do que discutir a quinta versão do cenário hipotético no pós-eleições, acho que é importante nós discutirmos o que é que cada partido defende para a democracia portuguesa, para a economia portuguesa, quais são as prioridades de cada partido para nós resolvemos a crise da habitação, porque cria-se uma dissociação em que as pessoas ligam a televisão e veem os políticos todos os dias a falar sobre hipotéticos cenários que não dizem nada às suas vidas, são discussões teóricas e, de facto, o que as está a preocupar é como é que vão pagar a renda da casa ou como é que vão encontrar uma casa para viver e acho que nós não devemos contribuir para esta dissociação e por isso gostava de não ter que debater cenários.
Mas há exatamente um ano estávamos aqui a falar de uma eventual nova geringonça, o Bloco Esquerda também falou disso, nomeadamente na questão de haver ou não um acordo escrito. Há abertura para conversar com o PS após as eleições?
Há uma garantia que eu posso dar e eu acho que as pessoas sabem isto, nós não sabemos qual é o cenário que vai ser das eleições, está tudo em aberto e queremos ir disputar, queremos ir à luta para mudar esse cenário, para fazer com que desse cenário possa sair condições para ter limites às rendas, para que possa sair condições para ter política fiscal mais justa, para que possa sair condições para proteger quem trabalha por turnos, para salvar o SNS, isso é o que nós queremos que saia das eleições. E nesse contexto a garantia que posso dar a quem vota no Bloco de Esquerda e que acho que a tem é que o Bloco nunca faltará a uma solução e também sabe ser a melhor das oposições e essa é a garantia de ferro, seja qual for o cenário.
Como é que tem ouvido as referências, mais ou menos veladas, sobre a necessidade de um Bloco Central?
Portugal teve um Bloco Central, de uma forma ou de outra, nas últimas décadas. O Bloco Central é a continuidade de políticas que degradaram a economia, que deixaram degradar o Estado Social, que não trouxeram nenhuma inovação para o nosso tecido produtivo, para a forma como encaramos os problemas, como encontramos soluções para os problemas. Quem acha que a estabilidade é um artifício que se manufatura por encomenda está enganado. Não há estabilidade se nós não formos capazes de lidar de frente com o crescimento da extrema-direita, não há estabilidade se nós não formos capazes de lidar de frente com a crise da habitação, não há estabilidade se nós não formos capazes de lidar de frente com o facto das pessoas viverem, ou melhor, trabalharem um dia inteiro e viverem mal. E esta é a raiz da instabilidade, da instabilidade social, da instabilidade política, e por isso, para nós termos estabilidade, nós temos que encontrar novas soluções para problemas antigos, e são essas novas soluções que nós queremos propor para a crise da habitação, para as questões laborais e do trabalho e dos salários, e também para as desigualdades que estão a aumentar a cada dia. Há um dado impressionante, que é poucas vezes divulgado, que nos diz que as 50 famílias mais ricas em Portugal têm mais de 45 mil milhões de euros, ou seja, as 50 famílias mais ricas de Portugal têm 17% de todo o PIB nacional, e nós devemos perguntar para quê? Qual é o retorno dessa concentração de riqueza? Que as eleições sirvam para fazermos este debate sobre que país somos e que país queremos ser.
Este ano de governação da AD está a deixar o Partido Socialista sem discurso? Depois de António Costa ter ocupado o chamado “centrão”, o atual governo negociou alguma paz social e está de certa forma a silenciar o Partido Socialista?
O que abre a porta para este governo da AD, e, já agora, o que abre a porta para os cinquenta deputados do Chega na Assembleia da República, é a maioria absoluta do Partido Socialista, que é uma estratégia da qual a AD não se distancia. Há coisas em que se distancia, por exemplo, a imigração, em que a AD tenta competir com o Chega, adotando o seu discurso. O PSD vai puxando o eixo do debate para a direita, tentando ficar com temas que são da extrema-direita e aceitando os pressupostos desse debate. É por isso que é tão perigoso quando o PS também cede nesse discurso, e, por exemplo, vemos Pedro Nuno Santos, sobre imigração, a adotar alguns dos termos e dos preconceitos do debate imposto pela direita e pela extrema-direita, e isto vai deslocando o eixo, e depois há um eixo de governação que tem a ver com pequenos remendos para resolver problemas e que não resolvem o problema de fundo do país. Ou seja, a estratégia do PSD para a habitação é diferente da do PS. O PSD rebentou com toda a lei que havia para, pelo menos, limitar o alojamento local, mas a estratégia da maioria absoluta de António Costa impediu a crise da habitação? Pelo contrário, agravou a crise da habitação. Portanto, são políticas diferentes, mas que são incapazes de resolver os grandes problemas do país, que vão da saúde, aos serviços públicos, à habitação, à monocultura do turismo, ao pouco valor acrescentado da economia, aos baixos salários, e para nenhum destes problemas o Bloco Central, os partidos do centro, tem uma resposta diferente daquela que já deram nos últimos anos.
Na última campanha, há um ano, o Bloco propôs que fosse aumentada a contribuição do setor bancário para financiar políticas públicas de habitação. Vê com bons olhos quando Pedro Nuno Santos sugere agora que os lucros da Caixa Geral de Depósitos sirvam para financiar a habitação?
Há um ano fizemos a proposta de que a Caixa Geral de Depósitos devia baixar o juro que estava a cobrar no crédito da habitação e aliviar a vida de centenas de milhares de pessoas, de famílias que não estavam a conseguir pagar o seu crédito. Nessa altura ninguém aceitou essa proposta e criticaram-nos por ela, que ia pôr em causa os lucros da Caixa, que ia pôr em causa a interferência do Estado na economia. Agora, a Caixa Geral de Depósitos apresenta lucros recorde e andamos a discutir o que é que vamos fazer com os lucros recorde que a Caixa não devia ter tido, porque devia ter tido uma política para proteger as famílias e, já agora, para não andar a cobrar comissões bancárias extorsionárias a quem precisa de um serviço bancário. Os lucros da Caixa, ou os dividendos que a Caixa paga, já vão para o Estado. O Partido Socialista quer que, dentro do Estado, haja uma obrigação de que estes lucros vão para a habitação. Certíssimo, de acordo. Mas, número um, isto não significa uma política diferente para a Caixa e a Caixa precisava de a ter. Número dois, isto não resolve o problema imediato da habitação. Sempre que nós falamos que a solução para a habitação é construir mais, e eu acho que é preciso construir mais e ter sobretudo um parque público, mas estamos a esquecer que essa não é uma solução para o dia de hoje. E as pessoas precisam de uma resposta no dia de hoje, porque é no dia de hoje que elas estão a viver em barracas, em tendas, nas ruas, em casas sem condições, em casas que não conseguem pagar ou que as atiram para a pobreza. E é nesse campo de respostas que o Bloco de Esquerda entra.
Uma das propostas que o Bloco de Esquerda tem avançado é também a reabilitação de imóveis que pertencem ao Estado, mas como é possível avançar nessa matéria se, por exemplo, as câmaras municipais e os privados que também têm uma palavra a dizer nessas casas não colaborarem? A proposta não acaba por morrer à nascença?
Por um lado, há muito património público que está ao abandono. Há património público que foi vendido para se poderem construir mais hotéis, isto sobretudo nas grandes cidades Porto e Lisboa. O Porto está a bater um recorde de construção de número de hotéis no centro da cidade que vai aumentar muito a sua capacidade, apesar de ter problemas de habitação gravíssimos, e o mesmo está a acontecer em Lisboa. E por isso tem que haver um compromisso do Estado e do Governo de construção de habitação pública em edifícios que já são públicos. Mas isso não é suficiente. Nós temos que encontrar também uma forma, e ela não é difícil, o Bloco tem apresentado propostas para isso, para limitar o número de casas habitacionais que estão destinadas ao alojamento local e ao arrendamento de curta duração. Ou seja, nós temos casas que estão registadas como casas cujo fim legal e económico deveria ser a habitação e que estão a ser desviadas em doses e em números massivos para alojamento local e para turismo residencial em zonas onde as pessoas não conseguem viver. E neste caso, nós temos que encontrar um limite e essas imóveis têm que ser direcionados para a habitação.
Há uma mudança no discurso do Bloco mais virada para os temas sociais?
O Bloco de Esquerda fala obsessivamente de saúde há anos. Nós há anos que denunciamos a saída de profissionais do SNS. Há anos que dizemos como é que se resolve o problema da saída de profissionais do SNS. Há anos que dizemos que o modelo que está a ser construído é um modelo de drenagem dos recursos do SNS para o privado, quer dos seus profissionais, quer dos meios de diagnóstico e que é preciso investir e que é preciso dar condições aos profissionais, médicos mas não só, para ficarem no SNS e que isso quer dizer investimento, quer dizer carreiras, não vai lá com remendos. E nós pouparemos mais, se fizermos isto, do que aquilo que gastamos em tarefeiros, na contratação avulsa de médicos ou tendo que gerir um SNS que não dá para tudo e que está em permanente risco de rutura. Isso sai muito mais caro. A gestão em permanente emergência é muito mais cara que a gestão planeada. E há muito tempo que dizemos que isso se resolve com a exclusividade dos médicos e dos profissionais de saúde, com carreiras que possam dar um futuro a todos estes profissionais, com investimento em equipamentos de diagnóstico que permita internalizar esse investimento e essa despesa, com autonomia das instituições de saúde para poder gerir o seu trabalho atraindo profissionais de saúde, com o USF, ou seja, Centro de Saúde Tipo C que tem um modelo de organização que é muito atrativo. Essas respostas existem, nós batalhamos por elas e vamos continuar a fazê-lo.
Ouvimos esta semana Luís Montenegro a garantir que vai continuar a apostar nas parcerias público-privadas (PPP's) e também nas parcerias com o setor social. O Bloco acredita que será possível travar esta estratégia? Tem ideia de quando custariam também as medidas que o Bloco propõe para fixar e atrair os profissionais de saúde?
No nosso programa eleitoral quantificámos essas propostas, elas não mudaram substancialmente nos últimos tempos. O programa foi feito há um ano. Mas é preciso nós falarmos também sobre as PPP's e sobre o que está a fazer o Governo na saúde. O PSD entrou com um plano para privatizar o SNS. É um plano ideológico. Quando o PSD diz que não quer saber de ideologia, o que quer saber da saúde, na verdade está a fazer a maior operação ideológica contra o SNS. Que é de retalhá-lo e entregá-lo aos bocados, a privados sob o argumento que não interessa se é público ou privado. É lógico que interessa se é público ou privado. Porque quando há um problema sério, quando se ultrapassa o plafond, é para o público que as pessoas vão. A diferença entre o que é público e privado é a diferença entre ter saúde em Portugal ou nos Estados Unidos da América, quando as pessoas morrem à porta dos hospitais ou quando vão à falência porque não têm seguro. Enfim, todos nós sabemos como é que isso acontece. E se nós queremos proteger o SNS, temos que proteger a sua capacidade total. Porque o SNS só funciona porque é um organismo, não funciona se for retalhado. As PPP's, os vários relatórios que foram sendo feitos ao longo do tempo e de várias avaliações, não só não comprovam a superioridade das PPP's, como foram apontando vários problemas em todas elas, muitas delas já acabaram, sobre má utilização de fundos, sobre má prestação de serviços, e há sempre uma questão que ninguém fala. E isso acontecia no Porto e em Braga que era uma PPP. Casos mais caros, mais urgentes, tratamentos, iam para o Hospital São João. Porque chega a um ponto, a PPP diz eu não contratualizei mais do que isto, a partir daqui eu vou para o público. E eu pergunto, e quando não houver um público? E quando o privado puder negociar o que quiser com o Estado porque tem poder monopolista? Como fizeram durante a Covid e a pandemia, e dizem, “ah, vocês precisam de camas, então agora cobro o que eu quiser pelas camas. Porque vocês precisam delas e só eu é que as tenho”. É assim que nós queremos gerir um serviço de saúde? Portanto, é um ataque ideológico. Para ele foram contratadas pessoas, como Eurico Castro Alves é o cabecilha de um grupo que foi enviado para o SNS para privatizar o SNS e que colocou gente da sua confiança em vários lugares-chave. Muitos deles, entretanto, já tiveram que sair por conflito de interesses.
Qual é a importância que atribui à eleição do próximo Presidente da República num contexto em que, a julgar pelas sondagens, pode ser de alguma instabilidade?
Penso que o debate sobre a candidatura do Presidente da República se antecipou muito. E isso também dá a sensação do ciclo político cada vez mais curto. Porque parece que só quando estamos a discutir candidaturas, emergências, grandes casos, é que a política acontece. E a política do dia-a-dia, que não é tão espetacular, que não tem tanta intriga, vai se perdendo nesta voracidade do mediatismo do ciclo curto. E por essa razão, sempre achei que a discussão antecipada das eleições presidenciais era errada, que criava muito barulho. Sempre preferi não falar sobre presidenciais, não deixando, obviamente, de fazer as críticas que tinha a fazer a quem aparece a protocandidatos que são, mas não são, que comentam, mas não são escrutinados porque não são candidatos, mas comentam como se fossem candidatos, acho que é errado, faz mal à democracia. E espero que possamos contar com uma candidatura capaz de representar valores da democracia, da liberdade, da esquerda, da decência, do bom senso, em um tempo de loucura armamentista e de imenso desrespeito pelo direito internacional, pelos direitos humanos.
Um nome do Bloco?
Quero discutir cada coisa a seu tempo e neste momento, quero mesmo discutir tetos às rendas, porque eu acho que é aquilo que pode mudar a vida de milhares de pessoas no dia a seguir às eleições.
As transformações socioeconómicas que também têm reflexo no perfil dos eleitores, devem fazer com que a esquerda altere ou saiba adaptar o seu discurso? A eleição de Donald Trump nos Estados Unidos deve levar ou não a esquerda a fazer uma reflexão sobre a forma como comunica e o que comunica?
Essa pergunta dava uma resposta de 40 minutos. Em primeiro lugar, a eleição de Donald Trump muda tudo. Este mandato de Donald Trump não é o mesmo do anterior. E as mudanças que traz para a democracia, para a nossa democracia, são imensas. Nós nem começámos a perceber o que sabemos é que cada vez vamos naturalizando aberrações maiores. E aquilo que ontem pensávamos que não era possível, hoje é possível. E isto acontece porque o Donald Trump está na Casa Branca, acontece porque temos um genocídio a acontecer na televisão com milhares de crianças a serem assassinadas pelo governo de Israel e ninguém quer saber. São árabes, são palestinianos e, portanto, podem morrer. E isto está a mudar o nosso mundo. E é por isso que a esquerda tem de ser convocada toda, porque é uma batalha para fazer, que é muito importante, que é pela defesa da democracia, pela defesa da liberdade. E isto é sobre comunicação, certamente, mas é sobre política. E é sobre princípios de esquerda. E é sobre ter a coragem de, num momento mais difícil, dizer não gastamos mais dinheiro em bombas, porque nos falta dinheiro para as escolas, para a saúde, para a habitação. Num momento mais importante poder dizer, vamos taxar os ricos, porque eles estão a acumular uma riqueza que está a fazer mal à democracia e precisamos desse dinheiro em saúde, nas escolas e na habitação. E são esses princípios de esquerda que vêm a par com todo o património de lutas pela liberdade, individual, coletiva, social, que é preciso afirmar. E é isso que vamos fazer nesta campanha.
