"Não quero ser um presidente de mão estendida." Bolieiro defende reconhecimento dos Açores como oportunidade estratégica para UE
Bolieiro reconhece que “há ciclos de maior ou menor presença” dos EUA nas Lages, mas que a importância da base “é estrutural” e não é posta em causa
Corpo do artigo
O presidente do Governo Regional dos Açores, José Manuel Bolieiro, defende que o próximo Quadro Financeiro Plurianual (QFP) da União Europeia deve ultrapassar a lógica do “apoio (...) por necessidade” e reconhecer os Açores como uma oportunidade estratégica para a Europa, em particular, nas áreas da defesa, ciência, economia azul e a transição digital.
"Quero discutir os Açores e Portugal, não apenas no domínio da economia de necessidade ao seu desenvolvimento, de apoio externo, mas também um território, uma geografia de oportunidades para as novas economias e para o futuro de longo prazo”, afirmou o governante, numa entrevista à TSF, à margem de uma conferência, em Bruxelas, sobre regiões ultraperiféricas.
Estratégico
Bolieiro sublinhou que a atual conjuntura global, marcada por transições climáticas, energéticas e digitais, mas também por incertezas geopolíticas e redefinições no relacionamento transatlântico, os Açores reforçam a sua relevância como plataforma entre continentes.
"Estamos, obviamente, a meio do Atlântico Norte e essa relação entre os Estados Unidos e a União Europeia também pode ser feita nesta fronteira, com a agilização de infraestruturas de ajuda, não só aos meios aeronáuticos, mas também marítimos”, referiu, acrescentando que os Açores podem contribuir para o reforço da segurança regional atlântica.
Entre os exemplos concretos que apresentou, destacou a importância da base das Lajes, que pode ser reforçada em parceria com os Estados Unidos ou no quadro da NATO, e o potencial do aeroporto de Santa Maria como infraestrutura complementar. No setor marítimo, apontou a necessidade de “fazer infraestruturas portuárias que aportem capacidades não só de navios, mas também de submarinos”, aproveitando a posição dispersa das ilhas no Atlântico como “vantagem logística permanente”.
Infraestruturas
O presidente do executivo açoriano referiu ainda que “com estes investimentos, e já não com despesa e mera ajuda à sua coesão territorial e social, mas também como oportunidades de alocar infraestruturas que ajudem a União Europeia no seu posicionamento global”, é possível garantir, em simultâneo, competitividade, coesão e continuidade territorial.
Durante a entrevista, Bolieiro confirmou que já apresentou estas propostas ao primeiro-ministro e a várias instituições europeias, “incluindo o presidente do Conselho Europeu e comissários europeus”.
“Tenho procurado fazer uma pedagogia nacional: é que não olhem para os Açores e para o presidente do Governo dos Açores como alguém que só está de mão estendida (...), mas também a informar e a avocar as potencialidades dos Açores, da sua geografia e da sua capacidade política”, declarou.
Bolieiro revelou ainda que numa conversa com o primeiro-ministro, Luis Montenegro solicitou-lhe que “pensasse em soluções concretas (...) em matéria de segurança e defesa, que os Açores podem dar em investimentos [e] em infraestruturas que possam ser realizados”.
Nesse sentido, defendeu que o novo QFP não se limite a manter os instrumentos de apoio tradicionais às regiões ultraperiféricas, mas os reforce e complemente com investimento em ciência e desenvolvimento tecnológico. “Falta-nos a investigação e desenvolvimento, falta-nos a ciência e a tecnologia, mas podemos instalar lá estes elementos e aportar o ‘know-how’ global, europeu e mundial, para fazer crescer aquelas oportunidades que nós temos lá”, afirmou.
O governante recordou, a título de exemplo, a construção de “um navio científico contratualizada no âmbito do PRR, com capacidade para explorar o fundo do mar profund”o, e a proposta da criação de um observatório do mar profundo, “como forma de promover o conhecimento sobre o valor estratégico do território”.
No domínio da segurança, Bolieiro abordou as comunicações submarinas, destacando que os cabos que atravessam a zona económica exclusiva dos Açores “estão protegidos tanto pela natureza, devido à profundidade, como pelo quadro jurídico-político”.
“A Google já optou por fazer amarrações dos seus cabos, não apenas um, mas dois, nos Açores”, referiu, considerando que essa escolha ajuda a garantir que a maior parte do trajeto ocorra em águas de soberania, sendo por isso, um exemplo da “relevância estratégica” do arquipélago.
O presidente do governo regional manifestou ainda abertura a que os Açores acolham no futuro infraestruturas como data centers, aproveitando a sua localização para mitigar a latência na transmissão de dados entre continentes.
EUA
Questionado sobre o eventual impacto de tarifas comerciais dos Estados Unidos sobre produtos portugueses, Bolieiro admitiu preocupação, mas considerou que a excelência dos produtos açorianos poderá mitigar os efeitos negativos. “A nossa expectativa é que, apesar do aumento do seu preço, no caso ao consumidor americano, não vai impedir o nosso processo de venda e de laboração, industrialização e comercialização”, disse, apontando os laticínios e o atum como os produtos mais expostos ao mercado norte-americano.
Quanto à utilização da base das Lajes pelos Estados Unidos, Bolieiro afirmou que “há ciclos de maior ou menor presença”, mas que a importância da infraestrutura não é posta em causa, “fruto até de todo esse posicionamento geoestratégico global”.
“Continuo a achar que estruturalmente nós somos muito relevantes e podemos ainda aportar mais relevância com base nas nossas próprias capacidades”, afirmou ainda.