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Como é que se posiciona em relação ao alargamento da União Europeia? Todos ao mesmo tempo? Defende que os critérios de Copenhaga sejam suavizados, permitindo regras mais flexíveis, que permitam uma entrada mais rápida da Ucrânia na União Europeia?
Não, indubitavelmente entendo que os critérios de Copenhaga são para serem cumpridos, observados e estritamente avaliados. Não me parece que ganhasse ninguém com um aligeirar das regras, uma entrada de borla, não ganhavam os futuros Estados-membros, porque a União Europeia é um projeto que não é só um projeto económico, é um projeto que tem valores e a democracia, as instituições fortes, têm um valor em si próprio e, por outro lado, também da parte da própria União Europeia é sabido que há um conjunto de adaptações de reformas que têm de ser feitas e que nós defendemos que têm de ser feitas antes desses processos de integração acontecerem, para que a União Europeia esteja preparada para uma absorção adequada. Aliás, a posição do Partido Socialista Português desde o início tem sido essa sincronia entre as transformações que precisamos de garantir.
Como é que vê o aumento de situações que configuram discurso de ódio na sociedade portuguesa e nomeadamente em escolas portuguesas?
Com enorme preocupação e preocupa-me bastante o exemplo para as escolas; aliás para mim não é uma preocupação de hoje, porque desde a primeira vez que me sentei na Assembleia da República, ou ainda, aliás, na bancada do Governo, que me impressionou muito olhar à minha volta e ver as bancadas das escolas assistirem a algumas atitudes que se passam no hemiciclo e que às vezes os presidentes da Assembleia da República iam chamando a atenção. Deputados que se levantam e que falam ostensivamente de costas para quem está a usar da palavra, excesso de ruído, depois as coisas foram escalando e escalaram para uma situação em que hoje parece que nós, quando estamos sentados no hemiciclo, podemos ser até alvo de ataques verbais da parte de outros deputados e isso não se compadece com apenas garantir que o formalismo do Sr. Deputado, Sra. Deputada, Sr. Presidente, Sra. Presidente é respeitável, é muito mais do que isso e evidentemente isso para mim é um mau sinal dado a toda a sociedade.
Mas está então solidária e na mesma linha de pensamento que a sua colega deputada Isabel Moreira que denunciou nos últimos dias, que especialmente as mulheres são particularmente visadas e pondo os nomes nos bois, como se costuma dizer, acusou claramente a bancada do Chega….
Cada uma de nós, ou cada um de nós, mas cada uma de nós, porque neste caso estávamos a falar de várias deputadas, terá a sua experiência pessoal.
Como é a sua?
Olhe, de manifestar solidariedade a essas colegas e de ser muito clara: eu não admito isso. Nunca admiti e, portanto, se alguém me interpelar de uma forma, seja num corredor, seja num sítio qualquer, que entendo que é ofensiva, eu reagirei como reajo.
Mas, portanto, entende que o atual Presidente da Assembleia da República devia ter feito mais?
Na minha perspetiva, sim. Não quero apoiar um coro de um lado ou de outro, mas é importante que nós percebamos todos que a liberdade de expressão não pode ser e não se pode convalidar numa complacência com o insulto, porque há mais do que valores constitucionais a serem respeitados, há valores básicos de respeito pelo outro. Eu acho que há coisas que nós não podemos admitir, pelas regras de funcionamento normal da sociedade, não é por uma questão constitucional, é evidente que isso é muito importante, mas é pelas regras normais de funcionamento da sociedade.
Para clarificar a sua posição em relação a isso, o que aconteceu a semana passada na Assembleia da República, da parte do deputado e líder do Chega, André Ventura, quando disse aquela frase que os trabalhadores turcos não são propriamente conhecidos por serem muito trabalhadores, isso é um crime de ódio ou foi apenas liberdade de expressão?
Não sei se é um crime de ódio, liberdade de expressão não é de certeza, liberdade de expressão não é de certeza, e que fosse esse o único exemplo que nós temos daquilo que se vai passando e do diário ultrapassar de limites que tinham sido estabelecidos no dia anterior. E isso é bastante preocupante, porque de facto é um alastrar de um discurso radicalizado, sem limites, como aquilo que nós vimos no fim de semana passado aqui no país vizinho em Espanha, com o encontro das extremas direitas, o encontro internacional em que foi possível dizer tudo a toda a gente, sendo verdade ou mentira. No fundo, há aqui um projeto político que é de destruição da própria política e da própria democracia e isso faz-se com coisas pequeninas, com coisas maiores e nós temos que estar atentos, porque quem transcende no pequeno também transcende no grande.
Mas se sente que há uma diferença na forma como o Presidente da República intervém relativamente a esses casos, porque também tem havido muitas críticas e são críticas feitas por analistas que eu não sou de política nacional e que estão mais habituados a trabalhar e analisar essas situações, que pensam que Augusto Santos Silva também exagerou na forma como abordou a questão Chega, digamos assim, no Parlamento?
Duas coisas: eu não queria nacionalizar muito, e sei que também não é essa a intenção, penso que houve aqui desde o início uma tentativa de demarcação face ao modelo Augusto Santos Silva, entre aspas, e talvez essa demarcação tenha ido longe demais e provavelmente se calhar haveria algum arrepio de posições se fosse possível, digo eu, isso ser feito. E isso percebe-se quando se tenta pôr no regulamento da Assembleia da República, coisas que, no fundo, já existem, isso já é o regimento que não permite, significa que há ali aspetos com os quais não estamos confortáveis e que estamos a tentar agora fazer alterar por via de regimento, quando já se toda a gente percebeu que o regimento permite a chamada de atenção. No Parlamento Europeu, curiosamente, há instrumentos bastante agressivos até, para lidar com essas situações, com punições aos eurodeputados, com punições até financeiras. Não advogo a essas situações, nem sei se elas têm uma avaliação que permita dizer que o seu resultado é positivo ou negativo, mas penso que temos que estar, de facto, atentos. A mim sempre me ensinaram e isto é muito básico, não é preciso tirar um curso de direito constitucional nem de análise técnico-política, é a base da construção da sociedade, é o respeito pelo outro.
Uma política migratória que se tem baseado na terciarização dos processos de requerentes de asilo, que continua a estar contemplada no Pacto Europeu de Migrações e Asilo que foi recentemente aprovado, que é um pouco do género, fiquem onde estão, que logo vemos se podem embarcar ou não para a Europa, isto não é um descartar de responsabilidades por parte da União Europeia?
O recentemente aprovado Pacto das Migrações e Asilo tem na nossa perspetiva um conjunto de soluções que são positivas, mas tem vários aspetos que são riscos. O pacto que foi assinado, não seria o nosso pacto. O da família socialista e do Partido Socialista,
Mas votou…
Votou genericamente, houve muitos deputados até da delegação portuguesa que não votaram a favor, porque, exatamente, a leitura dominante foi a de que este era o compromisso possível face a um tema que é complexo e que é lido de formas muito díspares nos vários Estados-membros. Não sei se este tema, o tema das migrações, não é aquele que é mais polarizado nos vários Estados-membros. Nós tivemos muitas discussões no passado sobre o que é que devíamos fazer para entender a crise financeira ou sobre outros temas, até sobre a pandemia, mas este tema é radicalmente polarizado e aquilo que resulta, enquanto pacto final, é um pouco o compromisso possível entre visões bastante distintas; e daí que o nosso maior esforço vai ser no sentido do acompanhamento da aplicação do pacto nos vários países e ainda de alguma possibilidade de o fazer evoluir em alguns pontos. O que é que nos parece positivo neste pacto? A questão da solidariedade entre os Estados-membros na entrada, da distribuição do esforço para a resposta a crises migratórias entre os vários Estados-membros, a questão da definição de um mecanismo de acompanhamento do respeito pelos direitos fundamentais nos processos de entrada de migrantes, portanto, na fase em que se faz a triagem e a admissão em território europeu, as questões relacionadas com o apoio jurídico que é disponibilizado, enfim, há alguns pontos positivos; outros pontos são de facto… criticáveis. Criticáveis e preocupantes, abrem caminho para os Estados-membros terem uma liberdade que podem usar bem ou mal.
Mas, por exemplo, quando permite que países mais ricos possam pagar a outros para receberem os imigrantes que eles não querem receber…
Aquilo que o pacto estabelece é um fundo para o apoio às crises migratórias e esse fundo é alimentado pelas contribuições dos vários Estados-membros. No mesmo momento em que fala deste tema, o pacto fala também de um dos atos legislativos, de qual é a obrigação de acolhimento dos vários países e se nós utilizarmos uma coisa e outra, isso dá um valor financeiro, mas eu também não retiro do pacto, literalmente, da análise que fiz, um valor financeiro por não receber. Portanto, também queria ser clara em relação a este tema. Mas sim, há ali um compromisso entre a solidariedade e a flexibilidade e a flexibilidade é encontrada através de mecanismos financeiros. Se isso me tranquiliza, não, não tranquiliza. Se isso pode ser utilizado de uma forma benigna ou não, até admito que sim, porque um país que já tenha tido, por exemplo, um sucesso de acolhimento num ano passado, pode num outro ano a seguir não fazer acolhimento e fazer contribuição. Mas isso depende, infelizmente ou felizmente, porque é assim que funcionam as democracias dos Estados-membros.
No Parlamento Europeu, qual vai ser o seu posicionamento sobre algo que tem já algum lastro noutros países, um debate que já está mais amadurecido, a compensação das vítimas do colonialismo na escravatura, a restituição de obras de arte? Ou seja, o que é que pensa que pode levar à discussão, para além da esfera portuguesa e da discussão da suposta traição à pátria que foi trazida para cima da mesa pelo Chega? Além disso, do tema em si, o que é que a sua sensibilidade lhe diz que pode trazer para a discussão?
Mais do que debater a reparação pelo passado, que naturalmente é importante, penso que nos devemos concentrar em resolver os problemas de hoje e a forma como nós respondemos, por exemplo, às pressões migratórias diz muito sobre a nossa maneira de encarar a vida e essa pulsão por uma reparação de um passado que já foi ou o nosso foco em evitar que de hoje e à manhã estejamos novamente a incorrer em processos de reparação histórica. Está preocupada com a abstenção nestas próximas eleições? Os portugueses são conhecidos por apoiar de uma forma muito significativa, ao mais alto nível na Europa, as instituições europeias e o projeto europeu como um todo, mas depois na hora de votar são daqueles que menos votam.
Está preocupada com a abstenção dos portugueses, tradicionalmente, em eleições europeias?
Sim, estou preocupada, a abstenção é sempre uma preocupação para qualquer democrata face às eleições europeias e àquilo que está em jogo, pensar que tivemos nas últimas eleições europeias uma abstenção de 69% e que apenas 10% das pessoas entre os 18 e os 24 anos foram votar é uma fonte de preocupação, ainda que combinada com o facto de nós sabermos que havia mais inscritos, houve aumento de votantes, embora as percentagens da abstenção se tenham situado onde se situaram. Daí a importância de esclarecer o que é que está em causa e de materializar a Europa na vida das pessoas. A Europa não é um sítio distante do qual importamos uns regulamentos e umas diretivas. A Europa são as escolhas que nós fazemos todos os dias nas nossas vidas e portanto nós queremos exportar para a Europa, para o Parlamento Europeu, as preocupações das pessoas que vivem em Portugal, que vivem nos outros países e respostas para essas preocupações. Então, será cada vez maior o fosso.
Mas não é demasiado difícil a um político português de um país onde os salários são baixos e os preços da habitação são muito elevados, especialmente para quem está em início de carreira, explicar que a União Europeia ainda é um farol de esperança para esses jovens? É difícil. E depois voltamos à questão dos que procuram outras paragens que não o velho continente.
É difícil, mas é isso mesmo que precisamos de modificar e baixar os braços, desistir, não vai nunca ser solução para nenhuma das dificuldades que nós temos pela frente. O projeto europeu teve sempre algo de utópico e de profundamente belo na sua origem, como resposta à guerra, como resposta à desarmonia, como resposta aos interesses económicos e financeiros a sobreporem-se a tudo o resto e nós não podemos desistir dessa promessa de Europa e dessa construção, desse aperfeiçoamento do projeto europeu, das respostas europeias para essas pessoas, para as nossas vidas. É difícil transpor isto, transpor esta realidade para coisas práticas, para a nossa vida, na família, no enchimento do depósito do carro, na ida ao supermercado, no pagamento da renda. Claro que é. Eu também sou portuguesa, eu também trabalho, também tenho família, também percebo isso, mas é exatamente por isso que nós temos que aproveitar aquilo que são designadamente as oportunidades que as políticas de coesão ou outros instrumentos, e nós defendemos um instrumento permanente de investimento da União Europeia, para melhorarmos as condições de coesão e as condições de vida em Portugal.
E esse projeto europeu que começou para evitar uma guerra e depois durante muito tempo, apesar de continuar a ser um projeto político, foi muito baseado na construção económica e na construção de uma economia o mais pujante possível para os Estados-membros, está outra vez numa fase em que vale sobretudo para evitar outras guerras?
Essa é a dimensão do projeto de paz, é uma dimensão, mas não nos podemos esquecer da outra dimensão do projeto europeu; é também um projeto de prosperidade partilhada, por isso há políticas de coesão, por isso há esforço na partilha de fundos e de boa utilização de fundos para o desenvolvimento harmonioso das várias regiões, entre Estados-membros e entre regiões e entre pessoas.
Provavelmente com tudo o que já disse já me respondeu a esta pergunta, mas se faço assim na mesma: qual é o seu sonho europeu, Marta Temido?
Uma Europa melhor, mais social, onde os jovens europeus tenham lugar num terreno, num território de paz.