Na entrevista TSF/JN, Paulo Raimundo apela ao voto de protesto, que se tem concentrado no Chega, e define como objetivos reforçar a votação em Setúbal, Lisboa e Porto, eleger em Beja e disputar em Évora, Algarve e Braga. "Sem ilusões" sobre o PS, o líder da CDU admite avançar com uma moção de rejeição ao programa da AD
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Já disse que “a queda livre não implica esbarrar no chão. Há uma altura em que se aterra como deve ser.” Como é que espera aterrar no dia 18 de maio?
Eu espero aterrar com os pés no chão e com o espírito de missão cumprida, no sentido em que fizemos tudo o que estivesse ao nosso alcance para, no fim das eleições, ter aquilo que queremos: mais votos, mais percentagem, mais deputados, porque achamos que mais votos e mais deputados implica mais força às justas reivindicações do nosso povo. É isso que nos move, é por aí que estamos convictos que vai ser assim.
Mas vencer para a CDU é ter mais mandatos ou apenas mais votos?
Nós queremos sempre mais mandatos, é uma evidência. Nós tivemos 205 mil votos nas últimas eleições, quatro deputados, isso foi um resultado manifestamente insuficiente, face aquilo que era preciso, aliás, isso demonstrou-se. Procurámos com essa força que nos foi dada, enfrentar a política do governo. Eu tenho dito e repito com grande convicção e ainda não fui desmentido que nós fomos a força que do ponto de vista político e ideológico mais enfrentamos o governo e a sua política, mas não bastaram quatro deputados e 205 mil votos e nós precisamos ter mais votos e mais votos em todo o lado e se esses votos, mais votos representarem mais mandatos, melhor ainda, porque mais votos, cada voto a mais na CDU é um voto que significa um voto na resistência e no avanço e, portanto, não é indiferente termos mais votos e claro, se a mais votos puder associar mais mandatos, é esse o nosso objetivo.
O cenário de um grupo parlamentar que encolha mais é um cenário que não coloca?
Não é possível porque isso não corresponde às necessidades dos trabalhadores, do povo e da juventude, não corresponde àquilo que vamos ouvindo na rua e do feedback que vamos tendo do ponto de vista da nossa ação diária. O resultado que tivemos há um ano não foi positivo, isso não nos levou a fecharmos para dentro, pelo contrário, fomos para o contacto, para o esclarecimento, para a mobilização, para centrar as nossas intervenções em aspetos fundamentais dos salários, das pensões, da habitação, da saúde, dos direitos das crianças, que é uma frente de trabalho que estamos a desenvolver com grande intensidade e aquilo que recebemos vai no sentido de ter confiança de que é possível e é necessário e é possível aumentar o número de votos e o número de deputados.
É possível também recuperar o deputado pelo Alentejo e segurar a representação no Porto?
Acho que é legítimo a nossa pretensão de recuperar primeiro os deputados que perdemos nas últimas eleições, perdemos dois deputados, face às anteriores naturalmente, isto significava o quê? Aumentar em Setúbal e eleger em Beja, mas eu penso que é legítimo, nós temos a ambição, e que não é desmedida, de voltar a disputar a eleição em Évora, voltar a disputar a eleição em Santarém, reforçar em Lisboa, Setúbal, não perder do horizonte o objetivo que já tivemos, a eleição não foi assim há tanto tempo, quer no Algarve, quer em Braga, e acho que temos as legítimas aspirações de de lutar para reforçar a nossa representação parlamentar também no distrito do Porto.
Há um ano, quando assumiu os resultados da CDU disse que tinha sido um “desenvolvimento negativo” e foi sublinhado que, na altura, pelos comentadores, que era a primeira vez que o PCP assumia uma derrota. Essa atitude é para manter? Durante muito tempo se disse que o PCP transformava derrotas em vitórias…
Sabe que eu acho que às vezes, há aqui mitos urbanos que são difíceis de desmentir e acho que, muitas vezes, foi isso que aconteceu. Nunca houve nenhuma dificuldade do PCP, da CDU, em encarar os factos. O que é que me valia a mim dizer que o resultado eleitoral há um ano foi um grande resultado, quando não, não foi? Ou dizer que 205 mil votos foi uma coisa extraordinária, não foi? Isso não quer dizer que nós possamos olhar para as eleições apenas pelos números. Nós não podemos deixar de olhar para as eleições e perceber qual foi o contexto em que elas se realizaram. E se fosse um contexto, diria assim, em que tudo era a favor do progresso, das forças do progresso, e nós desperdiçámos essa oportunidade, havia muitos erros que nos podiam apontar a nós, e nós também temos os nossos próprios erros, não há dúvida, isso era uma coisa. A outra coisa era assim, estava tudo a favor, não do progresso, mas do retrocesso, e isso comprovou-se e teve expressão em todos os partidos, uns de uma forma, outros de outra, os partidos que eu encaixo nos partidos do progresso. Isso não significa que nós tivéssemos ficado contentes com o resultado, aliás, se me permite, nós não enterramos a cabeça na areia. Mas não podemos também passar ao lado dos contextos em que se realizam as batalhas eleitorais. Por isso é que o quadro em que nós disputámos as eleições para o Parlamento Europeu, e todo o cenário que estava em torno da ideia de que nós íamos desaparecer e por aí fora, e o facto de termos tido o resultado mais negativo do que nas anteriores, mas termos conseguido eleger, ainda por cima, um deputado com grande prestígio, um homem de grande trabalho, o João Oliveira, nós não olhámos para aquilo como uma vitória, mas foi com satisfação que encarámos aquele resultado. E, portanto, é um exemplo de um aspeto em que andámos para trás, mas que teve um sentimento, de facto, de vitória, face ao cenário que estava traçado.
Mas tendo em conta essa inclinação do eleitorado para a direita, não me receia que a CDU possa ser novamente vítima?
Eu vou dizer que não, convictamente. Eu acho que para já há duas diferenças, uma é a maioria política que se expressa no voto, e não há dúvida, é um facto que a direita teve uma expressão eleitoral no seu conjunto de grande significado, maioritária, portanto, isso é um aspeto concreto. E depois há uma maioria social, uma parte dessa se expressa sem votos, outra parte não se expressa sem votos, e quero crer, e a análise que temos é esta, de que há uma expressão da maioria social que se expressa do ponto de vista eleitoral na direita, não porque seja, porque encontra ali o seu programa para responder aos seus problemas, mas porque olha para a direita, em algumas expressões até da direita, como uma forma de protesto e de afirmação de que isto não pode continuar assim. Ora, se isso é assim, é verdade, e a análise que fazemos é essa, então é preciso que essa gente que vota como forma de protesto na direita, não reforça aqueles que quando tiverem o poder na mão, vão recair sobre eles, por aqueles que votaram. O que nós dizemos é que se alguém quer mudar, se alguém quer a rutura com este caminho que temos vivido até aqui, que isto não pode continuar assim, não pode de facto, então só tem uma coisa a fazer, é dar força ao CDU. Isto não nega o objetivo da arrumação das forças, desse ponto de vista. Mas há uma outra questão, o voto na CDU é o único voto que dá duas garantias fundamentais. A primeira é que é um voto de resistência, ninguém enfrenta a direita e a extrema-direita como o CDU, não preciso falar da história, acho que não justifica estar a falar nesse sentido. E a segunda é que é um voto, para além de resistir, é um voto fundamental para avançar, não há nenhum avanço, não é possível, deem-se piruetas que se quiser, venha-se com os cenários e com as matemáticas todas que se quiser, com as proclamações que se quiser, não há nenhuma forma, de facto, de avançar no sentido positivo medidas concretas que resolvam o programa de vida das pessoas, que é isso que nos importa, sem o reforço da CDU, foi sempre assim, foi assim no passado, isso verificou-se no presente, precisávamos ter tido mais para isso, e vai-se verificar no futuro, portanto, estamos tranquilos com o quadro em que estamos, com a batalha que estamos a travar.
Que parcela de responsabilidade atribui à posição assumida face à guerra na Ucrânia? Já disse que não foi feito tudo para diminuir as perceções erradas.
Nós temos um problema central no meio disto tudo, que é, nós estamos perante uma guerra que nunca devia ter começado e o esforço de todos devia ser para que ela tivesse acabado o mais cedo possível, e houve quem entendesse que, perante o início de uma guerra que nunca devia ter começado, que aquilo que se devia fazer, não era travá-la, alimentá-la, mais armas, mais, pronto, conhecemos a história. E a história trouxe-nos três anos depois à situação que temos hoje, uma guerra que não parou, uma guerra com milhões de mortos, não sabemos o número de mortos, o número da destruição, com milhares de quilómetros quadrados de território destruído, e aqueles que achavam que o caminho era mais guerra, mais armas, para resolver um problema que só pode ser resolvido do ponto de vista diplomático, como sempre afirmámos desde o princípio, não só quiseram afirmar a sua posição, como quiseram condenar à partida todos aqueles que se opunham a esse caminho, e nós compreendemos isso, nós compreendemos isso.
Agora, o que é um facto, hoje que há mais gente, que independentemente das opiniões que tenham tido há três anos, há quatro anos, há dois anos, há um ano, hoje olha para a situação na Ucrânia e considera que, tal e qual como nós sempre defendemos, que a única solução para a resolução do conflito é a resolução diplomática, e que devíamos empenhar todas as forças nisso, e isso é positivo porque alarga o campo daqueles que defendem a paz, mas acima de tudo é positivo porque esse é o caminho mais curto para que acabe o sofrimento do povo ucraniano e do povo russo, em particular do povo ucraniano.
A demarcação em relação à Rússia e a Putin não devia ter sido feita antes?
Eu nunca pensei que fosse necessário fazer uma coisa dessas...
Ficou a ideia que criticava um lado e não criticava o outro...
O que é que nós temos na Rússia? Temos um poder russo, cujo sistema assenta num sistema capitalista de acumulação e concentração da riqueza, um sistema a cujas opções políticas e ideológicas nós nos opomos aos seus princípios, que enfrentamos do ponto de vista económico, que condenamos sempre as consequências que tem na vida do povo russo, o aumento da exploração, tudo isso, e que outros, curiosamente, aqueles que se põem bicos de pés a falar adiante, muitas vezes foram lá bater a porta, fazer negócios, abrir as portas aos magnatas russos para cá vir. Eu, sinceramente, quero dizer que nunca pensei que tivesse de vir publicamente dizer que nós não temos nada a ver com o governo russo, nem com as suas opções políticas e ideológicas. Aliás, nós dissemos no dia 24 de fevereiro de 1922, nós dissemos isso num comunicado, ficou célebre por tudo, mas não por aquilo que estava escrito. Aquilo que nos motiva, sempre motivou, foi a paz, pôr fim à guerra e a paz. Isso era válido para o povo iraquiano, para o povo líbio, para o palestiniano, nós estamos perante um genocídio, uma dimensão brutal, já não bastavam os bombardeamentos, a invasão, temos dois milhões de pessoas, um milhão de crianças apertadas, sem comida, sem água, sem apoio humanitário, sem medicamentos, é isto que está a acontecer agora, a esta hora que nós estamos a falar. Portanto, isso é válido para todos os povos, e é válido para o povo ucraniano também.
No programa, a CDU defende o empenho do Estado português na obtenção de uma paz justa e duradoura na Ucrânia, e a seu ver, isso é possível sem fornecer armas?
Três anos depois da receita permanente das armas, acho que as consequências dessa opção estão à vista. São milhões de mortos, um país destruído, e a solução para essa receita é mais armas. Até onde? Qual é o limite dessa escalada? É a escalada final? É um conflito aberto, mais amplo ainda do que aquele que está? É um conflito entre potências nucleares? Pronto, nós para aí não vamos. Eu diria assim, eu acho que hoje a pergunta que se impõe é àqueles que defendem o caminho de mais armas explicarem porque é que a sua receita ao fim de três anos deu no que deu, e não naqueles que defenderam a paz desde sempre, e, portanto, nós neste momento estamos muito à vontade nesse debate e queremos que aqueles que acham que a receita é mais armas justifiquem a sua opção.
Tem dito que o que se passa depois das eleições vai depender da força que o voto da CDU tiver, mas não seria mais clarificador para os eleitores saberem com o que é que podem contar por parte da CDU? Qual é a disponibilidade na prática no pós-18 de maio?
Nós temos sido muito claros nessa disponibilidade. Eu diria assim, nós estamos disponíveis para três coisas, para resistir à direita e enfrentar a direita, este tema da direita olhos nos olhos, com a força que mais nenhuma tem. Estamos disponíveis para fazer avançar, e fazer avançar no quê? Nos salários, nas pensões, no acesso à habitação, no Serviço Nacional de Saúde, salvar o Serviço Nacional de Saúde, responder às necessidades das crianças, nomeadamente uma rede pública de creches e investir na paz que é isso que serve os povos. Mais clareza que esta, não há. E não vamos ficar à espera de ninguém para isso, vamos tomar a iniciativa. E nós resistiremos tanto ou mais, avançaremos tanto ou mais, quanto maior for a nossa força. Mais votos, mais deputados e mais percentagem eleitoral. Esta é a condição. Tudo o resto, nós podemos perder ou ganhar, depende da forma, perder ou ganhar tempo em discutir cenários, matemáticas, isso não tem efeito nenhum, porque o que vai determinar a capacidade de resistir e de avançar é o resultado eleitoral da CDU, como foi assim no passado. Portanto, se há coisa que nós não fazemos e corremos esse sucesso, assumindo essa responsabilidade, é connosco, não há ilusões. Questões claras e não há ilusões.
O que é que teria de mudar nesse programa do PS para a CDU admitir um entendimento pós-eleitoral?
Eu tenho tido uma experiência nestes últimos dias, que é, cada vez que da minha boca sai PS, no outro dia há duas parangonas possíveis. Ou “a CDU rejeita, ou a CDU abre as portas.” E, portanto, eu, sinceramente, tudo o que eu disser à pergunta que me fez, só vai alimentar estas ilusões.
O objetivo é clarificar.
O meu caminho é este: é que os nossos votos nunca falharão, os nossos deputados nunca falharão para resistir e para avançar. E para a vida das pessoas. Eu vou repetir, salários, pensões, educação, saúde, direitos das crianças, em particular a rede pública de creches, paz e educação. Nós nunca falharemos para isto. E olhemos para os programas, olhemos para os programas e cada um tira as conclusões do que é que serve, do que é que serve, do que é que serve os programas de cada um e as proclamações de cada um. Então, o que é que serve de nós, não é um tanto um problema de proclamações e de intenções, é na prática o que é que serve. O que é que serve andarmos a fazer apelos aos votos à esquerda, ao centro, etc, por aí fora, para depois, com os votos na mão, independentemente do sítio onde ficamos, em primeiro ou em segundo, deixem-me pôr as coisas nestes termos, a opção que vamos fazer é dar a mão ao primeiro ou ao segundo, como aconteceu este ano que passou. Já me disseram, você está sempre a criticar o PS. Eu não critico o PS. O PS toma as decisões que entende, faz as opções que quer. Agora, eu não posso é de deixar de resistir a factos, pronto. E, se quisermos, se quiser, aponto aqui quatro casos onde o PS deu a mão ao PSD e ao CDS.
Portanto, o PS, na sua leitura, está mais próximo da AD do que da esquerda, com quem firmou o entendimento no tempo da Geringonça?
Segundo os programas eleitorais, acho que cada um tem de ter as suas conclusões.
Falou em exemplos concretos de que o PS está mais próximo da direita.
Eu já repeti várias vezes.: Quem é que viabilizou o Orçamento de Estado? Foi a CDU? Não, foi o PS. É um facto, não fui eu que inventei isso. Ainda por cima teve uma agravante. É que o PS, a viabilizar o Orçamento de Estado do PSD e do CDS, não só viabilizou aquela política errada, como permitiu ao Chega fazer-se de fanfarrão e votar contra um orçamento que ia votar a favor, porque é um orçamento do Chega. Aquelas opções são as opções do Chega. O Chega teria feito aqui com o que fez na Madeira. Muita conversa e depois na hora H faria aquilo que faz sempre. Mas o PS não lhes permitiu isso, viabilizou o Orçamento de Estado. O PS votou contra a Comissão de Inquérito a um dos maiores crimes económicos do nosso país nos últimos anos, que é a privatização da ANA. Toda a gente fala que o país não tem dinheiro. E o país prescindiu de 20 mil milhões de euros que é aquilo que a Vinci vai encaixar em prejuízo daquilo que é o encaixe do Estado. O PS votou contra a Comissão de Inquérito, aliou-se ao PSD e ao CDS. O PS votou com o PSD e o CDS, o Chega e a Iniciativa Liberal, a descida do IRC, para as duas medidas, para que elas tenham 32 milhões de euros lucros por dia.
Mas quando olha para o programa, o que é que vê de coincidente e de errado em ambos os programas?
Vejo uma diferença muito substancial entre o programa do PS e o programa do PSD, que é os dez euros que eles têm de diferença, num objetivo que têm de chegar a 2029 com o salário mínimo, um em 1100 e o outro em 1110. Querem pagar em 2029 menos do que aquilo que hoje já se paga em Espanha, o salário mínimo nacional. Pronto, acho que este é um exemplo ilustrativo daquilo que nos espera e daquilo que nós precisamos de alterar e de romper. Ora, para romper, é com mais votos, mais força e mais deputados da CDU.
Se por acaso o AD voltar-se a formar governo, reincidiria na apresentação de uma moção de rejeição do programa, e que voto é que esperaria que o PS assumisse, dado que no ano passado não viabilizou a pretensão do PCP?
Nós, quando apresentámos a moção de rejeição ao programa do governo, foi porque sabíamos o que é que vinha aí. Estava escrito. E tenho que ser justo. O PSD e o CDS não enganaram. O que estava escrito, estava escrito e concretizaram. Nós dissemos o que é que ia acontecer, de cada problema criar uma oportunidade de negócio, foi assim na habitação, foi assim na saúde, e por aí fora. Aumentar as injustiças e desigualdades, dando benesses aos grupos económicos, foi assim com o IRC, e por aí fora. E alertámos para esse facto. Tanto alertámos que propusemos uma moção de rejeição. E, portanto, se esse cenário se viesse a concretizar, eu diria que há duas questões que estão garantidas. É que, se esse cenário viesse a concretizar, isso implicava que ainda é mais necessário mais votos, mais deputados à CDIU, mais força, para resistir, porque o que está aí na calha é muito grave, a alteração das leis laborais, pôr as mãos no dinheiro da Segurança Social, continuar o processo de desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde. Portanto, precisamos de mais força para resistir, e o PCP não vai prescindir todos os meios que lhe terá ao seu dispor para travar essa política. Essa pode ser uma possibilidade.
O PCP tem criticado, e ainda agora fez, a posição do governo no que diz respeito ao sistema de segurança social. O que é que receia?
A segurança social tem nada mais nada menos do que, sensivelmente, mais coisas menos coisas, 40 mil milhões de euros. Pronto, eu acho que está tudo dito. Ora, olhar para um sistema que tem 40 mil milhões de euros, que tem vitalidade económica, é que, naturalmente, terá que tomar medidas, médio e longo prazo, mas tem vitalidade económica, porque 40 mil milhões de euros, já viu bem o apetite que se abre daqueles que querem fazer tudo o negócio, inclusive a doença, os lares, as creches, as reformas, são 40 mil milhões de euros. 40 mil milhões de euros é, 6 vezes 3, 18, como é de fazer as contas, é muito dinheiro. É muito, é muito dinheiro, são 3 PRR´s, é isso que eles querem por a mão. E, portanto, a forma como vão fazer, como querem fazer, estão a estudá-la. É um sistema solidário, é das coisas mais bonitas do ponto de vista da distribuição da riqueza, mas claro, 40 mil milhões, há muita gente no Governo que está a subir e a olhar para aquele bote.
Numa entrevista recente, prometeu manter as contas certas. Onde prevê buscar o financiamento para as várias medidas que preconiza?
Nós somos pelas contas certas. Nós dizemos que somos uma força muito ligada à vida e à realidade da vida.Cada um de nós, na sua casa, na sua família, na sua vida, não há ninguém que queira contas mais certas do que cada um de nós na nossa vida. E, portanto, nós, como temos esse princípio de ligação à vida, também queremos as contas certas na vida de todos nós e do nosso Estado. Agora, as contas certas implicam opções. O que é que nos vale? Contas certas, excedente orçamental, se a vida das pessoas está a pior. Vale-nos muito pouco. Qual é a consequência disso? E, portanto, nós precisamos de contas certas, mas com respostas à vida das pessoas, porque são essas vidas das pessoas que, tanto melhor, é que permitirão as contas certas no presente e no futuro. E é que fazer opções. Há bocado dizer, quer dizer, nós temos uma proposta de aumento das pensões e das reformas 5% para todas, 70€ no mínimo, para as mais, para permitir que as mais baixas aumentem 70€. Isto é um custo? Custa 1.800 milhões de euros, em cima do orçamento que já está. De forma simplista, eu diria assim, acaba-se que os benefícios fiscais custam esse valor, 1.800 milhões de euros, e entregue-se a mais 2 milhões de pensionistas e reformados. Nós temos uma proposta que é o aumento do salário mínimo fixar-se nos 1.000 euros já a 1 de julho deste ano. Isto tem um custo de 1.500 milhões de euros. É muito dinheiro. Caramba, desculpem a expressão, mas a economia produz isso. Nós tivemos em 2023, o lucro da riqueza criada foram 45 mil milhões de euros, no conjunto das empresas. Se tirarmos 1.500, esses 45 mil milhões, fica um bocadinho menos lucro, mas permite que 800 mil pessoas elevem as suas condições de vida de um dia para o outro. Mas é uma questão de opções. Nós estamos pelas contas certas e somos pelas opções certas. Não andamos aqui a procurar justificar que os mesmos sempre paguem as faturas e sejam sacrificados para que os poucos, também os mesmos, sempre continuem a encher e a concentrar a riqueza, à custa do esforço de todos nós.
O facto de haver ao nível europeu agora uma tendência para flexibilizar as metas do déficit, permite-lhe pensar que poderá haver essa mesma flexibilidade para outras áreas mais sociais?
Não vai nada. Aliás, só há essa flexibilidade por causa dessa pretensão da loucura da guerra. Nós temos um país com 2 milhões de pobres. Desses 2 milhões de pobres, cerca de 300 mil são crianças. Não sei se muitas vezes temos todos a noção do que é que significa. Os números têm este problema. São exatos, mas são frios. Mas são 300 mil crianças na pobreza. São 700 mil trabalhadores que trabalham todos os dias. Não estão desempregados, trabalham, ganham salários e não conseguem sair da situação de pobreza.
Nós tivemos este fim de semana e no fim de semana passado os números mais elevados de concentração de urgências encerradas no país. Uma parte delas obstetrícias e pediátricas. Alguém consegue imaginar? Alguém consegue imaginar a insegurança das grávidas e das mães e dos pais perante o facto de terem urgências encerradas? Isto é loucura. E perante esta situação, nós temos milhares de pessoas que estão a fazer sacrifícios enormes para aguentar o seu teto. Porque as pessoas são o que são, as rendas são o que são. Está difícil. E venham-nos tentar convencer que nós vamos ter que abdicar ainda de mais salários, mais pensões, de mais reformas, de mais saúde. Como disse o secretário-geral da ANAT, não fui eu que a inventei. O secretário-geral da NATO foi muito claro. Disse que é preciso cortar na saúde e nas pensões para investir na guerra.
O primeiro-ministro diz que não. Diz que será um investimento que até dará lucro.
Dá sempre lucro. Mas enquanto o lucro vem ou não vem, quem paga a fatura são sempre os mesmos. Porque esta coisa de flexibilizar do ponto de vista orçamental é muito bonito do ponto de vista europeu. Lá na folha do Excel aquilo sai da contabilidade do Estado mas alguém vai ter que pagar aquela fatura ou não? Alguém vai ter que pagar e vai sobrar para nós. Nós estamos a corresponder a um cardápio, a uma exigência do complexo metal industrial para concentrar e concentrar lucros à custa da morte. Nós não precisamos criar mais guerra. Nós precisamos acabar com a guerra. E convenhamos que em outros momentos da nossa história, da humanidade, foi possível andar para trás, andar para frente no sentido do desarmamento e do alívio dos conflitos. E há outra coisa que não nos convence. E agora, de forma até mais séria, que não nos convence, não permitiremos que enviem os nossos filhos e os nossos netos para uma guerra para responder aos interesses do complexo metal industrial. Não permitiremos.
Portanto, o PCP será contra o regresso do serviço militar obrigatório
O serviço militar obrigatório, neste contexto, é formar carne para canhão. Neste contexto em que estamos a falar hoje, não há outra razão, não há outra forma de explicar isso que não seja carne para canhão. E nós não precisamos de carne para canhão. Nós precisamos dos nossos jovens motivados, entusiasmados, com salários, com estabilidade no trabalho, com acesso à habitação, com acesso a uma vida melhor, para cá ficarem, cá estudarem e com essa força e essa criatividade e esse conhecimento que têm, contribuírem para que o país ande para a frente, não é que o país ande para trás.
O que é que está a falhar na estratégia do campo de esquerda para surgir com intenções de voto tão pouco expressivas? Está a ser vítima do voto útil ou não está a conseguir convencer sobre a utilidade do voto?
Isto dá-nos aqui um debate para um tempo que talvez não tínhamos, mas terei muito gosto um dia quando entendermos. Como disse há pouco, não sou de pôr a cabeça na areia. Certamente nós não faremos tudo bem. Neste caso estou a falar da CDU, do PCP, da CDU. Certamente nós não faremos tudo bem. Estou convencido disso. Estamos a procurar melhorar.
Mas eu acho que não devíamos desvalorizar o contexto em que estamos. Este exemplo da guerra, que eu acho que não é o único, mas acho que é um exemplo paradigmático disso. Numa circunstância normal, num país normal, num país normal no sentido em que tivesse tudo certo a andar no bom caminho, uma força como a nossa, neste caso a nossa, que nalguns momentos foi a única, felizmente hoje não é a única, mas nalguns momentos foi a única, uma força que exija paz desde sempre. Numa situação normal devia ser uma força que era penalizada por isso ou que se devia penalizar era as forças da guerra. Isto é um exemplo paradoxal. A força da paz é penalizada e as forças da guerra querem gastar os nossos recursos na guerra, querem mandar os nossos jovens para a guerra. São as forças que são valorizadas. Isto para chegar a onde? Para chegar à ideia de que o contexto também não é propriamente muito favorável, mas eu estou convencido que não é uma convicção louca, é baseado em factos, que nós estamos em condições de quebrar essa tendência que acabou por afirmar agora e estou convencido que vamos crescer, até porque se tem alargado muito o apoio à CDU e há uma frase de um apoiante nosso que eu acho que é muito reveladora que é apoiar a CDU como sempre e desta vez ainda mais. O nosso amigo (Álvaro) Siza Vieira que nos tem apoiado desde sempre e voltou a reafirmar esse apoio, que eu acho que é muito representativa. Apoiar a CDU como sempre e desta vez ainda mais, eu acho que é isso que está na mente de muita gente e talvez estejamos em condições de na próxima entrevista me perguntar como é que conseguiram subir desta vez.
Quando assumiu funções afirmou que era preciso corrigir algumas coisas no capítulo do recrutamento. O que foi feito e como está nesta altura a entrada de novos militantes no PCP?
Olha, você agora apanhou-me em falso porque eu até costumo vir prevenido com números e agora não os trouxe. Mas eu vou buscar a ideia fundamental porque penso que essa é a questão. Na altura quando eu disse isso é porque nós precisávamos de fazer muita coisa. Por isso é que nós fizemos uma conferência, tomámos 20 decisões porque havia pelo menos 20 coisas que não estavam bem. Mas um dos aspetos fundamentais do recrutamento era no sentido de que nós tínhamos de deixar de ficar à espera que nos viessem bater à porta e ter a audácia de conversar e convidar para vir para o partido. Uns para virem para militantes, outros para virem para nos ajudar, amigos. Temos muitos que felizmente trabalham connosco e estão connosco todos os dias em várias batalhas. No fundo a questão era a ideia de tomar a iniciativa de não ficar à espera que nos batessem à porta, mas irmos para fora contactar, esclarecer, mobilizar e recrutar. Porque precisávamos de mais militantes, é uma evidência. Mais militantes dá mais força organizada, mais força organizada dá mais intervenção. Mais intervenção traz mais ação e luta e também tem importância do ponto de vista eleitoral. E eu acho que desse ponto de vista de tomar a iniciativa de ir para o contacto, para o esclarecimento, para o recrutamento acho que demos passos. Demos passos. Há quem, daquilo que precisávamos, demos passos significativos. E depois há um aspeto que talvez a estrutura partidária que tenha compreendido melhor e agido melhor sobre esta necessidade foi mesmo a Juventude Comunista Portuguesa. Com a sua estrutura própria, com a sua dinâmica própria, com a sua direção própria, mas com uma grande audácia de contato e esclarecimento. Aliás, isso acho que é muito visível e foi muito visível no 25 de Abril com uma participação massiva de grande vitalidade. E isso dá-nos grande confiança para o presente e para o futuro, porque eles não são o futuro do partido. Em grande medida são o presente do partido e, portanto, dá-nos confiança. Fizemos tudo o que precisávamos. Nós estamos ainda atrasados, mas estamos a tentar recuperar.
