Imagine que ia a tribunal, mas no final ditava a sua própria sentença. Assim é nos casos de incompatibilidade na Noruega, onde a legislação que existe é muito pouca, e pouco clara.
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Na Noruega quase não existe legislação sobre incompatibilidades de titulares de altos cargos públicos. O vazio legislativo deve-se a dois princípios fundamentais nos modelos de sociedade nórdicos: o princípio da honestidade, segundo o qual legislar em demasia é uma perda de tempo e de recursos, dado que 98% das pessoas são sérias e honestas, e o princípio da confiança, ou seja, como 98% das pessoas são genuinamente honestas, a sociedade confia nelas.
A regra geral é a de que a haver incompatibilidade, a pessoa visada deve chegar voluntariamente a essa conclusão por consciência própria. Mas mesmo que se auto declare incompatível num caso, ou num cargo, a lei permite que a pessoa incompatível se pronuncie ou dê opiniões sobre as matérias que motivaram a situação de incompatibilidade, vedando no entanto a participação na discussão ou votação.
O quadro legislativo norueguês é, portanto, baseado na honestidade e bom senso de cada um, com os vários estudos a mostrarem que as declarações voluntárias de incompatibilidade são na realidade desnecessárias em quase nove em cada 10 casos.
Os juristas noruegueses opinam mesmo que criar leis mais rígidas de incompatibilidades resultaria em menos democracia nas decisões, uma vez que o atual sistema voluntário de incompatibilidade, baseado nos princípios da confiança e honestidade, contribui para níveis bastante elevados de transparência nos processos de tomadas de decisões. Porquê? - Porque há muito mais pessoas a declararem motivos de incompatibilidade pessoal do que o exigido pelas regras, o que contribui para a exposição de vínculos pessoais e profissionais, que de outra forma poderiam muito bem permanecer na obscuridade.
Nos últimos anos a questão de incompatibilidades ganhou atualidade, em especial depois de um caso relacionado com uma das ministras do atual governo conservador: antes de ir para o governo, ela era a principal conselheira e consultora de várias grandes redes de supermercados, que na Noruega se opõem ao poderoso movimento dos agricultores. Uma vez no governo, à frente do ministério da agricultura, a ministra inverteu papéis, tendo quase declarado guerra ao lobby dos supermercados.
A ministra nunca cedeu às pressões dos que achavam que devia invocar incompatibilidade, argumentando que a declaração da mesma cabia à sua consciência, podendo as pessoas confiar que ela na qualidade de ministra defendia com total honestidade os interesses dos agricultores.
Recentemente, a OCDE solicitou à Noruega a criação de leis mais concretas sobre incompatibilidades para detentores de cargos públicos mas, mesmo assim, as propostas à discussão chumbaram todas no Parlamento. Para o Parlamento, é mais importante continuar a deixar a determinação de incompatibilidades à consciência dos detentores de cargos públicos.
A experiência mostra que as declarações de incompatibilidade são na esmagadora maioria dos casos a título voluntário, durando em média entre seis meses e três anos.