“Nunca faria o que me fizeram a mim”. Costa lembra-se de Passos Coelho, na despedida de Bruxelas

John Thys/AFP
António Costa despede-se de Bruxelas enquanto primeiro-ministro, ao fim de 74 cimeiras, ao longo de oito anos e de vários governos.
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Na última cimeira europeia enquanto primeiro-ministro, António Costa afirma que parte de Bruxelas “com orgulho” pelos oito anos no palco europeu e “sem mágoa”. Mas, a falar a propósito do compromisso de Portugal com o projeto europeu e da futura participação do PS, na aprovação de orçamentos do governo minoritário em nome da credibilidade externa, António Costa deixou reparos a Passos Coelho, dizendo que “nunca faria aos outros”, o que não gostou que lhe terem feito a ele.
Nestes três dias de reuniões em Bruxelas, o chefe do governo cessante, procurou assegurar que, apesar dos resultados eleitorais, as instituições europeias “não têm razões para não estarem tranquilas”, visto que Portugal vai “manter-se alinhado com o projeto europeu”.
“O que fiz - e acho que é o dever de qualquer Primeiro-Ministro, na cena internacional -, é transmitir a confiança que todos devem manter no nosso país, e naqueles que democraticamente os portugueses escolheram para governar o país”, afirmou, considerando que “esse é o dever de qualquer governo”.
“Nunca me passaria fazer o contrário e neste caso, estou em particulares condições e com a facilidade de o poder fazer”, afirmou Costa, insistindo que “sempre faria” a defesa da imagem do país, embora “também não esquecendo que outros não o fizeram”.
“Quando eu assumi funções e sei bem o que é que isso teve de custo para o país, teve custo para a ação governativa e costuma dizer-se que não faças aos outros o que não gostas que te façam a ti”, afirmou António Costa, garantindo, - naquilo que parece ser uma crítica ao ex-primeiro-ministro -, Passos Coelho, que “nunca faria aos outros o que não gostei que me fizeram a mim”.
António Costa respondia à pergunta sobre se acreditaria que também pode haver tranquilidade em Bruxelas, no caso do voto do PS vir a ser necessário para se encontrarem soluções relativamente à política orçamental?- não só no caso de se colocar a hipótese de haver um orçamento retificativo, mas também no âmbito do semestre europeu, quando até 15 de outubro, tiver ser apresentado um plano orçamental, para o próximo ano. Mas, sobre “política nacional, não abre a exceção”, de falar a partir de Bruxelas.
Sobre o futuro político, escusa-se a abrir o jogo. Mas, nos corredores de Bruxelas, fica entendido que um cargo europeu para António Costa está dependente de uma folha limpa na justiça.
Questionado sobre os comentários públicos da atual procuradora-geral da República, Lucília Gago, a propósito da possibilidade do processo que corre no supremo, por suspeita de “prevaricação”, descer para o Departamento Central de Investigação e Ação Penal, não responde, mas deixa subentendida a uma crítica.
“Já tive ocasião de explicitar várias vezes que se e quando a justiça pretender falar comigo, sabe onde eu estou. Sabe qual é o meu número de telefone e, portanto, pode falar comigo. Eu não falo com a Justiça através da comunicação social”, afirmou, a propósito da investigação, que pode fechar-lhe a porta do Conselho Europeu.
Ao fim de oito anos, 74 cimeiras e três governos, António Costa afirma que deixa Bruxelas “sem mágoa”. “Com alguma imodéstia”, afirma que termina a sua intervenção no palco europeu na liderança governativa, “até com algum orgulho”.
“A tentar relembrar como tudo começou há oito anos”, quando à volta da mesa do Conselho Europeu havia apenas “muito ceticismo sobre a possibilidade de conseguirmos cumprir as regras europeias”, dada a aliança parlamentar com o PCP e o Bloco, na camada ‘geringonça’.
“Em oito anos passados, nós conseguimos evitar a aplicação das multas - que ainda tentaram aplicar no verão de 2016; em 2017 saímos do procedimento por Défice Excessivo e nunca mais regressamos ao procedimento por Défice Excessivo; e acabamos o ano de 2023, de novo, com um saldo orçamental positivo”, apesar do “choque brutal da pandemia”; e tendo deixado de ser o segundo país mais endividado da União Europeia”, destacou António Costa.