Não o demoniza e considera que o Bloco Central é uma solução extraordinária para momentos extraordinários. Em entrevista à TSF, Francisco Assis avisa que nada nos pode garantir que "daqui a alguns meses o país não possa estar confrontado com uma situação de exceção."
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Terá Rui Rio aberto novas possibilidades ao PS? Francisco Assis acredita que sim. À TSF, o eurodeputado - que não se considera tão à direita como o pintam - avisa que o abrandamento económico na Europa pode trazer novos desafios políticos a Portugal e que situações extraordinárias exigem soluções extraordinárias. E é aí que pode entrar o Bloco Central. Algo que PS e PSD nunca admitirão em ano eleitoral, mas que pode muito bem ser a solução ideal para enfrentar momentos mais difíceis. E, antecipa Francisco Assis, para salvar Rui Rio na liderança do PSD, se perder as eleições legislativas de outubro.
As previsões económicas apontam para um abrandamento do crescimento da economia, este ano e nos próximos. Um PS com maioria absoluta, e num contexto de abrandamento económico, tem condições para governar com o PCP e com o Bloco?
Tenho a tese de que não, mas sou suspeito porque nunca gostei muito desta solução, embora a respeite porque ela tem toda a legitimidade constitucional e democrática. Penso que esta solução só é possível num contexto em que seja viável a prossecução de uma politica incompatível com um quadro de dificuldades económicas. Julgo que, com o abrandamento da economia, com a necessidade de prosseguir uma politica orçamental bastante rigorosa, é muito difícil a repetição de uma solução governativa com o PCP e com o Bloco de Esquerda, a não ser que esses partidos alterem drasticamente o seu posicionamento. E a verdade é que eles já me surpreenderam durante estes quatro anos, na medida em que contribuíram para a aprovação de Orçamentos do Estado que, noutras circunstâncias, provavelmente teriam considerado como perigosamente neoliberais. A não ser que isso volte a acontecer... e ,se acontecer, não seria uma notícia má para o país, mas eu não acredito muito. A elasticidade ideológica desses partidos tem limites. Não acredito que, num contexto de abrandamento da economia - que é aquilo que vai acontecer inevitavelmente, porque é uma questão europeia, não tem que ver connosco -, de necessidade de prosseguir a consolidação orçamental, seja possível avançar de novo para uma solução governativa desta natureza.
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"Pedro Nuno Santos aspira a ser líder do PS"
Esta lista para as europeias do Partido Socialista vai obrigar o primeiro-ministro a fazer algumas mexidas no Governo. Pedro Nuno Santos sobe a ministro. A pergunta é se acha que António Costa está a preparar um sucessor?
Não, não acho. Ele tem avançado com vários nomes, para várias áreas, que podem ser considerados sucessores. O Fernando Medina, Ana Catarina Mendes, Pedro Marques... o Pedro Nuno tem peso no partido, até independentemente do lugar que António Costa lhe destina. É uma pessoa - a par da Ana Catarina Mendes - com uma grande ligação às estruturas do PS, cresceu de certa forma no interior do PS, tem uma ligação natural e representa hoje um ponto de vista que é muito bem aceite por largos setores do PS. Não tenho dúvidas que aspira, com toda a legitimidade, a ser um dia líder do partido.
E, se esse dia chegar, não exclui que Francisco Assis possa enfrentar Pedro Nuno Santos, numa espécie de luta entre um candidato mais à direita e outro mais à esquerda?
Essas coisas de mais à direita, mais à esquerda, às vezes não são assim tanto como se apregoam. As coisas são assim um bocadinho mais...
Já sei que acha que Pedro Nuno não é assim tão à esquerda como as pessoas o pintam...
Não, eu sou amigo do Pedro Nuno, converso muito com ele e acho que ele não é tão à esquerda como por vezes o pintam. E também é natural que numa fase da vida se seja um bocadinho mais à esquerda.
Nem o Francisco é tão à direita como o pintam?
Não, isso de ser tão à direita, não sou seguramente. Julgo que tenho provado que não sou tão à direita como às vezes alguns me quiseram pintar. Nas questões de fundo, filosófico-políticas, em muitas delas estaremos de acordo, mas temos naturalmente divergências. Não estou a equacionar no futuro nenhuma disputa política dessa natureza, não é coisa que me passe pelo horizonte.
Da outra vez que se candidatou, se calhar também não estava...
Sim, candidatei-me uma única vez a secretário-geral do partido e não estava a contar fazê-lo, foi uma decisão tomada em dois dias. Mas não estou a ponderar fazer isso. Veremos no futuro como é que as coisas se vão colocar. Há muitos nomes, como se vê, de figuras que podem emergir e há outras de que não se fala neste momento mas podem vir a surgir. Muitas vezes os líderes desaparecem de um momento para o outro. Neste momento há um líder, o PS tem António Costa que eu considero, apesar de termos as nossas divergências, um homem com grandes qualidades politicas. Por isso, julgo, poderá governar bem o país num contexto politico diferente da geringonça.
"Nada me garante que o país, daqui a alguns meses, não esteja confrontado com uma situação de exceção"
António Costa tem dado sinais equívocos porque já disse que, mesmo com maioria absoluta, gostava de continuar a contar com o Partido Comunista e com o Bloco de Esquerda; mas também já abriu a porta a entendimentos com o PSD. Quer uma maioria clara, mas acha que é virtualmente impossível ter uma maioria absoluta. Consegue antecipar o que António Costa vai fazer?
É evidente que António Costa, neste momento, tem que dizer que gostaria de governar de novo com o BE e com o PCP, senão, de certa maneira, estaria a reconhecer que esta solução é inviável e, ao reconhecer isso, estaria a reconhecer que ela não teria tido o sucesso que, obviamente, o PS tem que apregoar que teve, por razões óbvias. Mas penso que António Costa é um homem que tem capacidades politicas para governar em minoria, se for o caso disso, com base em entendimentos compartidos à direita e à esquerda. Ele é um moderado no interior do PS, não é radical, é um europeísta.
E ter Rui Rio como líder do PSD, muda tudo?
Pode favorecer. Agora, a questão é saber se, depois de uma derrota eleitoral, Rui Rio permanece como líder do PSD. Julgo que isso dificilmente acontecerá. Mas é evidente que uma personalidade como o Rio, porque representa os setores mais à esquerda do PSD, pode facilitar um entendimento com o Partido Socialista e isso tem vindo a ser demonstrado cabalmente, na prática recente, com as suas declarações e a sua atuação. Pode dar-se o caso - não quer dizer que o defenda -, num contexto de abrandamento económico, de crise no plano europeu - que pode acontecer -, que o país entenda que pode haver alguma vantagem numa aproximação entre os dois maiores partidos e, nesse caso, talvez Rui Rio se possa manter na liderança do PSD - se porventura o PSD passasse a fazer parte da solução governativa.
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Que não necessariamente um Bloco Central?
Nesse caso seria um Bloco Central. Claro que eles vão já dizer que não, nesta altura eles farão um esforço imenso para dizer que não e, como vamos entrar na campanha eleitoral, quer o PS, quer o PSD vão acentuar tudo o que os separa. Mas nós sabemos que há muito exagero nisso, há muita coisa que, felizmente, nos aproxima. Claro que somos diferentes, mas, num contexto de crise, isso pode acontecer, como aconteceu e tem acontecido na Alemanha, como aconteceu em vários países e como já aconteceu aqui em Portugal. Eu não sou daqueles que, em absoluto, demonizam, o Bloco Central, como se isso fosse a pior das soluções. É uma solução extraordinária para momentos extraordinários, mas nada me garante que o país, daqui a alguns meses, não possa estar confrontado com uma situação de exceção. O país e a Europa, e isso obriga a pensar numa solução dessa natureza. Nessa perspetiva, aí sim, julgo que ter um líder como o Rui Rio no PSD, pode facilitar as coisas. E não é pela tal relação especial - que não sei se tem ou não com o António Costa. Tem mais a ver com o facto de António Costa ser um homem muito moderado e de Rui Rio representar uma linha mais próxima de nós no PSD.
Ir para o governo? "Depende do estado do PS"
E agora, o que é que se segue? Já disse que não quer voltar a ser deputado, pelo menos por agora, na Assembleia da República. O que é que o Francisco Assis vai fazer?
Vou manter a minha intervenção no PS.
Mas como militante de base?
Para já, como militante de base, depois veremos.
E o Governo, está fora de questão? Mesmo que seja convidado?
Não faria sentido nenhum que fosse convidado para ir para o Governo no imediato, porque estamos a viver uma legislatura marcada pela geringonça. Seria absurdo, até, nem passa pela cabeça de ninguém. Mais tarde, o que tenho dito é o seguinte: depende das circunstâncias do país, da governação e do estado do PS. Mas não tenho nenhuma perspetiva que isso venha a acontecer no imediato. Estou a reformular a minha vida, no sentido de trabalhar noutras áreas que não a política, tenho desde já objetivos imediatos de ordem pessoal, que estão ligados à minha vida na universidade. Tenho um doutoramento para concluir, se possível até ao final do ano, início do próximo. Também tenho outras perspetivas de trabalhar com algumas fundações, nomeadamente na área da cooperação com a América Latina, que é uma área a que acabei por me dedicar muito no Parlamento Europeu, que é muito interessante e onde gostaria de continuar a trabalhar. Tenho 54 anos e há alturas na vida em que temos que mudar, porque senão também torna-se tudo demasiado rotineiro. Não é que eu esteja cansado da vida política, mas de certa maneira tenho agora uma grande vontade de fazer coisas fora da política. Portanto, quando se fecha uma porta, abrir-se-ão muitas portas com certeza.
Mas quando olha para a frente, o que é que gostava de fazer na política? O que é que lhe falta fazer? Vamos por a coisa de outra forma. Gostava de voltar a ser Presidente de Câmara, por exemplo?
Fui Presidente da Câmara de Amarante, fui candidato à do Porto, gostei imenso. Teria gostado de ter sido Presidente da Câmara do Porto.
Só não foi membro do Governo...
Mas fui convidado e não aceitei, portanto estou à vontade. E não aceitei, na altura, porque achei que as áreas para que estava a ser convidado não me estimularam o suficiente para responder que sim. Mas teria gostado, há uns anos, de ter sido Presidente da Câmara do Porto. Hoje é uma coisa que nem me passa pela cabeça, voltar a ser autarca. Respeito muito os autarcas, mas não me passa pela cabeça voltar a ser autarca, com todo o respeito pela atividade. Gostei imenso de ser Presidente da Câmara de Amarante e depois vereador da oposição aqui no Porto. Sou uma pessoa que esteve no Parlamento muitos anos. Se quer que lhe diga, não sinto falta de nada. Se sinto falta de alguma coisa é noutras áreas, por exemplo, em termos de produção académica, intelectual, sinto que tudo ficou para trás e gostaria de produzir alguma coisa, de escrever alguns livros nos próximos anos nas áreas em que tem incidido a minha reflexão, que tem que ver mais com o pensamento político, a história das ideias políticas, o pensamento económico e social. Produzir alguns livros. Sinto alguma amargura por nunca ter feito nada disso e, provavelmente, vou agora ter tempo para o fazer.